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segunda-feira, 25 de junho de 2012

Ao pé da cerca - A conversa do Coronel Joaquim Rezende com o Capitão Virgulino Ferreira

Por: Ticianeli
Joaquim Rezende (à esquerda) conversa com Melchiades da Rocha. Foto: Maurício Moura - A Noite

A morte de Lampião, em 28 de julho de 1938, chegou ao conhecimento dos jornais da então capital do país, Rio de Janeiro, pelas mãos de um alagoano. Melchiades da Rocha era repórter do jornal carioca A Noite, quando recebeu um telegrama o seu irmão Durval da Rocha, despachado de Santana do Ipanema, em Alagoas, comunicando que “onze bandidos, inclusive Lampião, foram mortos pela polícia alagoano na fazenda Angicos, em Sergipe”. Foi um dos maiores furos de reportagem daquela época.
A título de curiosidade, a participação da família da Rocha no episódio não para por aí. Quando as cabeças dos cangaceiros chegaram à Santa Casa de Misericórdia de Maceió, foram autopsiadas pela equipe chefiada pelo Dr. Ezechias da Rocha, outro irmão de Melchiades.
Como prêmio pelo furo de reportagem, e também porque era alagoano, Melchiades recebeu a incumbência de viajar, no dia seguinte às mortes, para a sua terra e acompanhar os acontecimentos. Do aeroporto, o repórter se dirigiu para Santana do Ipanema, onde as cabeças iriam ser expostas. Foi assim que, no dia 30 de julho de 1938, Melchiades descobre que naquela cidade do sertão alagoano, se encontrava o prefeito recém eleito de Pão de Açúcar, Joaquim Rezende, a quem se referiam como tendo sido um dos amigos de Lampião.
O Coronel Joaquim Rezende foi prefeito de Pão de Açúcar entre 1938 e 1941. Segundo Etevaldo Amorim, em seu livro Terra do Sol, Espelho da Lua, a sua administração foi marcada por investimentos importantes para cidade, principalmente na melhoria das condições de moradias das populações mais pobres. Morreu assassinado em 1954, quando ocupava o cargo de delegado de Polícia. Os assassinos formam os irmãos Elisio e Luiz Maia. Elisio era o prefeito do município.
Melchiades da Rocha, no seu livro Bandoleiros das Catingas, lançado em 1942, recorda do encontro que teve com Joaquim Rezende em Santana do Ipanema. Ele se refere ao prefeito de Pão de Açúcar como sendo “um abastado proprietário em seu município” e que ele estava em Santana também “à espera da cabeça de Lampião, pois desejava certificar-se se de fato ele havia morrido”.
A situação de amigo de Lampião de Joaquim Rezende aguçou os instintos do repórter, que começou a se perguntar o que teria levado um rico cidadão a “se tornar um afeiçoado do Rei do Cangaço”, quando era prefeito de uma cidade que era alvo das ações do bandido. A narrativa a seguir é um valioso documento de como se davam as relações de Lampião com o poder político e econômico das regiões sertanejas vítimas do cangaço.
Sem quaisquer etiquetas, pois nós sertanejos não somos, apenas, iguais perante a lei, apresentei-me ao Cel. Rezende e lhe disse à moda da terra:
— "Seu" Rezende, eu queria uma palavrinha do senhor!
— Pois não! — respondeu-me, amavelmente, o prefeito de Pão de Açúcar.
Momentos depois o Sr. Rezende e eu nos achávamos na sede da Prefeitura de Santana. Em poucas palavras relatei os meus propósitos ao cavalheiro que me fora apontado como sendo grande amigo de Lampião.
Após ter-me oferecido uma cadeira, o Sr. Rezende sentou-se e narrou, pormenorizadamente, como e por que se tornara amigo do Rei do Cangaço, amigo ocasional, bem entendido, pois não poderia ter sido de outro modo.

Fala o Coronel Rezende

Conheci Lampião em 1935, época em que me escreveu ele, pedindo mandasse-lhe a importância de quatro contos de réis, prometendo-me, ao mesmo tempo, tornar-se meu amigo se fosse atendido. Em resposta à carta do terrível bandoleiro, mandei dizer-lhe pelo mesmo portador que lhe daria de muito bom grado o dinheiro, mas que só o faria pessoalmente.
Três dias depois Lampião mandou-me outro bilhete do seu próprio punho, dizendo-me que me esperava às 10 horas da noite na fazenda Floresta, município de Porto da Folha, em Sergipe, recomendando-me que fosse até ali, mas não deixasse de levar o dinheiro. Não obstante os naturais receios que tive, à hora aprazada cheguei ao local do encontro, onde permaneci até uma hora da manhã, quando surgiu um cangaceiro que, ao ver-me, perguntou-me se eu era o moço que desejava falar ao capitão. Respondi que sim.


Dentro de poucos minutos, então, o Rei do Cangaço ali se apresentava acompanhado de quatro homens, “Juriti”, “Zabelê”, “Passarinho” e "Nevoeiro". Ao ver o grupo aproximar-se, identifiquei logo Virgulino e a ele me dirigi, cumprimentando-o. O famoso bandoleiro, ao contrário do que eu esperava, recebeu-me amavelmente e foi logo perguntando sobre o que lhe havia levado. Sabendo que o Rei do Cangaço gostava de beber, eu, que levava comigo três litros de conhaque, lhos ofereci.
A fim de que desaparecesse logo qualquer suspeita do bandoleiro, prontifiquei-me a ser o primeiro a provar a bebida. Encarando-me com olhar firme, Lampião me disse em tom natural: “Concordo em que o senhor beba primeiro, mas não é por suspeita e sim porque o senhor é um moço decente e eu sou apenas um cangaceiro”. Tomamos, então, o conhaque e, em seguida, abordei o Rei do Cangaço sobre o dinheiro que ele me havia pedido. Como resposta, disse-me ele: "-O senhor dá o que quiser, pois eu dou mais por um amigo do que pelo dinheiro”.  
— Esse fato — disse o conceituado comerciante de Pão de Açúcar — teve lugar no mês de agosto de 1935, e a minha palestra com Lampião durou três horas, tendo ele me falado de vários assuntos, entre os quais o relativo à perseguição de que era alvo, acrescentando que, de todas as forças que andavam em seu encalço, a que mais o procurava era a do então Major Lucena, dada a velha inimizade que o separava desse oficial da policia alagoana, a quem reconhecia como homem de fato e dos mais corajosos.


Quanto às forças dos outros Estados, disse-me Lampião que se arranjava “a seu gosto...”, fazendo nessa ocasião graves acusações a vários oficiais dos que andavam em sua perseguição.
— Aí está como foi o meu primeiro encontro com o Rei do Cangaço. — Depois — acrescentou o prefeito de Pão de Açúcar — Lampião mandou pedir-me bebidas, charutos e também objetos de uso doméstico. Mais tarde, porém, fui informado de que ele estava empregando esforços no sentido de matar o Sr. José Alves Feitosa, ex-prefeito de minha terra que, como eu, o esperara muitas vezes ali, a fim de fazer-lhe frente, pois foi das mais terríveis a ação de Virgulino em nosso município.  Tratando-se de um amigo meu o homem que estava destinado a morrer às mãos de Lampião, procurei um pretexto para me avistar com este e não me foi difícil encontrá-lo. Todavia, após uma série de considerações, em que fui até exigente demais, Lampião, dizendo ao mesmo tempo que só fazia tal “sacrifício” para me satisfazer, prometeu-me sustar a realização de sua sanguinária intenção, declarando-me naquele momento que já tinha em campo dois homens para fazer o “serviço” lá mesmo na cidade de Pão de Açúcar, já que o visado andava resguardado, não saindo para parte alguma.
Tal conhecimento com Lampião, deixou-me, aliás, em situação crítica, pois inimigos meus denunciaram ao Coronel Lucena que eu era um dos coiteiros do celerado cangaceiro. Ao ter ciência de tal acusação, dirigi-me ao referido oficial e lhe expus as razões que me levaram a ter contato com o Rei do Cangaço, após ter andado prevenido contra ele, longo tempo. Jamais faria isso se não fosse a situação em que, como muitos outros sertanejos, me encontrei durante longo tempo.

Intercedi, depois disso, em favor de várias firmas comerciais de Maceió e Penedo, cujos representantes teriam caído às garras do bando sinistro se não fora a minha intervenção junto a Lampião. Há dois meses passados, fui forçado, do que não guardei reserva ao Coronel Lucena, a intervir novamente em defesa de algumas vidas preciosas, no que fui feliz, conseguindo que Virgulino desistisse dos seus sinistros propósitos.


Pesquei nexitante em
Ticianeli
Adendo

Joaquim Resende – Ex-Prefeito de Pão de Açúcar e chefe político da UDN, partido do governador Arnon de Mello, o delegado de Polícia Joaquim Resende foi assassinado em São José da Tapera, a época pequeno povoado do município de Pão de Açúcar, numa manhã de setembro de 1954, a tiros de parabélum. Os assassinos foram o então prefeito Elisio Maia e seu irmão Luiz Maia, que se diziam perseguidos pelo mesmo. Inclusive, conforme declarações do próprio Elisio Maia, feitas na fase do inquérito policial, a vitima vinha armando varias emboscadas para matá-lo Elisio,que era Prefeito, abandonou a Prefeitura e foi embora para o Sul do país.

Trecho da reportagem "Crimes e Processos Insolúveis em Alagoas" publicado em 8 de julho de 2011 no Jornal Extra de Alagoas.

Pescado em André Cabral História


lampiaoaceso.blogspot.com

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