Publicado
por Luiz Berto em BAÚ DE ESTÓRIAS -
Paulo Moura
Cristino Gomes
da Silva Cleto. Este é foi o nome de uma das figuras mais legendárias do
cangaço, o terrível Corisco. Ou, Diabo Louro.
Figura
atormentada pelo destino nasceu em 10/08/1907, num dia de sábado, na Serra da
Jurema, no município de Matinha de Água Branca, em Alagoas. Filho de Manoel
Gomes da Silva e de Firmina Cleto, teve seis irmãos: Vicente, Francisco, Maria,
Jovita, Teodora e Rosinha.
Seu pai morreu
muito jovem deixando a viúva com a obrigação de criar sozinha, os filhos ainda
pequenos. Dona Firmina, austera e moralista tratava os filhos com pulsos de
ferro, surrando-os freqüentemente por motivos nem sempre justificáveis.
Cristino, de temperamento rebelde desde cedo, fugiu de casa ainda aos 14 anos
de idade após uma destas memoráveis surras. Naquele tempo a família já morava
na vila de Pedra de Delmiro/Alagoas.
Foi parar em
laranjeiras, Sergipe, onde passou cerca de três anos trabalhando como
entregador de leite. Em fins de 1923, volta para casa muito doente e é recebido
pela mãe, saudosa e muito arrependida.
Em 1924 é
convocado para o serviço militar, indo destacar em Aracajú/Sergipe. Alto, olhos
azuis, loiro, bem parecido, inteligente e disposto, destaca-se entre os demais
recrutas, atraindo para si a admiração dos superiores. Afeiçoa-se às armas, que
aprende a manejar com precisão.
Em julho
daquele ano o tenente Maynard participa de uma revolta contra o governo, ao
qual mostra-se infrutífera devido à reação do presidente, apoiado pelos
“coronéis” do interior com suas milícias de jagunços. Tendo sido um dos mais
exaltados no momento da sublevação, Cristino é também um dos mais perseguidos.
Foge então para Pedra de Delmiro para esconder-se ao lado da família, mas em
pouco tempo chega uma precatória solicitando sua prisão. Foge então para mais
longe, Paraíba. Até então não imaginaria que passaria, a partir dali, a viver
fugindo até o fim dos seus dias.
Na Paraíba,
homiziou-se em Lagoa do Monteiro, terra do célebre bacharel-cangaceiro Santa
Cruz, habitat dos valentões. Naquele tempo o sertão fervilhava de cangaceiros.
A mudança não lhe foi benéfica.
Cristino por
algum tempo foi trabalhar na roça e no trato com o gado, mas como nem sempre de
trabalho vive o homem tornou-se frequentador assíduo dos forrós de fim de
semana. Certa feita tira uma moça para dançar e recebe um “não”. Insiste, e é
esbofeteado por um parente da moça. Apanhar na cara é uma desmoralização que o
sertanejo não perdoa. Vai à casa do patrão, arma-se e despeja toda a carga de
um rifle sobre o agressor, matando-o. Consegue fugir, indo ocultar-se em uma
das fazendas do patrão. Estávamos nos fins de 1925.
É orientado
pelo patrão a entregar-se às autoridades. Ele providenciaria que a pena lhe
fosse branda. Confiante, Cristino se entrega e é levado a júri. O tiro lhe sai
pela culatra e Pega 15 anos de prisão. O Estado naquela época, não tinha
condições de manter prisioneiros encarcerados por tão longo período e
normalmente resolvia o problema da maneira mais simples.
Escoltava-se
um grupo de prisioneiros com penas iguais ou superiores a 15 anos, até um local
deserto na caatinga, mandava que os infelizes cavassem suas próprias covas e
fuzilava-os à queima roupa. Às vezes, para economizar munição ou não fazer
barulho, optava-se pelo processo da sangria lenta: “Ferro na taba do queixo…
feito bode”.
Por sorte,
Cristino ficou numa cela com oito companheiros, e um deles era protegido pelo
prefeito do lugar. Poucos dias depois recebe uma sacola com alimentos, contendo
ainda ferramentas para a fuga e um bilhete avisando que no dia seguinte todos
seriam fuzilados e que por isso tratassem de fugir enquanto era tempo. No dia
seguinte, quando o sol nascia na Paraíba, Cristino era novamente um homem
livre.
Vai parar em
Villa Bela (atual Serra Talhada), refugiando-se na fazenda Carnaúba, reduto da
família Pereira, celebres no Pajeú devido aos aguerridos combates contra as
famílias Nogueiras e Carvalhos. Né da Carnaúba precisava de homens valentes na
sua terra para utilizá-los quando necessário, colocando-o entre seus moradores.
Novamente Cristino volta pra a vida normal de cuidar do gado e da roça.
Estávamos no inverno de 1926. Certo dia, o filho do prefeito de Villa Bela, em
visita à fazenda Carnaúba, reconhece Cristino e avisa a seu Né que seu pai
recebera uma precatória para sua prisão, e que se fosse levado para a Paraíba
seria certamente executado no caminho.
O conhecido
fazendeiro explica a situação para Cristino e o aconselha que a única solução
seria ingressar no bando de Virgulino Ferreira, Lampião, celebre cangaceiro que
à época já chefiava cerca de 100 homens em armas, travando uma guerra de
vinditas contra a família Nogueira, esta, ligada aos Carvalhos, inimiga dos
Pereiras. Lampião, nesta época já ostentava a patente de Capitão das forças
legalistas, dada meio à força pelo Padre Cícero do Juazeiro do Norte, após um
convite firmado para que o cangaceiro combatesse a coluna prestes que, em
formação de caravana, invadia o sertão.
Lampião, ao
ouvir as razões que o fizeram virar um foragido da justiça, resolve admiti-lo
no bando, colocando-o sob a chefia de Jararaca, um valente cangaceiro natural
de Buíque PE. Jararaca, ao conhecer o alagoano Cristino, vai logo dizendo que o
mesmo tem que mudar de nome, pois cangaceiro tinha que ter um vulgo que
impusesse medo. Seu primeiro tiroteio foi logo no dia seguinte na fazenda
Tapera, quando fora chacinada a família Gilo (este, um assunto guardado para
páginas seguintes, devido à gravidade dos fatos e a um grande mal que assolava
o sertão na época. O Boato). A partir daquele dia, diante da bravura, agilidade
e intrepidez do louro Cristino, este ganhou o apelido de Corisco.
Corisco ficou
no bando até maio de 1927. Tanto isso é verdade que não se vê a sua presença no
grande ataque à cidade de Mossoró/RN em 13/06/1927. O mesmo tentara deixar o
cangaço e mostrara a Lampião que queria começar vida nova. Viver sem ser
perseguido. Tinha muita vontade de ir para a Bahia, terra dos seus pais e onde
ainda tinha muitos parentes. Queria montar um comercio ou entrar na polícia.
Queria levar uma vida sossegada, pacata. Lampião ouviu suas razões e disse que
não tinha problema, poderia ir quando quisesse, mas que tivesse cuidado, pois
se descobrissem que ele havia participado do bando de Lampião seria morte
certa. Disse-lhe ainda que no dia em que quisesse voltar seria bem recebido.
Corisco, agora
com o nome de Cristino de novo, vai para Salgado do Melão e fica no meio dos
parentes. Era cidadão comum de novo e nova vida iria recomeçar. Um homem
valente não passa despercebido e em pouco tempo Cristino foi convidado para ser
guarda costas do Coronel Alfredo Barbosa em Vila Nova da Rainha. O serviço não
exigia tempo integral e o ex cangaceiro, agora regenerado, dedicava-se também
ao comercio de pequenos animais, abatendo-os e vendendo a carne nas feiras
semanais.
Data desta época o desentendimento do jovem feirante com o delegado
Herculano Borges, quando Cristino reclama da cobrança abusiva de um imposto na
feira, é brutalmente agredido pelo delegado e seus ajudantes. Com mais esta
desmoralização Cristino opta por não se vingar imediatamente, pois caíra nas
graças do coronel e até noivo estava de uma sobrinha sua, a Marieta, e já tinha
também a promessa de montar uma mercearia quando desposasse a donzela.
Novamente o
destino lhe é cruel. Cristino tinha uns primos envolvidos em questões, coisa
comum naquele sertão sem lei, e ele termina arrastado naquele desmantelo de
desavenças e intrigas. São emitidas precatórias para a prisão dele e dos
primos. Este, com o sonho do casamento desfeito, passa a viver escondido no
mato, enquanto seus parentes passam a sofrer todo tipo de perseguição.
Herculano
Borges, antes indisposto com ele, agora não lhe dá sossego. Vários de seus
parentes são torturados, castrados, violentados, assassinados pelas volantes e,
acreditem, alguns até enterrados vivos.
Cristino perde
tudo. Comercio, noiva, emprego, família, e volta novamente para a
clandestinidade. Agora, com o coração ardendo em ódio, une-se a Ferrugem, Hortêncio, vulgo Arvoredo, Emílio Ribeiro, vulgo Beija Flor e Manoel Cirilo,
vulgo Jurema, quase todos primos seu. E ele… De novo, e agora para sempre:
Corisco, o Diabo Louro!
É nesta época
que Corisco se apaixona por uma jovem de 12 a 13 anos de idade, sequestrando-a,
leva a donzela para casa de parentes seus. Não sem antes violentá-la e fazê-la,
mesmo à força, sua mulher. A moça se chamava Sérgia, e quando Corisco consegue
enfim trazê-la para perto de si, passa a tratá-la com desvelo e delicadeza
tamanha que a mesma se apaixona pelo facínora. Sérgia seria futuramente a Dadá,
mulher valente, perversa e considerada a princesa do Cangaço. Corisco passa a
atuar com grupo próprio nos meados de Agosto de 1928. Já em Dezembro do mesmo
ano vamos vê-lo incorporado ao bando de Lampião quando este viajava em rota
batida, fugindo dos desafetos de Pernambuco, indo se homiziar em terras
baianas. No dia 17/12/1928, o grupo do cangaceiro Lampião é fotografado na vila
de Pombal (ver foto abaixo), com um contingente reduzidíssimo, devido as
perseguições, mortes, prisões e debandadas de alguns cangaceiros.
Ao lado do
Capitão Lampião está o que restou dos seus melhores homens: Ponto fino
(Ezequiel, seu irmão), Moderno (Virgínio, seu cunhado), Luiz Pedro (seu lugar
tenente), Antonio de Engracia, Jurema, Mergulhão e por ultimo, Corisco.
A partir deste
ano de 1928 até maio de 1940 muitos crimes foram perpetrados pela horda
assassina. A maioria era crime de vingança, como o assassinato do Delegado
Herculano Borges, assunto que brevemente iremos postar. Contudo, no dia 03 de
Maio de 1940, Corisco já considerado o novo Rei do Cangaço, devido à morte do
seu Chefe e amigo Lampião em 28 de junho de 1938, – dois anos antes da sua –
resolve fugir com a mulher Dadá e apenas uma criança de 10 anos que os
acompanhava. Corisco planejava fugir para Mato Grosso ou Goiás, pois tinha
muito ouro guardado e negava-se se entregar à volante, pois sabia que com
certeza seria morto, pois ali a única coisa que interessava à polícia era o seu
dinheiro.
E foi no que
se deu. O tenente Zé Rufino, policial pernambucano que prestava serviço à
Bahia, estava no seu encalço. Corisco, devido às diversas escaramuças e fugas
da volante, estava debilitado e seus dois braços ficaram inutilizados por força
de ferimentos à bala em tiroteio recente. Dadá, sua mulher, passara a usar o
fuzil no seu lugar. A volante alcança-o em Barra do Mendes, município de Brotas
de Macaúbas, na fazenda Pulgas, onde se escondia.
A volante toma
posição, cercando a tapera em que o cangaceiro se escondia. O tenente Rufino
grita:
- Aqui é o
Tenente Zé Rufino! Se entreguem que eu agaranto a vida de voceis!
Na saída do
casal de dentro da casa o que se ouve é uma fuzilaria infernal. Era Dadá, que
atirava com o fuzil por sobre o ombro do marido aleijado e impotente. A
resposta é imediata. Corisco, metralhado na barriga, tomba desfalecido, com as
vísceras expostas. Dadá, ao seu lado urra de dor com um dos pés dependurado nos
tendões.
A volante se
aproxima. Um soldado coloca para dentro os intestinos do velho cangaceiro,
dizendo:
- Tenente,
esse aqui já era! Tá fedendo a merda, e fedeu a merda é morte certa, não é?
Zé Rufino se
apresenta para Corisco e pergunta:
- Pru quê num
si intregô, Rapaiz?
- Tô
sastifeito. Sô homi pra morrê, não pra sê preso! Respondeu Corisco.
Corisco, após
este episódio, veio a falecer algumas horas depois. Dadá, levada presa, teve a
perna amputada. O tenente Zé Rufino, se transformou num herói, por ter sido o
responsável pelo fim do cangaço no sertão nordestino, fechando assim um ciclo
terrível que lavou o sertão de sangue e desgraça. Ciclo este só comparado às
entradas dos Bandeirantes, que chacinavam índios indefesos dentro de suas
próprias terras, em nome do processo de colonização. Mas esta já é outra
estória!
http://www.luizberto.com
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