Por: David de Medeiros Leite
Cartas de
Salamanca - Os Sons de Terto Ayres
Sons de
chocalho, perdidos
nas várzeas, ao fim do dia.
O que era rude matéria,
transforma-se em poesia.
(Deífilo Gurgel, em “O Chocalho”)
nas várzeas, ao fim do dia.
O que era rude matéria,
transforma-se em poesia.
(Deífilo Gurgel, em “O Chocalho”)
Chego de férias e logo vou visitar o Memorial da Resistência, “novidade nova” por tantos elogiada. A cidade realmente reclamava uma justa homenagem aos que, heroicamente, combateram o bando de Lampião naquele 13 de junho de 1927.
Demorei-me um pouco contemplando as fotos dos nossos valentes antepassados.
Fiquei pensando na atitude deles: despojamento total. Misto de bravura e amor à
terra. Homens que deixaram esposas e filhos e aceitaram a convocação do
prefeito Rodolfo Fernandes para pegarem em armas em defesa da cidade. Grandeza
de espírito incomensurável.
Rodolfo Fernandes de Oliveira
Causava-me espécie o hiato desses oitenta anos de ‘anonimato’ dos verdadeiros
heróis da província. Mesmo as escassas homenagens, quando aconteciam, sempre faziam referências genéricas. Raras citações individuais,
como se houvesse um problema de identificação, quando sabemos, eles próprios e
suas famílias, sempre estiveram bem próximos.
Manoel Duarte Ferreira
Mas vamos ao que interessa. Dentre esses bravos mossoroenses, particularmente
já tive oportunidade de falar acerca de Manoel Duarte Ferreira, cuja pontaria
foi determinante para o recuo daquele bando de facínoras. Minha vontade,
creiam-me, era poder resgatar o perfil de cada um deles. Todavia, se pelas
circunstâncias não me tem sido possível, pelo menos desejo fazer breves
comentários sobre outro nobre cidadão: Tertuliano Ayres Dias (1892-1983).
Terto Áyres
Terto Ayres nasceu em Pau dos Ferros, aos 27 de abril de 1892. Quando jovem, em
sua terra de origem, estudou música, foi professor e maestro de uma sinfônica.
Por um grave incidente político, que resultou na morte de um de seus irmãos,
transferiu-se para Mossoró.
Em 1919, aos vinte e sete anos, começou nova vida na terra de Santa Luzia, enveredando pela indústria. Após uma rápida experiência em padaria, começou a fabricar chocalhos. E a fábrica, que de início atendia a Mossoró e à região oeste, logo passou a ser fornecedora dos estados do Ceará e da Paraíba.
Terto Ayres, por solicitação dos proprietários de salinas, também empreendeu uma série de atividades que visavam modernizar o nosso parque salineiro. Para tanto, resolveu visitar fundições em outras cidades, como foi o caso do Rio de Janeiro.
Além de considerável avanço para o segmento industrial e, conseqüentemente, para a região, a mecanização também se tornou instrumento de desenvolvimento da indústria do sal. Vale ressaltar que, nos anos seguintes, a sua movimentada oficina terminou por se constituir numa referência em sua área de atuação: a fundição.
Em meados dos anos 1970, bem me lembro, nós, meninos da Avenida Rio Branco e alhures, ficávamos curiosos em presenciar o espetáculo do ferro derretido ganhando outras formas. E, claro, assistíamos tudo à distância, por questões de segurança, para evitar quaisquer riscos.
Além do Terto Ayres, herói da resistência, e do Terto Ayres empresário, não poderíamos deixar de nos lembrar que, na década de 1930, seu Terto também exerceu o mandato de prefeito de Mossoró. E certamente o fez sob o manto da austeridade que lhe era peculiar.
E o Terto líder maçônico? Olismar Lima, em seu livro Loja Maçônica ‘24 de Junho’ (Do pó dos arquivos), resgatando um pouco da trajetória da maçonaria mossoroense, termina por revelar a efetiva e valiosa participação nas lides maçônicas desse estimado pauferrense.
Quando elaborava este texto, ocorreu-me a idéia de suscitar uma espécie de “caminho sonoro” em relação às veredas palmilhadas por seu Terto. Primeiro, como professor de música, a convivência com os acordes; numa segunda fase, com os sons dos chocalhos. Algum tempo depois, no comando de sua oficina, na movimentação das máquinas, no tilintar dos ferros contra os ferros; além das sirenes, declarando o início e o fim do expediente nos amplos galpões. Diga-se de passagem que nós, vizinhos e circunstantes, também delimitávamos o tempo em função daqueles implacáveis apitos.
Mas, ao longo de toda a sua caminhada, sem sombra de dúvidas, foi o toque preciso e prudente do malhete que norteou a honrada trajetória de Tertuliano Ayres Dias. A ele, todas as homenagens sempre serão justas e oportunas.
David de
Medeiros Leite
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