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segunda-feira, 29 de julho de 2013

RUA DOS VAQUEIROS (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa*
Rangel Alves da Costa

Coisa do progresso, da falta de responsabilidade com a história municipal, de descaso com suas raízes mais profundas, mas a verdade é que a juventude de minha querida Poço Redondo sequer sabe onde fica a Rua dos Vaqueiros. Mas os jovens não podem ser culpados por aquilo que não chegou a conhecer com esse nome.

Na verdade, ninguém realmente sabe qual a atual denominação da principal avenida da cidade, aquela que é seu portal de entrada e que segue até a Praça da Matriz, e em cujo percurso estão o fórum, a prefeitura municipal, o prédio da previdência social, escolas, órgãos estaduais, agência bancária e lojas. Além, logicamente, de muitas moradias de lado a outro.

Talvez achassem feio um logradouro municipal chamado Rua dos Vaqueiros e acabaram transformando aquela via num lugar sem nome. E sem nome porque já colocaram tantos nomes que hoje ninguém sabe mais como realmente deve ser identificada. Para se ter uma ideia, já foi Rua dos Vaqueiros, Rua de Baixo, Avenida 31 de Março, Avenida Poço Redondo e dizem que hoje se chama Avenida Alcino Alves Costa.


Por mais que fosse justa a homenagem prestada a Alcino, vez que ex-morador da avenida, adquirente do prédio da prefeitura quando administrador municipal e um dos filhos mais ilustres do município, o tributo à sua memória deveria ser feito em outro lugar ou de outra forma. Ora, depois de tantas denominações, dificilmente alguém vai lembrar que ali agora é Avenida Alcino Alves Costa. Igualmente fizeram quando mudaram o nome para Avenida Poço Redondo. Só chamavam de Rua de Baixo ou de Avenida 31 de Março. E muitos continuam chamando assim. Impossível mudar.

Ademais, aquela via sempre foi diferente, difícil de entendê-la. Chamavam de Rua de Baixo quando se situa na parte mais elevada da cidade. E a Rua de Cima fica lá embaixo, na direção do riachinho. Dá pra entender? E de rua foi elevada, num passe de mágica, à condição de avenida. Bastou que um canteiro fosse construído numa de suas extremidades e logo foi alçada a tal condição. Mas, repito, continua como Rua de Baixo para a maioria dos habitantes.

Contudo, jamais deveria ter deixado de ser Rua dos Vaqueiros, e pelo simples fato de que ali era uma rua de vaqueiros mesmo, com moradores que não faziam outra coisa que não montar em cavalo para pegar boi brabo, tanger boiadas sertão adentro, cavalgar debaixo do sol e da lua no ofício da vaqueirama. Homens encourados, cabras destemidos, chegavam todos lanhados, cansados, sangrando, mas sem deixar trabalho pela metade nem para outro dia.

Vaqueiros de nomeada, de fama, de reconhecimento por todo o sertão. Ali na rua moravam Mané Cante, Abdias, Tião de Sinhá e tantos outros. Lado a lado, casa a casa com sertanejos da roça, do trabalho na terra e com o gado, como pequeno ou mediano proprietário, gente como Bastião Joaquim, Mané Joaquim, Neguinho, Né Cirilo, Ireno, Liberato. Tudo sertanejo de raiz e garrancho.

Mané Cante foi o maior vaqueiro da região, sendo Abdias o mais famoso. E sua fama se deve principalmente ao fato de ser o ajudante-mor, o comandante dos outros vaqueiros no célebre roubo das urnas praticado por Zé de Julião, então candidato a prefeito. Revoltado com a situação de injustiça imposta ao amigo ex-cangaceiro, Abdias arregimentou a vaqueirama amiga e juntos, montados nos melhores cavalos, invadiram seções eleitorais na sede municipal e no povoado Bonsucesso.


Ainda alcancei, tempos depois, e com imenso prazer sertanejo, grande parte dessa turma em cotidiana reunião no barzinho pertencente a Né Cirilo, o Pai Né (meu tio, esposo de Dona Tila), ali mesmo na avenida, ou Rua dos Vaqueiros. Era encontro regado a aguardente com casca de pau, a umbu verdoso, perna de preá assada ou qualquer coisa que servisse para diminuir a ardência do angico, da umburana, da lasca de raiz apurada. Era uma talagada e um causo de sarapantar.

Era um prazer indescritível ver chegar vaqueiros da estirpe de Chico de Celina e outros sertanejos cheirando a terra como Messias de Zé Vicente, Humberto, João Paulo, Rivaldo, Galego, Manezinho, Mané Vítor e tantos outros Vítor. Até a matriarca, a velha e fogosa Alzira, de vez em quando aparecia para molhar o bico. Mulher sem igual, líder maior de uma família que nasceu para o pífano e para o leilão apimentado com forró pé-de-serra.

A maioria dos grandes vaqueiros já partiu noutra jornada. Tange boiada entre as estrelas no sertão lá do céu. Mas a fama ficou e o reconhecimento deveria também ficar. Por isso que aquela via, seja rua ou avenida, sempre será deles, dos vaqueiros. E não há nada mais sublime do que uma cidade que preserva e reconhece o valor daqueles que foram tão importantes na sua formação.

Ademais, o velho vaqueiro não é só aquele que um dia zelou pelo gado, mas também todo aquele que abriu a porteira para Poço Redondo passar e encontrar seu destino. Daí que merecia muito mais, mas ao menos que deixem uma rua como recordação e homenagem: Rua dos Vaqueiros.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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