Por: Rangel Alves
da Costa*
Ao entardecer
desta segunda, passei por uma pequena praça nos arredores de minha casa e me
encantei com o que pude avistar. Os canteiros e o chão totalmente tomados por
folhas das imensas árvores ali existentes, e certamente plantadas desde mais de
cinquenta anos. Talvez bem mais que isso.
Paisagem
inusitada, pois ainda no inverno e aquela feição de outono com seus
desbastamentos. Folhas do tamanho e até maiores que uma mão aberta, todas
encobertas de uma cor de cobre antigo, num misto de vermelho abrasado e marrom
de argila queimada. Grossas, ainda firmes, deixavam transparecer veias que vão
se abrindo até a borda. Lindas demais para estarem jogadas ao chão. Tristes
demais por estarem assim.
Avistei duas
varredeiras, ou margaridas como oficializaram chamar, na difícil tarefa de
juntar aquela enormidade de folhagens espalhadas. E quanto mais juntavam mais
elas despencavam lá de cima. Perguntei de qual árvore eram aquelas folhas tão
grandes e tão bonitas e logo uma, olhando para o alto, respondeu “É folha de almenda”.
E a outra completou que “Dessas almendeira aí”.
Compreendi
muito bem. Aquelas enormes árvores eram amendoeiras, ou pés de amêndoas.
Contudo, não estava compreendendo porque aquela enxurrada de folhas caindo,
quando geralmente isso ocorre durante o outono. Como elas estavam muito
ocupadas, resolvi que não tomaria mais tempo e a minha dúvida seria resolvida
por outra pessoa, pois já estava avistando uma velha vendedora de cocadas e
outras guloseimas.
Sorridente, ao
ouvir minha pergunta ela olhou detidamente para o alto e depois me deu uma
inesperada resposta. Disse que acabava de olhar para as árvores das coisas
inesperadas na vida, dos acontecimentos que não estão programados para
acontecer e acontecem; dos casos que vão surgindo e desafiam nossas mentes em
buscas de explicações. E disse mais.
Afirmou que o
jeito diferente de ser daquelas árvores já havia lhe causado muita dor e
sofrimento. E não somente a ela como em todo ser humano que de repente se vê
surpreendido por difícil e inaceitável acontecimento. Derramou uma lágrima fina
pelo canto do olho e em seguida, percebendo que eu não estava entendendo bem
suas palavras, resolveu explicar melhor.
Olhou mais uma
vez em direção às árvores, as folhas caindo e o chão tomado de seus despojos, e
afirmou que o que acontece com as amendoeiras, sempre perdendo suas folhas fora
do tempo certo de acontecer, quando na maioria das outras árvores se dá sempre
no outono, é o mesmo que acontece na vida humana. As pessoas vivem suas
estações e esperam a chegada do mais triste dos outonos. Mas nem sempre
acontece assim com todo mundo.
Pessoas
existem, prosseguiu a velha senhora, que possuem amendoeiras como destino e são
como suas folhas quando vão desaparecer dessa vida. A maioria sabe muito bem e
aceita ou não que o seu o último outono um dia chegará. E, como a folha seca
que de repente cai, um dia será levada pela ventania, pelo vento tempestuoso da
morte. Isso acontece no normal da vida, mas não com aqueles que possuem as
amendoeiras no seu caminho.
Dói dizer,
afirmou a velha, mas nem todo mundo tem a sorte de partir no outono comum da
vida. Com destino da amendoeira, de repente se torna numa simples folha que
inesperadamente cai. Igualmente às folhas das amendoeiras, vê seu percurso de
vida tomado por inesperado acontecimento e jogado ao chão bem antes de o outono
chegar. A morte se apodera do seu destino e torna o viver numa folha que
amanhece cheia de seiva e ao entardecer já estará caída num canteiro qualquer.
Toda
explicação já estava dada. Um tanto mais triste, apenas agradeci e a deixei
melancolicamente olhando para o alto. Eis que uma folha caiu bem ao lado do seu
tabuleiro. Já estava adiante quando ouvi sua voz. Retornei para encontrá-la com
a mão estendida e nela a folha caída. Tome, é sua, disse ela. Guarde com
devoção e jamais será surpreendido pelo outono da amendoeira. A sua estação
estará na distância que Deus quiser.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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