Por Rangel Alves
da Costa*
Haveria
possibilidade de o ser humano ser apenas o que é e, sem disfarce, agradar não somente
a si mesmo? Haveria possibilidade de o indivíduo refutar todo adorno e toda
exteriorização que possa ter por cima de si e se manter apenas com o que
originalmente lhe cabe?
Por outras
palavras: Haveria possibilidade de o ser humano desprezar todo tipo de
vestimenta, de enfeite, de utensílio ou qualquer outro objeto por cima do corpo
e ainda assim ser reconhecido ou valorizado socialmente?
Quer dizer, o
ser humano e o seu desprezo pelas vestimentas e quaisquer outros adornos, de
pés descalços, cabelos sempre ao natural, com o perfume da própria pele, sem
relógio ou anel. O seu luxo se bastaria no alimento comedido, na higiene
pessoal e nos afazeres cotidianos iguais aos demais.
Mas não
somente isso, pois também um indivíduo sem palavras além das necessárias, sem
ações além das necessárias, sem nada além do estritamente necessário. Quer
dizer, alguém vivendo dentro dos limites da existência, sem ultrapassar o que
lhe cabe fazer para apenas viver.
Seria possível
o indivíduo viver e ser aceito socialmente sem que leve consigo a fama que tem,
o prestígio ou o nome familiar? Em meio à sociedade que sempre olha para o
adorno ou o brasão, seria possível a sobrevivência daquele que é pobre, que não
possui amigos influentes, não tem carro, conta bancária nem usa roupa de grife?
Numa roda de
pessoas cheias de anéis, etiquetas, títulos e graduações, caberia a palavra
daquele que apenas sabe ler e escrever, mas que trabalha muito mais que
qualquer outro que se diga honoris causa em tudo? O ser comum, alguém somente do
povo, seria ouvido e respeitado diante de figurões com suas vaidades e
arrogâncias?
A verdade é
que todo mundo acostumou a menosprezar o valor intrínseco do ser humano.
Prevalecendo a exteriorização, o adorno ou a etiqueta, ou ainda a imagem
imposta, certamente que nenhuma importância terá aquele que nada mais é que o
ser humano na sua essência, porém despido das honrarias tão exigidas pela
sociedade.
Ora, qual a
importância terá aquele que não tem formação educacional, não possui anel no
dedo nem é chamado doutor, diante daquele que é tudo isso e muito mais? A
sociedade reverencia mais aquele de paletó e gravata ou aquele descalço, o que
estaciona um carro importado ou o que passa montado num jegue, aquele bem
vestido e penteado ou aquele de roupa rasgada?
As respostas
são óbvias. Todo mundo prefere valorizar o que está além do próprio ser ao
próprio ser em si. Em casos assim, tanto faz que a pessoa seja da pior índole,
pois seu julgamento está garantido pelo que é externamente ou pelo que possui.
Tanto faz que tenha honra ou caráter, pois tudo se justifica pelo poder, pela
riqueza, pelo que demonstra ter. E o outro, aquele que apenas é sua realidade,
nada será diante de olhos que só enxergam brilhos, ainda que falsos.
Num mundo de
recompensas, bajulações e conveniências, dificilmente haverá espaço para o ser
sem disfarce. E o ser sem disfarce nada mais é que o indivíduo revestido apenas
pelo que tem porque praticamente nasceu com ele. É o indivíduo caracterizado
apenas pelo caráter, pelo jeito humilde de ser, possuindo o bastante que a sua
condição humana lhe permita.
O ser sem
disfarce é apenas o que é. Não possui adornos nem riquezas, não é amigo de
autoridade nem vive se prevalecendo de ter poderosas influências. Seu luxo é o
de não passar fome, seu título maior é a ética pessoal, sua riqueza maior é
poder andar de cabeça erguida e adormecer sem preocupação com dívidas ou
perseguições. Não tem dinheiro, mas também não deve; não possui muitos amigos
interesseiros, mas os que possuem merecem sempre ser reconhecidos e
valorizados.
Eis o ser sem
disfarce. Contudo, um ser quase em extinção na selva onde se privilegia muito
mais a aparência que a verdade.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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