Por Rangel Alves
da Costa*
A verdade é
que a história não escolhe cenários, paisagens ou contextos para produzir os
seus feitos. Do mesmo modo, ela não escolhe os homens, os personagens e aqueles
que mais tarde estarão nos seus anais e reconhecidos como vultos. Os percursos
e as ações vão ditando os acontecimentos e o reconhecimento dependerá da forma
como o indivíduo se situou perante as situações. Contudo, homens existem que
parecem nascidos para influenciar no seu tempo e entrar para a história.
E assim ocorreu
com Lampião, numa junção de diversos fatores. A importância histórica de
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, não se perfaz apenas no homem, no
líder, mítico e estrategista, mas principalmente no contexto social, humano e
geográfico, onde assentou sua fama e reconhecimento. Desse modo, a importância
histórica conquistada pelo maior dos cangaceiros deve ser reconhecida como
fruto de um contexto - terra e luta - e não apenas pelas suas ações de
comandante do famoso bando.
Há de se
reconhecer - ainda que tal concepção divirja do pensamento de muitos estudiosos
do cangaço - que o sertão enquanto espaço social e geográfico foi o maior
responsável pela fama conquistada por Lampião. E não apenas o contexto social e
a terra sertaneja, mas o que nela estava germinada e proliferou: o mando, a
pobreza, a injustiça, os arranjos políticos e a submissão de um povo. Um fosso
terrível entre o poder político e coronelista e o pobre e subjugado homem da
terra.
Tem-se, pois,
que o rei do cangaço agiu dentro de um cenário completamente tomado por
injustiças, por descontentamentos e profundas e problemáticas divisões sociais,
pavio embebido para revoltas e vinditas sangrentas. Quer dizer, com Lampião ou
sem Lampião o cenário já estava devidamente montado para o surgimento de
insurgências e estopins, de contestações e confrontos. E qualquer sertanejo
destemido podia chamar para si a responsabilidade da luta, como já havia
acontecido com outros líderes de bandos primitivos.
O que o
Capitão Virgulino fez - e aí talvez esteja seu maior reconhecimento - foi
utilizar com maestria aquele cenário de descontentamento para levar adiante uma
guerra que nasceu de cunho pessoal, familiar, a partir de rixas sangrentas de
vizinhança na sua terra natal. Mas ele, já tendo feito parte do bando de Sinhô
Pereira, não podia mais arregimentar homens com motivos de vinganças pessoais,
eis que seu inimigo agora era outro: era o poder corruptor, opressor, injusto.
Desse modo,
além das armas próprias, tomou como artilharia a seu favor o próprio sertão.
Sua fama de comandante, de líder, de estrategista, está aí. Inegável o seu
poder de convencimento, a sua mítica atraindo jovens descontentes para suas
hostes, a sua força para justificar uma luta aparentemente impossível de ser
vencida. E de repente a maior parte da população sertaneja, mesmo que o
temendo, se sentindo também reconhecida naquela luta.
Não são todos
os homens, mesmo conhecendo caatingas, veredas, esconderijos e sendo protegido
pelos do lugar, que conseguem reinar imbatíveis durante tantos anos. E foram
cerca de vinte anos nas brenhas, atacando, fugindo, saindo vitorioso diante das
maiores armadilhas do inimigo. Mas nada disso foi conseguindo ao acaso, por
golpes de sorte ou pela ajuda de informantes sertanejos.
A sabedoria de
Lampião estava em todas as vertentes, desde o trato com o humilde homem da
terra ao coronel dono do mundo. Chamou para o seu lado uma leva de coiteiros
que não apenas indicavam os lugares mais seguros para o repouso do bando, como
serviam de mensageiros e traziam até os coitos tudo aquilo que os cangaceiros
precisassem. Era também amigo dos fazendeiros e lideranças de cada região,
tendo as portas abertas assim que despontasse nos arredores.
Contudo, nada
incomparável à sua inteligente teia de relacionamentos com pessoas
politicamente influentes e coronéis poderosos. Foi das mãos do Padre Cícero que
recebeu a patente de Capitão, ordenada pelo próprio Estado, numa inútil
tentativa que combatesse a Coluna Prestes. Mantinha correspondência com a nata
coronelista e por ela era recebido quando bem desejasse. O poderio bélico do
bando não seria possível sem a ajuda desses senhores do latifúndio e do mando.
Neste aspecto,
até que se poderia ter como incoerência uma luta contra as injustiças
praticadas pelo poder e ao mesmo tempo deste receber benefícios. Ora, também
uma estratégia de Lampião, a sobrevivência e a permanência da luta, ainda que
com as armas do inimigo a ser combatido. Até no episódio de sua morte o líder
cangaceiro deixou vestígios de sua descomunal tática de deixar rastros
imprecisos por onde passasse.
Por mais que
historicamente se tenha o 28 de julho de 38 como o dia em que foi emboscado e
morto junto com Maria Bonita e mais nove cangaceiros, na chamada chacina de
Angico, até hoje as controvérsias afloram acerca desse fato. Alguns até afirmam
que ele não estava mais lá quando a volante cercou o bando, outros dizem que
suas sete vidas permitiram que fugisse ileso. E a partir daí, e por muitos
anos, vivesse gracejando de sua própria morte.
Fato é que é o
homem ainda continua vivíssimo na História. E deixando uma leva de
historiadores e pesquisadores atabalhoados em seus rastros.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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