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terça-feira, 14 de outubro de 2014

Há muito o que estudar sobre o fenômeno cangaço


Há muito o que estudar sobre o fenômeno cangaço. Citando um exemplo, por demais conhecido dos amigos, é a relação de Corisco e Dadá. Dadá, quando menina, tinha entre 12 e 13 anos de idade, foi arrancada do seio familiar, sequestrada por Corisco e, segundo os relatos, estuprada em cima de um lagedo, pedra muito grande. Pois bem, na sequência de suas existências, criou-se um elo muito forte entre eles. Corisco não fazia determinadas coisas que desagradassem a Dadá, como vemos no caso do massacre na Fazenda Patos, onde ela o enfrenta e consegue salvar duas crianças da morte certa, e as declarações de um cangaceiro dizendo que ele só fazia o que sua mulher queria ou mandava. Dadá defendeu ou salvou Corisco de morrer pelo fuzil do valente Torquato. Aconteceu aquilo que chamamos, ou os especialistas chamam, 'Síndrome de Estocolmo'?

O escritor José Bezerra Lima Irmão falou o seguinte ao pesquisador e escritor Sálvio Siqueira:


Sálvio Siqueira, você é de onde? Pernambuco? O seu "Siqueira" tem a ver com os Siqueira de Trinfo, Calumbi ou Afogados da Ingazeira?

Olha, amigo Sálvio, as considerações que você faz são decorrentes das coisas que os autores, repetindo-se uns aos outros, costumam dizer a respeito de Corisco e Dadá.

Estive em Salgado do Melão, Pariconha, Verdão, Serra da Jurema, Delmiro Gouveia... Posso assegurar que Dadá não foi "arrancada do seio de sua família. Dadá não foi "sequestrada" por Corisco. Dadá não foi estuprada em cima de um lajedo.

A história do sequestro e do estupro é resultante do que Dadá contou aos seus entrevistadores, já morando em Salvador, depois da derrocada do cangaço. Ela contava o que lhe interessava.

Os cangaceiros Corisco e Dadá

Dadá e Corisco tinham vários laços familiares. Certamente nas entrevistas ela omitiu seu parentesco com Corisco para esconder sua participação, mesmo que indireta, na morte do namorado, Cazuza, assassinado por Corisco. Seus parentes em Salgado do Melão afirmam que Dadá não era mais “moça” quando se juntou a Corisco.

Corisco e Dadá têm vários vínculos familiares. Dois tios de Dadá (Livino Ribeiro e Né Cunha) casaram com duas irmãs, tias de Corisco (Lina Quileto e Maria Quileto), irmãs de Firmina Quileto (mãe de Corisco). Corisco não se chamava Cristino Gomes da Silva Cleto, como dizem por aí. Não era "Cleto": era Quileto (apelido). Quileto era o apelido de um antepassado da família, chamado Anacleto.

O pai de Corisco não "morreu cedo", como dizem por aí. E o nome dele não era Manoel Gomes da Silva. Este era o marido de Firmina, mas não é pai de Corisco. Manoel Separou-se de Firmina e casou com Rosa Ribeiro, tia de Dadá. Já separada de Manoel, Firmina teve um relacionamento com um homem casado chamado José Francisco da Silva (Zé Peba), residente no Verdão, perto de Pariconha.

Dadá acompanhou Corisco por livre e espontânea vontade. Ela vivia recebendo presentes de Corisco. O próprio pai de Dadá ajudou-a a montar na garupa do cavalo de Corisco.

Nas entrevistas, Dadá contava seu sofrimento ao ser "sequestrada". Que sofrimento? Estava com o primo. Os cabras que acompanhavam Corisco eram todos primos.

Sofrimento mesmo quem passou foi o pai de Dadá, quando a polícia soube que sua filha estava amigada com um cangaceiro de Lampião. Mal uma volante saía de sua fazenda, chegava outra. O tenente Manoel Campos de Menezes, de Chorrochó, prendeu o pai dela e levou-o para a cadeia de Uauá. Como se não bastasse toda aquela humilhação, o velho ainda foi surrado: apanhou tanto que ficou inchado. A mãe de Dadá foi para Belém de São Francisco com os filhos pequenos a fim de pedir ajuda a um cidadão chamado Antônio Félix, que socorria os retirantes em épocas de secas. Chegou a pedir esmolas. Os filhos também.

O notável professor Estácio de Lima dedicou um subcapítulo de seu primoroso livro a Dadá, a Princesa do Cangaço. Porém, como o respeitável mestre se baseou no depoimento de Dadá, pouca coisa se aproveita, porque Dadá foi entrevistada numa fase em que ela não abria sua alma para ninguém, pois vivia assustada diante de todo tipo de perigo. Além disso, havia aspectos relativos a sua família que Dadá não conhecia, porque saíra de casa ainda menina. Dos irmãos, ela conhecia apenas os apelidos. Errou até o nome de sua mãe. Está errada também a data de seu nascimento (de acordo com seus documentos pessoais, Dadá nasceu em 1915, e não em 1914).

Dadá disse a Estácio que o seu namorado, Cazuza, era “filho de seu Jonas, homem trabalhador...”. Porém Cazuza não era filho de “seu Jonas”, mas sim de “dona Joana” – Joana Maria da Conceição –, esposa de Silvino José de Carvalho (conhecido como Silvino Maia), um grande proprietário de terras. Silvino e dona Joana tiveram os seguintes filhos: Cazuza (José), Benjamim, Cornélio, Feliciano (Ciano), Candinho e Gregório (todos tendo o sobrenome Silvino do Nascimento). Um filho de Feliciano viria a ser também cangaceiro – Pedro de Ciano, o famoso Calais.

Dadá mentiu a Estácio ao contar que seu namorado foi assassinado “Certa noite, numa festa, bastante bebida, animação, juventude, aconchegos...”, dizendo que dois rapazes se desentenderam, e Cazuza sucumbiu.Dadá não só omitiu a participação de Corisco no crime, mas ainda negou o fato. Estácio de Lima perguntou: “Mas Dadá, Curisco matou, ou não matou, seu namorado Cazuza?” E Dadá respondeu: “Já disse e repito: não teve nada com o crime! Deixe, porém, que eu continue...” – e prosseguiu contando só o que lhe interessava. Dadá tapeou seus entrevistadores, contando as coisas como bem lhe convinha. A história de seu “rapto” por Corisco é pura fantasia. Logo ao ser presa, não tendo ainda arquitetado a versão que passaria a repetir mais tarde, Dadá contou ao repórter Evandro Américo, dos _Diários Associados_, que ela conheceu Cristino, seu “primo carnal”, quando ele estava negociando naquela zona (Baixa do Ribeiro) e certa vez apareceu em visita a seu pai.

Disse que nasceu no mesmo dia em seu coração uma admiração apaixonada pelo parente, que segundo ela nem sonhava talvez se tornar cangaceiro. “Outras visitas transformaram em amor aquele sentimento a princípio vago e indeciso. Ao primo não passou despercebida aquela atenção demasiada e aqueles agrados fora de propósito que lhe dispensava Dadá. E ele passou a corresponder ao amor da prima”.

Pelo que Dadá contou àquele repórter, fica claro que não houve rapto algum – ela simplesmente fugiu com o primo: “Corisco levou um tempo enorme sem aparecer e quando surgiu à frente de Dadá com a vestimenta característica dos cangaceiros, chapelão enorme e todo enfeitado, cartucheira arrodeando o corpo, e os cabelos compridos feito de mulher – ela tomou logo a decisão de acompanhá-lo. E sem ninguém em casa dar fé saiu numa madrugada para a aventura, para o amor”. 

Isso é, literalmente, o que consta na reportagem do Estado da Bahia, de 3 de junho de 1940. Essa entrevista foi dada por Dadá quando ela ainda estava em Djalma Dutra (atual Miguel Calmon), logo após a amputação da perna, em decorrência do tiro recebido ao ser presa.


Passei onze anos pesquisando a história do cangaço. Quem tiver interesse em saber o resultado dessas pesquisas, especialmente no tocante a Corisco e Dadá, basta checar o que consta no capítulo intitulado "Corisco, o Último Cangaceiro", das páginas 658 a 681, de "Lampião - a Raposa das Caatingas". Não estou fazendo propaganda do meu livro. É que notei que o amigo tem interesse por esses assuntos.

Veja, por favor, anexa, a capa do referido livro. Tem 736 páginas. Centenas de mapas. Centenas de fotos.

Fonte: facebokk
Página: José Bezerra Lima Irmão O cangaço

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Um comentário:

  1. Anônimo09:39:00

    Pelo que pude entender caro Mendes, a obra do Escritor José Bezerra Irmão vai me proporcionar grandes conhecimentos.
    Antonio Oliveira - Serrinha

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