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terça-feira, 26 de maio de 2015

ANGICOS 1938 - PARTE II


A volante do João Bezerra fazia parte, em 1938, do Segundo Batalhão de Polícia Alagoano, com sede em Santana do Ipanema, sob o comando do famoso tenente-coronel José Lucena de Albuquerque Maranhão, o antigo alferes responsável pela morte do velho José Ferreira, nas proximidades de Mata Grande. 

O método preferido do tenente, para conhecer os movimentos do bando, era a pressão sobre os coiteiros, entre os quais contava diversos informantes. De uma feita, Bezerra tentou atrair Virgolino, através de um amigo comum, um guarda-fios dos Correios, com a promessa de perdão assinado pelo próprio presidente da República. 

Lampião recusou. Não acreditava em Getúlio Vargas.

"Em toda a parte querem me desistir", respondeu, deixando vazia a arapuca do tenente.

Há vinte anos que a polícia de Lucena corria de um lado para o outro, perseguindo cangaceiros. Vangloriava-se Lampião, por seu turno, de jamais ter dado tempo a macaco alagoano que lhe pisava no rastro de comer sequer uma banana ou uma rapadura...

De fato, isso acontecia, Porque ele não apenas conhecia a fundo a caatinga selvagem, como se divertia bastante na prática dos seus golpes e malabarismos de surpresa, encadeando a vista da soldadesca, esta quase sempre à mercê dos rastejadores e escopeteiros contratados, dos guias mercenários. 

De uma feita, numa fazenda alagoana, arredores de Inhapi, um tenente de polícia, José Joaquim, então comandante do destacamento de Mata Grande, encontrou o Capitão Virgolino descansando das suas jornadas. A volante se aproximou da casa da fazenda, rastejando por detrás das cercas, a fim de alcançar os oitões. Havia um urubu pousado tranquilamente num mourão do curral. Com a aproximação da tropa, o bicho espantou-se e bateu as asas. Lampião conhecia urubu de longa data. Quando viu a ave agitar-se sobre o mourão, saltou no terreiro da casa e gritou para os seus homens: 

"Fogo na macacada!

E escapuliu, incólume, desse ataque.

Nos seus longos trajetos, pisando em cobras, pedras e espinhos, ouvindo o uivar dos bichos pelos tabuleiros, por onde passava, arrebanhava criações. Matava, preparava e comia um bode com ligeireza notável. A polícia sabia do seu rastro, mais tarde, pelos couros frescos e sangrentos que ele mandava enterrar ou dependurar o cipoal enroscado. Ou, então, pelas cinzas do fogo que o bando acendera para assar a carne.

As mulheres dos vaqueiros, quando iam às vilas, informavam-se dos movimentos das volantes. Depois, narravam aos maridos. Estes iam contar a Lampião. Era assim a contra-espionagem do Capitão Virgolino, que não se entregava de mãos e pés atados aos próprios coiteiros.

E como fizeram no Raso da Catarina, os seus homens iam bebendo a água do sereno, recolhida dos imbuzeiros e gravatazeiros, nas suas viagens mais ásperas e intermináveis. 

O tenente João Bezerra estava em Vila da Pedra, colhendo informes com os seus espiãs, quando o chefe do cangaço acampou nos Angicos, grotão empedrado de uma fazenda sergipana, na margem do São Francisco.

Da figura de Lampião, o comandante da volante apenas sabia por ouvir dizer, pois, também ele, nunca o vira pessoalmente.

Aristéia, mulher do bandido Catingueira, que em tempos idos conhecera a vida do cangaço no grupo de Virgolino, dava do Capitão uma imagem sinistra àquelas populações ribeirinhas: era cego, coxo e corcunda.

Cinco dias depois de ter chegado à Vila de Pedra, Bezerra recebeu um telegrama do sargento Aniceto Rodrigues dos Santos, seu comandado, nestes termos: "No parto venha urgente".

A pé,o tenente abandonou Pedra, enquanto que o sargento vinha ao seu encontro, de Piranhas, viajando num caminhão. Acompanhava Bezerra o aspirante Ferreira de Melo. Encontraram-se no mato e ali mesmo acertaram uma operação contra Virgolino.

Um coiteiro deu algumas informações ao tenente, durante o trajeto de Pedra a Piranhas, rumando o oficial a essa última cidade, de caminhão, após a conversa que teve com o sargento Aniceto.

Foi em Piranhas que Bezerra deu ordem a Aniceto para requisitar uma canoa, a maior que houvesse naquele trecho do São Francisco. Um vaqueiro, de nome Domingos, não se sabe ao certo até hoje, foi preso pelo tenente na feira de Piranhas, quando comprava sacos de mantimentos. A quantidade de gêneros fez o oficial desconfiar e botar o homem debaixo de confissão.

Enquanto isso ocorria, o sargento Aniceto conseguia três canoas abauladas no rio. Ao vê-las, Bezerra mandou que fossem amarradas por cordas, umas às outras, embarcando com a sua tropa, para descer o rio.

CONTINUA...

Fonte: Capitão Virgulino Ferreira: Lampião
Autor: Nertan Macêdo
Edições O Cruzeiro Rio de Janeiro
Ano: 1970

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