Por Sálvio Siqueira
São infinitos
os mistérios que se sucederam na manhã daquele fatídico dia 28 de julho de
1938. Os pesquisadores não se cansam, jamais se fadigam, de irem em buscar da
verdade. Abaixo, ótima matéria postada pelo cariri cangaço, nos mostra uma
entrevista, feita pela pesquisadora Juliana Ischiara, com o pesquisador Alfredo
Bonessi, sobre os fatos ocorridos na grota do angico.
Boa leitura.
“Os eternos
mistérios de Angico” Parte I
Por Alfredo
Bonessi
“Carissíma
Juliana;
Todas as respostas as suas perguntas serão de minha parte “possivelmente” – não
temos como afirmar com precisão o que realmente aconteceu na madrugada de 28 de
julho de 1938, na Grota de Angicos – Sergipe, onde foram mortos 11 cangaceiros
pela tropa volante comandada pelo Tenente João Bezerra da Força Alagoana. Quem
estava lá e quem esteve lá, deixou de esclarecer a pura verdade - aquilo que
hoje interessa a todos nós. Temos ainda um volante vivo e dois cangaceiros
vivos (acredito) – os cangaceiros somente contarão a versão deles, onde estavam
no momento do ataque, o que eles fizeram para escapar do tiroteio, depois aonde
aconteceu a reunião do grupo qual foi lugar, o rumo que cada um tomou depois
dessa reunião e nada mais(...)”.
(INÍCIO DA
ENTREVISTA)
“1. Quais
armas foram usadas em 28 de julho de 38 em Angico?
As armas que
foram usadas foram o fuzil mauser modelo 1898, 1908, Metralhadora Bergman 24,
32, possivelmente a winchester 44.40, facas, facões e punhais. Ambas as partes
em confronto portavam revólveres em calibres variando do 32 ao 44 e pistolas
Luger 7,65, 9mm. As Armas que entraram em combate na Grota naquela madrugada de
28 de julho de 1938, fizeram parte da listagem das armas objeto da nossa
palestra no Cariri Cangaço II. Por exclusão, possivelmente não tomaram parte na
luta, a metralhadora Hotkiss (beijo quente), o bacamarte, o fuzil chuchu, o
manlicher, a conblain.
Fusil Mauser 1898
Metralhadora Bergman
2. O primeiro
tiro, partiu de que tipo de arma? Qual o alcance do projétil e em que distancia
se podia ouvir o estampido?
Possivelmente
de um fuzil mauser, calibre 7 mm de um volante. Declino o ano da arma. O
soldado errou o tiro no Cangaceiro Amoroso, imaginamos ser em distância de
menos de 5 metros, e com certeza não deu somente um tiro, deu vários, de igual
maneira todo o grupo de soldados, depois do primeiro tiro, abriu fogo nutrido
em cima de Amoroso, que saiu em desabalada carreira. Amoroso morreu anos depois
de maneira trágica. O alcance do projétil dessa arma é para 2400 metros. Para
atirar em um homem isolado seu alcance de precisão é de 600 metros. E para um
grupo de homens é de 1200 metros. O tiro de combate em um confronto bélico é de
300 metros. A velocidade da bala é de 700m/s e a força do projétil na boca do
cano é de 300 Kg ( seis sacos de cimento).
O som derivado
do estampido da arma pode ser ouvido em variadas distâncias, dependendo do
fator local, aí incluindo temperatura, velocidade do vento, pressão atmosférica
e naturalmente o estado de concentração e de saúde do ouvido de quem houve.
Normalmente o som do estampido pode ser ouvido entre 1,5 Km até 3 Km de
distancia.
3. Na sua
opinião, independente de Amoroso ter sido atingido há 50 ou 100 metros do
restante do grupo, daria para se ouvir o som do tiro?
Sim. Amoroso
estava aproximadamente a 80 metros de distância de Lampião e a 60 metros de
Maria Bonita. Ocorre que após este tiro a tropa (28 homens) atirou nos alvos
previamente estabelecidos. O soldado Noratinho estava com Lampião na mira de
sua arma e Maria Bonita estava correndo quando recebeu um tiro nas costas, bala
que saiu pela frente. Caiu, levantou e saiu correndo novamente quando recebeu
um outro tiro a curta distância, de lado, no ventre, indo cair próximo a
Lampião. Em um combate os estrategistas se utilizam destas condicionantes para
um ataque em que se visa alcançar sucesso, com menos perda possíveis: cerco -
surpresa - velocidade e força. Quem cai nessa armadilha dificilmente vencerá
uma luta. Nisso João Bezerra foi perfeito.
Além do mais o
ataque foi ao amanhecer, quando os cangaceiros estavam se levantando, se
espreguiçando, ou fazendo suas necessidades, a sua higiene. Uma pessoa nessas
circunstancias está sonolenta, sem reflexos, seus sentidos ainda não estão
alertas, tempo depois de acordar e levantar e aos poucos é vão entrando na
realidade da vida que o cercam, para bem depois tomar um café, fumar um
cigarro, bater um dedo de prosa com alguém ou com o grupo, tratar sobre as
atividades para aquele dia, quais sejam remendar o equipamento, desmontar e
lubrificar o armamento, afiar facas, tratar algum ferimento, realizar o asseio
corporal, tomar um banho, e até mesmo voltar a dormir por debaixo de uma fresca
ramada. Mas se ainda estiver dormindo e entrar na bala, será um Deus-nos-acuda.
Juliana Ischiara e Alcino Alves Costa
4. A volante
levou muitas armas, me refiro ao peso das mesmas, dada a circunstâncias,
levando-se em consideração a distancia e as condições geográficas, no caso
muito íngreme?
A polícia
levava o equipamento de costume que não era pesado, uma vez que o soldado saía
para uma operação e depois de poucos dias retornava para sede. Bem diferente do
Cangaceiro cujo equipamento necessário pesava bem mais que 24 Kg, (no mínimo).
No dia 27 de julho, a noitinha, os soldados não sabiam para onde iam e nem quem
iriam combater. Ficaram sabendo horas antes do combate quando já deslocavam
para a Grota que o ataque seria contra Lampião. Essa medida foi adotada pelos
oficiais como medida de segurança, para evitar que a operação chegasse aos
ouvidos de Lampião. Se o deslocamento da polícia fosse de dia e nas vistas de
pessoas de Piranhas e ao longo do rio, com certeza Lampião seria avisado a
tempo. Após o combate João Bezerra foi conduzido ao porto por dois homens, uma
vez que estava ferido e mesmo por segurança uma vez que os Cangaceiros estavam
espalhados por todos os lados. O restante, 45 homens, trouxeram com folga e
certa vantagem o equipamento dos cangaceiros. Acredito que remar, e subir o rio
até Piranhas foi o maior transtorno encontrado pela tropa, que faminta, com
sede e muito cansada - estava a mais de dezoito horas sem repouso. Mas a
alegria pelos troféus que conduziam em suas canoas apagavam qualquer sinal de
enfado, pois os soldados orgulhosos e felizes não acreditavam que tinham matado
o Cangaceiro mais famoso e o homem mais valente do sertão.
5. Como militar,
como o senhor pensa que foi a estratégia usada pelo Tenente João Bezerra?
Lampião morrera por falta de sorte ou atenção/descuido?
A morte de
Lampião não foi por acaso. Lampião foi vítima de uma manobra policial que deu
certo entre tantas outras que não deram certo. Lampião não era fácil de ser
encontrado. Quem o ajudasse de alguma forma era sustentado a peso de muito
dinheiro e sabia muito bem que se o delatasse e fracassasse na tentativa,
pagaria bem caro com a vida sua e de seus familiares. Além do mais entre os
coiteros e informantes de Lampião cada um vigiava as atitudes dos outros. Pelo
lado de Lampião, ele mesmo mantinha um certo segredo em não revelar entre eles
quem era ou deixava de ser para que se fosse pego um coitero, não houvesse a denúncia
de todos. Mesmo dentro da polícia, com certeza, havia informantes que poderiam
avisar Lampião para que se cuidasse daquele ou outro coitero. Dinheiro é tudo e
tudo é por dinheiro. Assim como Lampião aliciava as autoridades e policiais em
seu favor, a policia também aliciava e fingia que fazia corpo mole com alguns
informantes seus. O objetivo da policia era Lampião e não o coitero. Aquele
coitero que a polícia sabia que era amigo de Lampião, ficava de “molho” para
troca de informações, estratégia utilizada pela própria policia para descobrir
o paradeiro do procurado, que era quem realmente interessava.
Depois, em
pressão, a coitero assumia o compromisso de cooperar com a policia – fato esse
que ficava somente com o comandante da tropa e não chegava aos ouvidos dos
soldados, uma vez que dentre os soldados havia aqueles que tinham parentes
Cangaceiros. O próprio vaqueiro Domingos dos Patos, que foi o canoeiro que
atravessou em canoa o bando de Lampião para Sergipe, trabalhava na fazenda do
pai da Dona Cyra, esposa de João Bezerra, o comandante que queria pegar
Lampião. Na volante que matou Lampião e Maria Bonita estava um soldado parente
dela.
Os
coadjuvantes vitais...
Joca
Bernardes, ou Joca da Fazenda Capim, era um desse coiteros, que descoberto,
tinha se comprometido com o Sargento Aniceto a cooperar naquilo que soubesse
contra os cangaceiros. Joca era coitero de Corisco e ficou sabendo da chegada
de Lampião pela boca do cangaceiro Vila Nova – só não sabia onde ele estava.
Com as compras de Pedro de Candido de queijos fabricados por Joça e já
encomendados, em grandes quantidades, Joca denunciou Pedro ao sargento Aniceto.
Pedro era aquele coitero que estava na mira da polícia, tinha tido vários
encontros com o Tenente Bezerra, mas estava de “molho” para uma ocasião futura
e propícia e essa hora havia chegado.
Mesmo assim ao
receber o telegrama em Pedra do Delmiro o Tenente João Bezerra não alarmou o
pessoal e marcou um encontro com o Sargento na metade do caminho entre Piranhas
e Pedra do Delmiro, onde os comandantes das frações fizeram conferência dentro
do mato, quatro horas depois da saída de Pedra e três horas depois da saída do
caminhão com o Sargento Aniceto de Piranhas. Era aproximadamente 16 para 17
horas da tarde. Mas ainda faltavam as confirmações que o Tenente tanto
esperava. Antes da saída de Pedra passou um telegrama para ele mesmo, dizendo
que alguém avisara ele que Lampião estava para os lados de Moxotó. Mas alguém
de Moxotó enviara de fato um telegrama a ele sobre o aparecimento de cangaceiros
na região de Moxotó, só que não eram cangaceiros, mas a tropa do próprio
Sargento Aniceto. O Tenente antes de seguir destino para o encontro com o
Sargento e de telegrama na mão gritou a pleno pulmões no meio do pessoal civil
aglomerado, entre eles estavam alguns suspeitos de serem coiteros de Lampião:
vou combater o cego no Iapi. Essa informação que a força tinha ido para o
Moxotó chegou ao entardecer a Lampião no coito de Angicos, tendo Lampião
brincado e dado risadas, pilherando afirmou: então pode dormir de cueca.
Volante do Tenente João Bezerra
A força ainda
se encontrou com Joca que relatou tudo ao Tenente, depois ainda na incerteza se
deslocou até um ponto com segurança para então mandar buscar Pedro que relatou
tudo o que sabia, e sabia até demais, sabia onde o pessoal dormia e por onde
estavam os sentinelas, se é que haviam. Mesmo assim o Tenente ainda desconfiava
de tudo aquilo, porque Lampião não era fácil de ser pego assim tão facilmente.
Avaliando o tamanho do efetivo de cangaceiros e se deixando levar pelos
desconhecidos chegou a querer desistir da operação – só um temerário atacaria
Lampião naquelas circunstancias – e mesmo porque já sabia que Lampião o tinha
ameaçado de morte - aquilo tudo poderia ser uma armadilha. Mas no momento de
indecisão entra em cena a figura do Aspirante Ferreira de Melo, que contestou a
idéia de atacar os cangaceiros somente pela manhã, de dia e com seus 16 homens
iria mesmo assim atacar Lampião. Se tivesse ido, ele mataria Lampião somente
com esses homens, uma vez que Pedro conduziu a Policia até a menos de dez metros
da barraca de Lampião e ainda apontou Lampião que estava em pé, fora da
barraca.
No mais a
sorte de Lampião se acabara naquele dia, o destino pos ponto final em sua vida
naquela manhã. Na hora do início do tiroteio se ele estivesse deitado dentro da
barraca ou mesmo a alguns metros por detrás das pedras teria escapado, mas
veria a sua mulher ser morta a vinte metros de distância. Dado o primeiro tiro
naquela manhã, Lampião não teve tempo para raciocinar, para saber o que poderia
ser - uma arma disparou por acidente ? – alguém deu um aviso ? – tudo isso e
mais poderia pensar que despertava no interior das toldas, não imaginavam que
estavam cercados pela polícia e fugir daquele local era a salvação de suas
cabeças. Quem cercou Lampião naquela manhã sabia o que estava fazendo e era
assim que sempre procedia: o quadrado mortífero. Só não conseguiu a
exterminação total dos cangaceiros porque o alvo era Lampião e além do mais a
mata espinhenta ao redor da grota e a hora do ataque, o amanhecer, sem os raios
do sol, dificultava em muito quem precisava enxergar alvos e necessitava da
claridade para ajustar a mira das armas e abrir fogo. Depois outro fator que
contribuiu para a fuga dos cangaceiros foi a fumaça originada pela queima da
pólvora por ocasião dos disparos das armas em conflito, que cobriu a grota como
um manto de morte.
Negligência???
Negligência ?
sim. Descuido ? sim, a começar pela escolha do local. Nada de lugar com uma só
boca, como falaram depois quem escapou para contar história. Não foi isso que
matou Lampião. Lampião foi morto por uma estratégia militar, num jogo de
informação e contra-informação utilizado até hoje nos meios policiais. Aquele
lugar, aquela gruta não é local para defesa, mas as cercanias, no cimo dos
morros sim. Homens bem distribuídos , em locais previamente marcados,
acordados, vigilantes, e sóbrios, impedem qualquer efetivo que se aventure a
abater quem estiver no interior da furna. Quem estiver no interior da furna
terá tempo suficiente para escapar ileso de qualquer ataque que venha a sofrer,
desde que a força atacante se encontre previamente com sentinelas postados a
mais de cem metros de distância da furna. Além do mais o local não serve para
esconderijo porque do meio do rio se enxerga com relativa facilidade o rolo de
fumaça que sobe das fogueiras onde eram cozinhadas as comidas, e deveria haver
mais de uma. Não é crível que 45 homens comam de um mesmo fogo. Quanto maior a
fogueira, maior é o rolo de fumaça, maiores serão os odores que exalam das
carnes assadas, do café requentado, do fumo dos cigarros de palha. E o som dos
vozerios compartilhados, das músicas, das toadas, das gargalhadas, dos casos
contados, dos acontecidos, das boas empreitadas com ganhos fáceis, e aquele
cabra que implorou para não morrer ?, aquele rosto desfigurado pelo assombro da
morte, quando a ponta do punhal sangrador foi afundando devagarinho na base do
pescoço ? – motivos de comemorações e de alegrias para aquele bando de gente
impiedosa não faltavam.
Não se pode
culpar Lampião por isso ou aquilo, ou pelo que deixou de fazer, mesmo porque o
bando não era uma milícia organizada, com estratégia de defesa e ataque, as
manobras de guerra a bastante tempo não eram postas em práticas depois que
Antonio Ferreira e Sabino haviam desaparecidos. As orientações do chefe eram
quase sempre as mesmas: não enfrente os macacos – fuja ! A policia, sabendo
desse proceder dos cangaceiros, se sentia motivada a se aproximar dos grupos e
de abrir fogo sobre eles, com a certeza que correriam abandonando o campo da
luta. Fugiam não por medo, mas por economia da munição, cara e escassa, pela
preservação da própria vida, além do mais o que se ganharia em matar uns poucos
macacos – depois desses viriam mais e mais numa seqüência de mortandade que
nunca terminaria. Por isso a melhor defesa residia simplesmente na grande
mobilidade, nas andanças, percorrer grandes distâncias em poucas horas, e
nessas poucas horas estarem em vários lugares diferentes – assim a informação
dos delatores não chegaria aos ouvidos da polícia com tempo suficiente para ser
transformada em uma ação planejada a ponto de surpreender o grupo. Outro
fundamento do grupo era sumir sem deixar rastros, ou deixar vestígios bem
visíveis que conduziriam os soldados a um lugar determinado, culminando em uma
emboscada. Outras vezes os rastros não levavam a lugar nenhum e a volante
ficava bobando no meio da catinga. Na maioria das vezes os grupos de
cangaceiros sumiam por meses e ninguém sabia por onde andavam, até que um
caçador informava a pista deles, na maioria das vezes falsa e sem sentido, às
vezes a mando dos próprios cangaceiros para despistar uma ação de assalto a
alguma localidade.
Portanto, a
escolha de Angicos como ponto de reunião, mesmo que seja para passar uma
semana, foi um erro mortal, mesmo com a desculpa do tratamento de Maria Bonita
em Própria, ou para tratar operações futuras, ou pela necessidade de
aproximação com a água devido presença de mulheres, nada justifica a desatenção
para com o fator segurança do chefe em particular e do grupo em geral. Caso
fosse irremediavelmente necessário a permanência na área - isso até não seria
considerado um problema desde que os homens fossem dispostos estrategicamente
ao redor, no cimo dos morros, no leito do riacho, em vigilância constante e
protegendo quem estava no fundo daquele buraco(...)”.
Juliana Ischiara e Alfredo Bonessi
.
Transcrito por
Sálvio Siqueira
PS// A matéria
com a entrevista continua em uma segunda parte, a qual, em outra oportunidade,
a veremos...
Fonte cariricangaco.blogspot.com (Postado
por CARIRI CANGAÇO)
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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