Por Zózimo
Lima em 1935
Depois mesmo
de extinta a Guarda Nacional, corporação que merecia e merece ainda todo o meu
respeito, não desapareceu o coronelato que constituía a máxima aspiração dos
poderosos latifundiários e negociantes. Ainda nos fins do governo do
Marechal Hermes, que foi, se não me engano, quem acabou com essa mavórtica
agremiação, eu vi na minha terra um abastado senhor de dois engenhos de açúcar
e três fazendas de gado no sertão romper com o chefe local porque este lhe não
conseguira a promoção de tenente a capitão do 428º corpo de infantaria
classificado empiricamente em Uruburetama, no Ceará.
Desaparecida a
temível milícia de quadro ilimitado – pois tanto as promoções como as nomeações
eram feitas ao sabor dos candidatos, contanto que estes remetessem as
importâncias das patentes aos cofres do Ministério do Interior, e não ao da
Guerra, como devia ser –, ficou, entretanto, embora para figurar no noticiário
dos jornais, tacitamente estabelecido que qualquer cidadão, principalmente
proprietário ou fazendeiro, seria oficial da briosa corporação que já não mais
existe.
O coronel da
finada Guarda Nacional quando político, é, como se costuma dizer agora, um caso
muito sério. Julga-se ele uma entidade onipotente. Olha para os doutores com a
fanfarrice e a empáfia de galo único no terreiro povoado exclusivamente de
galinhas.
E vejam que
existem por aí afora doutores com a mentalidade de “coronéis”, e vice-versa. O
doutor que se afunda no “engenho” adquire para sempre a visão, a compreensão, o
raciocínio estreito do autêntico oficial dessa denodada milícia que teve o seu
período áureo.
Dizia-me o
doutor Guilherme Marbak, inteligência aguda e observador percuciente, que foi
oficial de gabinete do saudoso democrata Dr. Vital Soares, que nada lhe
distraía mais do que a pose de certos coronéis-chefes-políticos, senhores de
vastas terras, plantações, arregimentadores de crescido eleitorado, quando
vinham do interior se entender com o chefe do executivo estadual.
Quase sempre
julgam eles – dizia-me o Marbak –, porque graduados cabos eleitorais -, que os
salões de despacho governamentais são um prolongamento dos seus rurais
domínios.
Zózimo Lima
Bradam “quero
porque quero”, ameaçam retirar a solidariedade aos representantes federais,
romper com a situação estadual se não foi retirado o cabo comandante do
destacamento, exonerado o escrivão da coletoria, transferido o telegrafista e
chamado à capital o juiz ou promotor para, assim, satisfeito, mostrarem aos
munícipes basbaques que o seu valor vai além do de Moisés fazendo brotar água
do rochedo.
Se o
Governador, por conveniência da cousa pública, atendendo às circunstâncias do
momento, aos imperativos da justiça, lhe nega satisfazer os caprichos de
potentado regional, o compenetrado coronel perde as estribeiras, vocifera e
ameaça romper definitivamente com o partido aliando-se desde já à oposição.
Afinal de
contas, para acalmar os ímpetos belicosos do potentado correligionário, depois
de esgotados os recursos diplomáticos e pacifistas, o governo, que sempre é
poderoso em qualquer circunstância, arrasa-lhe a importância com a
interferência de um sargento de polícia destacado no seu efêmero feudo.
Há, porém,
como colaborador dos governos, o coronel sisudo, prestigioso pela sua
influência moral, pela circunspecção nas suas atitudes, apaziguador, pugnador
pela estabilidade da ordem, da harmonia dos partidos, jungido aos postulados
legítimos da polícia coordenadora, ao contrário daquele que, possuidor de
mentalidade aldeã, obcecado pela egolatria, não passa de um elemento
dissolvente, desagregador, individualista, quase sempre, por essas qualidades,
cavador da própria ruína. É uma entidade que se encontra em todos os
quadrantes da política nacional. Não é como se observa, uma individualidade
regional.
Zózimo Lima - “Correio de Aracaju” – 21.06.1935
Gentileza da divulgação: Facebook - Antonio Correa Sobrinho
Zózimo Lima - “Correio de Aracaju” – 21.06.1935
Gentileza da divulgação: Facebook - Antonio Correa Sobrinho
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