Por Rangel Alves
da Costa*
A gente
sertaneja sempre teve a religiosidade espelhada na intensidade da fé. Talvez
não haja qualquer outro povo mais devotado aos mistérios divinos que o vivente
nas distâncias áridas da região nordestina, principalmente naquele contexto
onde o sertão é mais característico: o bicho, a vegetação e o homem, tudo na
dependência do que vem lá do alto, respingando como chuva abençoada ou se
espalhando como sol de esturricar coração.
Se ainda hoje,
em meio a tempos mundanos e pecaminosos, a religiosidade continua aflorada e
incontida pelos sertões, que se imagine lá pelos idos do século XVIII para o
XIX. Foi nesta época que o atual município de Nossa Senhora da Conceição de
Poço Redondo começou a ser efetivamente habitado, pois antes disso apenas as
penetrações de desbravamento no desconhecido sertão. Distando cerca de treze
quilômetros do Velho Chico, nos confins da mata fechada, porém numa localidade
mais elevada e de visão privilegiada, foi o local escolhido por Manoel Cardoso
de Sousa para se instalar com sua família.
Tem-se, pois,
a família Sousa, englobando os Cardoso, como pedra fundamental na gestação da
futura povoação sertaneja. Quando as filhas de Manoel Cardoso, sendo estas
Delmina e Maria Rosa, tomaram como esposos os irmãos Feitosa e Lucas, linhagens
familiares frutificariam até os dias atuais. Igualmente ocorreu com o terceiro
irmão, chamado Cirilo, que se engraçou por uma mocinha chamada Maria, das
beiradas do Curralinho, e igualmente fez gestar uma importante família
poço-redondense.
Toda essa
gente necessitava ir além das orações e oratórios para expressar sua fé. Assim,
logo foi providenciada a construção de um pequeno templo católico aonde aqueles
moradores da região do Poço de Cima pudessem compartilhar com o sagrado as
dádivas da existência. E também para celebrações, batizados, encontros de fé.
Como padroeiro foi escolhido Santo Antônio, o santo protetor dos pobres e
desvalidos e guardião dos grandes milagres. Nada mais justo a abençoar um povo
em contínua luta pela sobrevivência.
Com o passar
dos anos, o templo que era conhecido apenas como Igrejinha do Poço de Cima foi
recebendo outro batismo e passou a ser denominada Capela de Santo Antônio do
Poço de Cima. Foi erguida em local elevado, talvez defronte às principais
moradias da localidade – considerando que quase nada resta das antigas
residências – e com a parede do fundo voltada para a atual sede municipal.
A
Igrejinha do Poço de Cima ou Capela de Santo Antônio de Poço de Cima, como se
prefira denominar, foi, pois, construída nos primórdios do surgimento da
povoação. Consiste em uma pequena construção de arquitetura simples, com um
pequeno altar um pouco adiante da parede do fundo, uma porta mais larga como
entrada e mais uma em cada lado. Tais características continuam as mesmas dos
tempos idos, diferenciando-se apenas nos reparos estruturais que foram feitos
recentemente.
Com efeito,
por muito tempo a igrejinha ficou relegada ao completo abandono. Os familiares
dos antigos moradores do Poço de Cima sofriam com a visão das ruínas a cada
visita que faziam àquele local de grandiosa importância sentimental, pois ali
não só a escrita de um glorioso passado como a presença de entes queridos no
pequeno cemitério que se estende pelos arredores da capela. As cruzes e os
túmulos, ora mais imponentes ora apenas vestígios sobre a terra, são
testemunhas dos quantos ali jazem na eternidade.
No rústico e
quase familiar cemitério foram sepultadas não só as ilustres figuras do Poço de
Cima como outros importantes personagens que deram origem ao povoamento do
município, sobressaindo-se sempre os falecidos das famílias Sousa, Cardoso e
Lucas. Importante ressaltar que até hoje estas famílias preferem ali, em campo
aberto e muitas vezes rente às sombras das catingueiras, dar repouso aos seus
entes queridos.
Ao longo dos
anos, talvez como forma de não deixar que igualmente às antigas residências a
igrejinha também desmoronasse, algumas tímidas iniciativas procuraram mantê-la
em pé. O que foi conseguido, mas não de forma que a população sentisse que o
seu templo sentimental estivesse devidamente reformado e pronto para os ofícios
religiosos. A verdade é que não fosse a iniciativa da Paróquia de Poço Redondo,
através do Padre Mário, mais uma vez as paredes estariam caindo, o telhado
desabando e o interior tomado de morcegos.
Coube então ao
Padre Mário, apaixonado e devotado que é pela terra sertaneja, designar um
grupo de jovens para tomar a frente dos destinos da Capela de Santo Antônio de
Poço de Cima. E que acertada escolha. Atribuiu-se a estes jovens, alguns deles
com profundos laços familiares na localidade, proporcionar a feição que hoje
pode ser encontrada: um verdadeiro templo de Deus, de história e amor ao berço
de tantas gerações.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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