Arte: xilogravura de Rodolfo Coelho
Cavalcante, em capa do Cordel de sua autoria, "Lampião, O Terror do
Nordeste".
A coleta de informações sobre o cangaço está esgotada?
Honório
de Medeiros - No plano das fontes primárias, aparentemente, sim. São poucos os
sobreviventes daquela época e, deles, já se extraiu o impossível. Quanto aos documentos,
ressalvo a possibilidade de surgimento de alguma documentação desconhecida,
como foi o caso recente de documentos relativos a Plácido de Castro, guardados
por um lugar tenente seu, encontrados, por acaso, pelo Ministério Público, no
interior do Rio Grande do Sul. Saliento que a produção do resultado dessa
coleta, embora feita de forma amadorística, é o material que nós temos para
trabalhar. É uma produção profusa.
Qual seria a seu ver o próximo passo a ser
dado pelos estudiosos do cangaço?
Honório de Medeiros - Uma mistura de
jornalismo investigativo e processos interpretativos científicos em relação ao
que nós possuímos. É o que eu chamo de segunda onda. Temos que trabalhar com
teorias, investigações, correlação de dados, testes dessas hipóteses e sujeição
das conclusões á comunidade cultural. É preciso desfazer o mito de que Lampião
era um estrategista militar. Na verdade, o sucesso de sua longa trajetória
decorre antes de uma mistura de incompetência e corrupção, por parte dos
governos, e instinto de sobrevivência da parte dele, Lampião.
Essa segunda
onda, no plano dos estudos do cangaço, já é perceptível?
Honório de Medeiros - Já há alguns poucos trabalhos nesse âmbito. Eu citaria a teoria do escudo ético
- o mecanismo justificativo do cangaceiro para as suas ações -, de Frederico
Pernambucano de Melo. Há também outras tentativas de explicação do cangaço á
luz de um marxismo mecanicista que aponta o fenômeno como conseqüência da
divisão desigual da terra e as mazelas que disso decorre. Esse modelo, porém,
está ultrapassado. E, na verdade, enquanto não se montar o mosaico completo ou
parcialmente completo – que vai ser o resultado do trabalho investigativo -,
não será possível construir macro teorias. Vou dar um exemplo do que afirmo.
Houve um pacto de governadores – João Suassuna, Juvenal Lamartine, José Augusto
Bezerra de Medeiros e o governador de Pernambuco á época – para a supressão do
cangaço através da eliminação física dos cangaceiros, cuja conseqüência foi a
morte de Chico Pereira. Outro exemplo. Por que o Poder Judiciário e o
Ministério Público silenciou em Mossoró quanto a morte de Colchete, Jararaca e
Bronzeado? Por que o capitão Abdon Nunes, embora tendo chamado para si a
responsabilidade por essas mortes, livrando assim José Augusto e Juvenal
Lamartine, não foi processado e condenado?
Além de Frederico Pernambucano, que
outros autores estão enveredando por esse novo caminho?
Honório de Medeiros - Na verdade, o trabalho de Frederico é mais de caráter sociológico do que
investigativo; embora seja importante, existem furos na história do cangaço que
precisam ser fechados, para que nós possamos avançar na proposição de uma
teoria geral.
Quais são esses furos?
Honório de Medeiros - Ora, por que o Rio
Grande do Norte, excetuando-se Mossoró, praticamente está distante do fenômeno
do cangaço e do coronelismo? Comparemos a história do Rio Grande do Norte, do
seu sertão, com a história do sertão do Cariri cearense ou do Pajeú
pernambucano. Essas perguntas, inclusive, invalidam a teoria marxista que
atribui á divisão da terra a questão do cangaço.
Qual seria essa macroteoria ou
qual o paradigma que explicaria, inclusive, essas discrepâncias?
Honório de
Medeiros - Eu, particularmente, utilizo como paradigma a contribuição teórica
da teoria do darwinismo.
Como você chegou á aplicação desse paradigma?
Honório
de Medeiros - Por exclusão. O paradigma darwiniano é o único que se sustenta,
do ponto de vista da crítica, após a virada do século. Mesmo o marxismo pode
ser – com toda a sua contribuição – agregado e transcendido por esse novo
parâmetro cientifico voltado para as Ciências Sociais. Aqui, a categoria do
poder jurídico é o viés explicativo básico, atento ás circunstancias históricas
e geográficas peculiares.
Queira, por favor, explicar melhor.
Honório de
Medeiros - Trata-se de entender esses fenômenos sociais a partir de uma
perspectiva de poder dentro do contexto da teoria darwiniana.
Por que o Rio
Grande do Norte se diferencia dos demais Estados nordestinos quanto á eclosão
do fenômeno do cangaço?
Honório de Medeiros - Você tocou no xis da questão.
Formular essas questões e procurar respondê-las é a segunda onda. Observe que
só é possível estudar o cangaço, se for possível estudar o coronelismo e o
misticismo. Esse tripé básico constitui a alma sertaneja.
E Jesuíno Brilhante
não foi um cangaceiro?
Honório de Medeiros - Eu, particularmente, defendo que
não. Jesuíno teria sido uma espécie de justiceiro social. Observe que Jesuíno
teve uma área restrita, não de atuação mas de fuga; não se apossava do
patrimônio de ninguém; não matava nem agredia a não ser em legitima defesa ou
para fazer respeitar um código de honra ancestral e, excetuando que tinha
alguns companheiros, nada o diferencia de Diogo Maia, outro justiceiro social
que atuou entre os estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Compare a
atuação de Jesuíno com a de Lampião, Senhor Pereira, Antonio Silvino e Corisco
e perceba a diferença. Se definimos alguém como cangaceiro, o que ele é passa a
ser parâmetro. Assim, compare Jesuíno com Lampião. O fato de chefiar um bando e
ser perseguido não transforma ninguém em cangaceiro.
Há, a seu ver, alguma
relação entre esses bandoleiros e os bandos que atuam hoje no Alto Oeste?
Honório de Medeiros - Que eu saiba, nós não podemos chamar esses de cangaceiros
por conta do limite temporal que enclausura os cangaceiros, propriamente ditos.
Ambos os bandos praticam formas de banditismo rural, mas o cangaço está preso
ao tempo histórico compreendido entre o final do século dezenove a começos do
século vinte. É preciso ter cuidado, portanto, com as definições.
Segundo suas
concepções o Rio Grande do Norte teve algum cangaceiro?
Honório de Medeiros - Há suspeita, não comprovada, de que Virgínio, cunhado de Lampião, seria de
Alexandria. Um Luis Brilhante que andou com Massilon Leite, era no entanto
paraibano. Massilon, embora tenha vivido no Sítio Cava, em Luis Gomes, não era
norte-rio-grandense.
Qual, então, o ponto de referência entre Lampião, o
coronel Floro Bartolomeu e Padre Cícero?
Honório de Medeiros - Essa é uma
colocação emblemática. Temos aí, quando os três se encontraram, um momento
ímpar da história social do sertão. O cangaceiro-mor, um dos mais poderosos
coronéis e a lenda mística que é o Padre Cícero do Juazeiro. Nesse aspecto, o
caráter simbólico desse momento sem igual, até hoje não foi explorado. Fonte:
http://www.franklinjorge.com/
Professor de Filosofia do Direito, advogado,
Honório de Medeiros tem exercido importantes cargos públicos, entre os quais, o
de procurador chefe da Procuradoria da Prefeitura de Natal, Secretário de
Administração e Finanças do mesmo município e Secretário da Administração e
Finanças do Estado, na primeira gestão da governadora Wilma de Faria. Líder
estudantil, ao tempo do seu curso de Direito na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, confessa-se um leitor vocacionado para o ensino universitário,
atividade que lhe tem granjeado o respeito e a admiração de centenas de alunos
que tiveram o privilégio de desfrutar das suas lições. Escritor e pensador das
Ciências Jurídicas, tem livros publicados e se mantém como colaborador regular
deste semanário. E, quando não está na sala de aula ou estudando, dedica seus
ócios a pesquisa do fenômeno do cangaceirismo, tendo como foco a vida de
Massilon Leite, cuja vida em parte transcorreu em terras do Oeste
norte-rio-grandense. Porém, ao contrário de outros pesquisadores desse tema,
considera que a fase da coleta de dados está esgotada e defende a necessidade
de estudos multidisciplinares para a correta interpretação do fenômeno em
questão.
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http://lentescangaceiras.blogspot.com.br/2008/09/entrevista-honrio-de-medeiros.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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