Por Rangel Alves
da Costa*
Disposta ao
trabalho não tinha igual, amigueira que só, prestativa a qualquer um, uma
presença para o que desse e viesse, assim ela era conhecida sertões adentro.
Contudo, sua característica maior, porém não do conhecimento de todos, era sua
sibiteza. Não há sibiteza igual à daquela muié, dizia um. Muié sibite da gota,
confirmava outro.
Sempre estava
disposta a pegar em cabo de enxada, de foice ou facão. No quesito trabalho,
para garantir o pão não havia qualquer rejeição. Era avistada revirando a
terra, plantando, colhendo, debulhando milho e feijão. Lavava roupa no
ribeirão, chiqueirava gado, subia em jumento e alazão. Passava com lata d’água
na cabeça, revirava a noite ao redor do tacho de cocada. Tinha de ser assim
para sustentar a casa. Possuía marido, mas era como se nada tivesse.
Ainda moço,
porém se dizendo adoentado de tudo, o marido era um verdadeiro imprestável,
segundo ela mesma dizia. Não trabalhava porque se dizia cheio de dores por todo
lugar. Bastava levantar da rede e caminhar meio palmo já começava a reclamar de
dor nas pernas, no joelho, no espinhaço. Aliás, sua vida era ficar estendido
numa rede pitando cigarro de palha. Nem pra morrer logo esse fi da gota presta,
dizia ela abertamente. E de vez em quando dizia que preguiça ainda haveria de
matar um fi da peste. Ele ouvia e nada dizia, apenas inventava uma dor para
gemer.
Certa feita,
após deixar o prato feito no fogão e saído para coivarar um roçado adiante, ela
retornou do meio do caminho e surpreendeu o marido ouvindo forró no rádio de pilha
e dançando sozinho. Óia o fi da peste do doente como tá, só farta mermo se
rebolar. Ele me paga, disse a si mesma enquanto olhava pela fresta da porta dos
fundos. Ela já gostava de festança, de forró em sala de reboco, de tomar
relepada de aguardente, mas foi daí em diante que resolveu se esbaldar.
Quando a boca
da noite chegava, ela botava por cima um vestido florado de chita, se enchia de
perfume de feira e, empozada e de boca vermelha, olhava em direção à rede e
dizia ao marido que ia pro forró e não sabia a hora que chegava. Quase todo dia
assim. O marido só faltava endoidar, mas preguiçoso como era e decidido a não
bater prego sequer em barra de sabão, simplesmente silenciava. Nada podia
fazer, pois era ela que mantinha a casa de tudo.
Quando ela
chegava nas redondezas do forró pé-de-serra, então o mundo começava a revirar.
A sanfona parecia reconhecê-la pelo perfume forte, as garrafas de aguardente
pela cor do batom, e os homens pelo vestido florido e o requebro mais que
conhecido. Então tudo se transformava em torno daquela que chegava. Ela era
assim alegre, contagiante, cheia de vigor, bebendo e dançando com qualquer um,
mas também temida demais.
Certa feita,
durante a dança forrozeira, um cabra passou a mão na sua bunda e nunca se viu
resposta mais feia. A mulher tacou-lhe um murro nas ventas que o atrevido foi
parar longe. Doutra feita, ao ouvir uma insinuação maldosa de um, deu-lhe um
chute nas partes de baixo que até hoje o desafortunado anda meio torto. E se
arrastasse um homem pra dançar e esse desse frouxo, então a coisa ficava de
apavorar. Ou o cabra ia dançar ou tinha de se abaixar para pedir perdão. Do
contrário, levava sopapo de todo lado, até restar moidinho no chão.
Quando virava
umas duas talagadas em seguida e se danava pelo salão, então parecia milho de
pipoca queimando na panela. Milho sibite, pulador, requebrento, desandado de
canto a outro, sem parar de jeito nenhum. Daí sua fama de sibiteza, pois sibite
é a mulher danada, forrozeira sem parar, de gingado nos quadris de fazer queixo
cair. E por traquinagem também. Levantava a barra do vestido até as beiradas da
calçola e depois perguntava quem queria do bom o bem bom.
E na cachaça e
no forró ia seguindo até o último ronco do fole. Mas não se embebedava de jeito
nenhum. Quando tudo parava e não havia mais quase ninguém pelo salão, então ela
mandava descer a saideira, de copo cheio, bebia numa golada só, e depois
retornava de chinelo à mão. Não demorava muito e já na primeira luz do dia
podia ser avistada pelas estradas carregando uma enxada no ombro. Uma trouxa de
pano, ou apenas seguindo para outros ofícios.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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