O que faz
dois homens não esqueceram suas rixas depois de três décadas do último
encontro bélico entre eles? O soldado Adriano e o cangaceiro Zé Sereno, nos
contam nesse histórico e eletrizante encontro ocorrido há 48 anos em um
restaurante em São Paulo, promovido pela jornalista, historiadora e
pesquisadora do cangaço, Cristina Mata Machado, no ano de 1968, 30 anos
depois da morte de Lampião no ataque das volantes a seu esconderijo/coito da
Grota do Angico. Vamos à leitura!
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Trinta anos depois
do cerco de Angico, Alagoas, onde Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros
foram mortos e decapitados, reencontraram-se em um restaurante de São Paulo
cinco participantes do combate na Grota do Angico. Eram quatro ex-integrantes
do bando do "Rei do Cangaço" e um antigo membro da
"volante", tão temido quanto os cangaceiros.
Depois da madrugada de 28 de julho de 1938, eles tomaram rumos diferentes. Deixaram o sertão, construíram uma existência sem aventura, tiveram filhos, tornaram-se cidadãos comuns. Todo aquele passado voltou, num relance dramático, quando o grupo começou a ser apresentado ao antigo "volante", o ex-soldado Adriano.
Adriano pareceu receber um choque ao ouvir o nome de Zé Sereno, o ex-bandido que ele perseguiu todo esse tempo, para vingar-se, e que hoje é um pacato zelador de um colégio. Adriano Ferreira de Andrade andou caçando Zé Sereno durante muitos anos. Em verdade, entrou na polícia, ficou três anos e meio na "volante" pervagando o alto sertão, unicamente para vingar-se de Zé Sereno.
Depois da madrugada de 28 de julho de 1938, eles tomaram rumos diferentes. Deixaram o sertão, construíram uma existência sem aventura, tiveram filhos, tornaram-se cidadãos comuns. Todo aquele passado voltou, num relance dramático, quando o grupo começou a ser apresentado ao antigo "volante", o ex-soldado Adriano.
Adriano pareceu receber um choque ao ouvir o nome de Zé Sereno, o ex-bandido que ele perseguiu todo esse tempo, para vingar-se, e que hoje é um pacato zelador de um colégio. Adriano Ferreira de Andrade andou caçando Zé Sereno durante muitos anos. Em verdade, entrou na polícia, ficou três anos e meio na "volante" pervagando o alto sertão, unicamente para vingar-se de Zé Sereno.
Tinha umas
contas a acertar com o cangaceiro desde um dia qualquer de 1936.
- Pensei em
dar uns conselhos pra ele, bem devagar, para não sofrer muito.
Adriano
cultivava seu ódio de morte por Zé Sereno. Jamais se esqueceu da provação que o
cangaceiro lhe impôs em Jeremoabo, na Bahia, quando se avistaram pela primeira
vez. Adriano trabalhava na fazenda do Coronel João Dantas e, um dia, viajava
com a boiada quando passou por uma fazenda. Um coiteiro, sujeito que se
especializara em homiziar cangaceiros, advertiu-o de que devia mudar o caminho,
porque a estrada era ruim.
- Fui parar
noutra fazenda. Quando menos esperava, estava cercado por cinco cangaceiros.
Eles disseram que eu era delator, me amarraram e me deixaram preso durante três
dias. Fui até obrigado a ir numa festa com eles e me mandaram dançar. Imagine
se uma pessoa que vai morrer tem vontade de dançar. O dono da fazenda que me
conhecia, falou com os cangaceiros e pediu para não me matar. Foi assim que eu
me salvei de morrer mesmo. Quando eles me soltaram. disseram assim: - "Agora pode andar sossegado". Mas eu disse
pra mim mesmo: "Sossegado, hein?"
Em vez de sossegar, Adriano entrou para a "volante" e fez uma jura: — Enquanto existir cangaceiro, eu não saio da polícia. Só saio quando não tiver mais nenhum vivo.
Em vez de sossegar, Adriano entrou para a "volante" e fez uma jura: — Enquanto existir cangaceiro, eu não saio da polícia. Só saio quando não tiver mais nenhum vivo.
A vingança, quase
Por duas vezes
a vingança de Adriano esteve por se consumar. A primeira foi no cerco do
Angico, comandado pelo Tenente João Bezerra, que reunira várias "volantes
para liquidar Lampião. Não se tratava de pegá-lo vivo ou morto, mas eliminá-lo
sumariamente. O Tenente soube por intermédio de coiteiros que Lampião e
diversos cabras se encontravam na Fazenda Angico. Foi para lá, obrigou outro
coiteiro, que sempre fora amigo de Lampião, a dar notícias dos cangaceiros.
Apresentou um ultimato: — Ou você me põe no lugar onde se encontram os bandidos
ou então vai morrer. O "coiteiro" preferiu viver.
Às 5 da manhã, Lampião estava sitiado. As demais 'volantes' já haviam tomado posições diferentes cercando o refúgio do 'Governador do Sertão' quando o Tenente chegou à área que lhe cabia. O embate durou 20 minutos, talvez menos. O grupo do Tenente travara vários choques com cangaceiros, que corriam para tomar posição ou fugir ao cerco. O oficial já estava baleado. Ao chegar à barraca de Lampião, casa e trincheira ao mesmo tempo, viu muitos cangaceiros mortos. Um soldado gritou:
— Lampião morreu, Seu Tenente!
Entre a fugitivos estavam Zé Sereno, Sila sua mulher, Marinheiro e Criança. Adriano chegara um pouco tarde. Entre as onze cabeças decepadas na mesma hora, para mostrar ao povo do sertão que Lampião "mostrar ao povo que Lampião morrera mesmo", não estava a de Zé Sereno.
Na segunda vez, Adriano empreendeu sozinho à caça a Zé Sereno. Foi dois anos depois, em 1940. Ele soube em Jeremoabo que o cangaceiro estava lá. Havia festa na cidade, os cabras fatalmente iriam. Adriano preparou o fuzil, procurou um rapaz que estivera preso com ele na fazenda, convidou-o para a vingança, dava-lhe até outro fuzil. O rapaz não quis. Aquilo já passou. Adriano foi sozinho.
— Armei uma tocaia pro Zé Sereno. Só que ele não passou. Se passasse eu torava ele.
Às 5 da manhã, Lampião estava sitiado. As demais 'volantes' já haviam tomado posições diferentes cercando o refúgio do 'Governador do Sertão' quando o Tenente chegou à área que lhe cabia. O embate durou 20 minutos, talvez menos. O grupo do Tenente travara vários choques com cangaceiros, que corriam para tomar posição ou fugir ao cerco. O oficial já estava baleado. Ao chegar à barraca de Lampião, casa e trincheira ao mesmo tempo, viu muitos cangaceiros mortos. Um soldado gritou:
— Lampião morreu, Seu Tenente!
Entre a fugitivos estavam Zé Sereno, Sila sua mulher, Marinheiro e Criança. Adriano chegara um pouco tarde. Entre as onze cabeças decepadas na mesma hora, para mostrar ao povo do sertão que Lampião "mostrar ao povo que Lampião morrera mesmo", não estava a de Zé Sereno.
Na segunda vez, Adriano empreendeu sozinho à caça a Zé Sereno. Foi dois anos depois, em 1940. Ele soube em Jeremoabo que o cangaceiro estava lá. Havia festa na cidade, os cabras fatalmente iriam. Adriano preparou o fuzil, procurou um rapaz que estivera preso com ele na fazenda, convidou-o para a vingança, dava-lhe até outro fuzil. O rapaz não quis. Aquilo já passou. Adriano foi sozinho.
— Armei uma tocaia pro Zé Sereno. Só que ele não passou. Se passasse eu torava ele.
Mas Zé Sereno
não foi à festa. Adriano gravou bem o bando dos cangaceiros que o prenderam e
humilharam. Além de Zé Sereno, do grupo, fazia parte: Diferente,
Zabelê, Meia Noite, Manuel, Moreno. O chefe era Zé Sereno. por isso Adriano
pensava em se vingar nele. O antigo volante não sabia que no almoço, tantos
anos depois, estariam Zé Sereno, sua mulher e mais dois ex-cangaceiros. Ele
reaviva o velho ódio ao relembrar o seu passado na "volante", na
qual ficou até a morte de Corisco, o Diabo Louro.
Corisco, lugar-tenente do Lampião, vingou a morte do chefe, matando toda a família do coiteiro que o denunciou. (Nota: O coiteiro que Corisco matou, não o tinha traído, veja detalhes no artigo "O COITEIRO QUE TRAIU LAMPIÃO") Matou ¡inclusive duas mulheres pura "vingar Maria Bonita e Enedina", também mortas e decapitadas no cerco de Angico.
Com a morte de Corisco, desaparecia o último cangaceiro. Adriano cumprira sua jura, podia deixar a "volante". Foi o que fez. Trocou a profissão de soldado pela de comerciante, ficou em Jeremoabo até 1947, negociando com gado, viajando muito. Numa dessas viagens parou em São Paulo, tornou-se laminador. Exerce o ofício até hoje numa fábrica perto de casa. Antes de ser oficial, fez um aprendizado lento, como auxiliar.
Aos sessenta
anos Adriano conseguiu o que queria. Criou os dois filhos. Maria, casada e mãe
de cinco filhos, e João, oficial de uma costura. O rapaz tem clientes famosos:
Chico Buarque de Holanda, Wilson Simonal, Edu Lobo. Adriano só não conseguiu
achar Zé Sereno. "- Dizem que ele mora aqui em São Paulo. Mas não sei não. Se eu
encontrasse ele hoje... Não quero nem saber..."
Um dia de Surpresas
Também os antigos cangaceiros não sabem como será esse encontro no restaurante. Só Sila sabe, e está impaciente.
— Cadê o pessoal?
Zé Sereno é o primeiro a chegar. Não estranha a presença da companheira. Agora vem Marinheiro, irmão de Sila, cunhado de Zé Sereno. Depois chega Criança. Os abraços são apertados, de longa saudade. Risos, lágrimas. Criança é o que estivera mais tempo afastado dos outros nestes trinta anos. Sila se dirige a ele com carinho, sorrindo:
— Como o senhor está forte, compadre!
Numa briga Criança era uma cobra
Criança mal consegue sorrir, a emoção o sufoca. Custa a responder:
— Comadre Silas, também está forte e cheia de saúde.
Zé Sereno olha com admiração para Criança. Ainda o trata de "menino". Criança contempla o companheiro, cinquentão como ele, e traz o mesmo respeito de outrora, quando Zé Sereno era o seu comandante. Zé Sereno fala. Criança se envaidece, mas baixa a cabeça, modesto, ao ouvir um elogio:
— Esse menino aqui era muito valente. Sempre calmo. Numa brigada, ele ela uma cobra.
Zé Sereno é o mais desembaraçado de todos; entre os demais, preserva ar de comando, vestígio do antigo chefe de grupo do bando de Lampião. Marinheiro o respeita como cunhado e como antigo líder. Tem razões para isso.
— Zé Sereno — lembra — encarou duas vezes o Capitão Virgulino.
A conversa agora é entre amigos íntimos. Casos e histórias são repassados. Um fala, outro completa a narrativa, corrige ou acrescenta um pormenor.
Ao grupo se junta agora um estranho, que é posto frente a frente com Zé Sereno. Adriano. O antigo volante. Os dois se olham. Zé Sereno cumprimenta o recém chegado mais por cortesia, sem saber ao certo de quem se trata. Adriano reconhece logo o antigo inimigo: sua imagem jamais abandonou a sua memória. Zé Sereno franze a testa, morde os lábios e volta rápido ao passado sem saber quem é aquele que chegou:
—Zé Sereno, este é Adriano, ex-volante e seu ex-inimigo.
Zé Sereno não esqueceu as mínimas coisas de sua vida de cangaceiro. Há nove anos trabalha como zelador num colégio, mas antes disso fez muitas coisas. Trabalhou como ambulante, vendendo peixe, foi operador de fábrica, depois esteve num frigorífico. Em São Paulo criou os filhos, todos "bem encaminhados". O mais velho, Ivo. é dono de uma imobiliária: o caçula Wilson pediu engajamento na Aeronáutica, é cabo; Gilaene trabalha numa grande empresa.
Zé Sereno nunca revelou a ninguém que pertenceu ao bando de Lampião. Antes por segurança do que por vergonha de sua outra vida. Temia que algum inimigo lá de Alagoas, onde o desejo de vindita é transmitido como herança de família, tentasse vingar algum fato do passado. Vergonha não tinha nem havia porque. Foi anistiado por decreto do Presidente Vargas, no fim da ditadura do Estado Novo; não tinha contas a prestar. Além disso, lá no Sertão, não tinha escolha:
— Naquele tempo tinha que ser cangaceiro mesmo ou entrar na volante. tanto um como outro passava maus bocados - comenta Zé Sereno.
Dois tios e dois primos de Zé Sereno, Antonio de Engrácia, o velho Cirilo, Zé Baiano e Antonio Honório — eram cangaceiros, sem querer, acabaram por empurrá-lo para o mesmo destino.
— Houve uma briga e dois soldados foram mortos pelos meus tios. O pai de um dos soldados, de nome Lau, resolveu se vingar em mim. Disse que ia me matar. Como não sou cabrito pra morrer dependurado numa corda, resolvi sair pro mato. Me lembro bem, isso foi em 1930, eu tinha dezessete anos.
Zé Sereno foi ao encontro de Lampião. O Capitão Virgulino, como era chamado, estranhou a presença do quase garoto e foi logo perguntando:
— O que é que faz esse macaquinho aqui?
Zé Baiano, primo de Zé Sereno, respondeu:
— Na minha família só tem gente valente. Esse menino não vai negar a raça.
Lampião quis a prova, e a teve. Arrumaram uma briga de Zé Sereno com Volta Seca, também muito jovem, os dois se digladiaram durante muito tempo. Lampião deu um basta e ditou a sorte de Zé Sereno
— Esse menino é valente mesmo. Vai longe.
Zé Sereno olha com admiração para Criança. Ainda o trata de "menino". Criança contempla o companheiro, cinquentão como ele, e traz o mesmo respeito de outrora, quando Zé Sereno era o seu comandante. Zé Sereno fala. Criança se envaidece, mas baixa a cabeça, modesto, ao ouvir um elogio:
— Esse menino aqui era muito valente. Sempre calmo. Numa brigada, ele ela uma cobra.
Zé Sereno é o mais desembaraçado de todos; entre os demais, preserva ar de comando, vestígio do antigo chefe de grupo do bando de Lampião. Marinheiro o respeita como cunhado e como antigo líder. Tem razões para isso.
— Zé Sereno — lembra — encarou duas vezes o Capitão Virgulino.
A conversa agora é entre amigos íntimos. Casos e histórias são repassados. Um fala, outro completa a narrativa, corrige ou acrescenta um pormenor.
Ao grupo se junta agora um estranho, que é posto frente a frente com Zé Sereno. Adriano. O antigo volante. Os dois se olham. Zé Sereno cumprimenta o recém chegado mais por cortesia, sem saber ao certo de quem se trata. Adriano reconhece logo o antigo inimigo: sua imagem jamais abandonou a sua memória. Zé Sereno franze a testa, morde os lábios e volta rápido ao passado sem saber quem é aquele que chegou:
—Zé Sereno, este é Adriano, ex-volante e seu ex-inimigo.
Zé Sereno não esqueceu as mínimas coisas de sua vida de cangaceiro. Há nove anos trabalha como zelador num colégio, mas antes disso fez muitas coisas. Trabalhou como ambulante, vendendo peixe, foi operador de fábrica, depois esteve num frigorífico. Em São Paulo criou os filhos, todos "bem encaminhados". O mais velho, Ivo. é dono de uma imobiliária: o caçula Wilson pediu engajamento na Aeronáutica, é cabo; Gilaene trabalha numa grande empresa.
Zé Sereno nunca revelou a ninguém que pertenceu ao bando de Lampião. Antes por segurança do que por vergonha de sua outra vida. Temia que algum inimigo lá de Alagoas, onde o desejo de vindita é transmitido como herança de família, tentasse vingar algum fato do passado. Vergonha não tinha nem havia porque. Foi anistiado por decreto do Presidente Vargas, no fim da ditadura do Estado Novo; não tinha contas a prestar. Além disso, lá no Sertão, não tinha escolha:
— Naquele tempo tinha que ser cangaceiro mesmo ou entrar na volante. tanto um como outro passava maus bocados - comenta Zé Sereno.
Dois tios e dois primos de Zé Sereno, Antonio de Engrácia, o velho Cirilo, Zé Baiano e Antonio Honório — eram cangaceiros, sem querer, acabaram por empurrá-lo para o mesmo destino.
— Houve uma briga e dois soldados foram mortos pelos meus tios. O pai de um dos soldados, de nome Lau, resolveu se vingar em mim. Disse que ia me matar. Como não sou cabrito pra morrer dependurado numa corda, resolvi sair pro mato. Me lembro bem, isso foi em 1930, eu tinha dezessete anos.
Zé Sereno foi ao encontro de Lampião. O Capitão Virgulino, como era chamado, estranhou a presença do quase garoto e foi logo perguntando:
— O que é que faz esse macaquinho aqui?
Zé Baiano, primo de Zé Sereno, respondeu:
— Na minha família só tem gente valente. Esse menino não vai negar a raça.
Lampião quis a prova, e a teve. Arrumaram uma briga de Zé Sereno com Volta Seca, também muito jovem, os dois se digladiaram durante muito tempo. Lampião deu um basta e ditou a sorte de Zé Sereno
— Esse menino é valente mesmo. Vai longe.
CONTINUA...
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