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sábado, 13 de fevereiro de 2016

A VIDA DEPOIS DO CANGAÇO - PARTE II


Lampião, o justiceiro

Zé Sereno, Antonio Ribeiro na pia de batismo, guarda por Lampião um respeito quase religioso. Ainda se refere a como "o capitão", patente com que o "Rei do Cangaço contemplou a si mesmo. 


— Ele era corajoso e ajudava os pobres. Gostava muito das coisas justas e respeitava quem merecia respeito.

Uma vez. no sertão baiano - conta Zé Sereno, o grupo de Lampião encontrou um rapazinho que queria falar com o ''Capitão". Estava desesperado, porque o dono da fazenda não queria pagar aos homens direito.

 — Nós trabalhamos e ele não paga. Dinheiro ele tem; o que não tem é vergonha na cara.

Lampião mandou um recado:

— Você não fala pra ninguém que nós vamos lá.

No dia seguinte — relembra Zé Sereno — nós fomos na fazenda. O Capitão, chamou o fazendeiro, mandou reunir os empregados e obrigou ele a pagar todo mundo. Quando nós íamos saindo, o Capitão falou pro fazendeiro:

— Vou sair e não quero saber que mandou um empregado desses embora; Se mandar, eu volto aqui.

Ao falar da "volante'', Zé Sereno se exalta. Como Adriano, também ele conservou seu ódio.

— Eles perseguiam muita gente inocente. Matavam em nome da lei. Chiquinho de Imbuzeiro, um volante, pegou meu tio Firmino, que era vaqueiro, amarrou as pernas e os braços, acendeu uma caieira de fogo e jogou ele dentro, vivo. Só porque ele tinha os parentes no Cangaço. O Tenente Soares também matou dois primos meus, um a bala e outro queimado.

Antes de chegar a São Paulo Zé Sereno passou pelo município de Rio Novo Camamu na Bahia e Jordânia em Minas Gerais. Dali chegou a Martinópolis no norte de São Paulo. Em Rio Novo Camamu, trabalhou em uma fazenda administrada pelo Sargento Cardoso, que pertencera a "volante", mas também empregava ex-cangaceiros. No sertão, cangaceiro era profissão. Zé Sereno trabalhou dois anos e meio na fazenda, nunca conseguiu receber o dinheiro do salário. Teve então a última aventura de violência de sua vida.

— Eu disse pros meninos: "guenta ai com os capangas do Sargento que eu vou falar com ele". Os meninos deitaram no chão, cada um com sua peixeira de uns 75 centímetros e ficaram cortando a grama, rindo do que estava acontecendo lá dentro. Eu cheguei pro sargento e falei: "Vai pagar e é hoje", ele respondeu que não tinha dinheiro. "Não quero saber" eu disse. Fiquei firme. ele teve de pagar mesmo. No dia .seguinte, eu já estava no meio da estrada. Sabia que vinha bala atrás. 

Um filho no mato 

Aos 45 anos Sila ainda é uma mulher bonita. Tipo sertanejo, concorreu em beleza com Maria Bonita e Dadá. Tem uma expressão meiga, a voz pausada, mansa. O olhar é triste. Sorri apenas quando olha para os filhos.

Suzi Ribeiro e Wilson Ribeiro filho dos cangaceiro Sila e Zé Sereno

— Não é bonito o Wilson?

Aos catorze anos, Sila teve o primeiro contato direto com os cangaceiros. Sabia costurar qualquer tipo de roupa, deparou um dia com dois homens que lhe pediram para coser algumas peças. Eram Zé Baiano e Zé Sereno com o qual passou a viver. Nunca atirou. mas não deixou o companheiro em suas andanças. A persiga — a perseguição das "volantes" — era implacável.

— Nós não tínhamos nem água nem comida quando a persiga era muita. Às vezes, viajávamos três dias sem parar, sem dormir, sem comer, sem sossego, num calor horrível, pelo mato da caatinga. Já imaginou ter um filho no mato? Foi o que aconteceu comigo  quando tinha quinze anos. Nós estávamos acampados perto do Canindé em Sergipe. Nasceu um menino, que levou o nome de João. Como eu não podia ficar com ele mandei levar pra família de Galdino Leite, cunhado do Tenente Literato. Os outros só nasceram quando deixei esta correria.

Sila ficou apenas dois anos no cangaço. O ofício que aprendeu em menina ajudou-a a se adaptar em São Paulo, onde sempre teve muito serviço, muita costura encomendada. Entre suas freguesas estava Dona Luisinha, tia de Hebe Camargo. Dona Luisinha sempre a procurava, tratava-a pelo nome de batismo, Hilda — Hilda Gomes de Souza. Sila trabalha como dama de companhia de uma senhora. Em breve, vai passar um mês na Europa com a patroa.

Toda a família de Sila sofreu por causa do cangaço.


— Quando saí de Poço Redondo, em Sergipe, as volantes começaram a perseguir meus pais. Daí para cá, nunca mais vi eles. Por minha causa era tanta a persiga naquela região  que meus irmãos resolveram entrar no bando de Lampião. Mergulhão, que morreu no cangaço; Novo Tempo, que vive em Montes Claros, Minas Gerais, e Marinheiro, que tinha apenas treze anos. Hoje estamos aqui, numa vida nova, vendo crescer nossos filhos e esperando netos.

Sila tem do cangaço uma memória amarga. Só morte, fuga, sacrifício.

— Vi coisas horríveis. Tinha uma arma pequena só pra me defender se fosse preciso, mas não houve necessidade, nem mesmo no cerco do Angico. Pra nós mulheres, nessa hora não dava pra enganar a volante e dizer que era amigo. A polícia não levava mulher. Se nos pegasse era um horror. Matava logo. Enedina morreu ao meu lado. Fugi com Criança e só depois encontrei Zé Sereno.

"É companheiro!"

Criança confessa que não foi fácil romper o cerco em Angico, com Sila e Marinheiro. 



— Nunca vi tanta volante na nossa frente. Era tiro pra tudo quanto é lado. Enedina caiu morta aos meus pés. A gente Saía correndo, ouvindo tiro e dando tiro. O que salvou é que as volantes usavam a mesma roupa que nós e isso confundia. Nós passávamos perto dos "macacos" como a gente chamava os soldados, e dizia fingindo que também, era da volante: "É companheiro!"

Criança, ou Vítor Rodrigues Lima, é muito calmo, os olhos se mexem devagar, a voz também é lenta, arrastada. É casado há 22 anos com Dona Ana Caetano Lima, filha de um ex-polícia na época da Coluna Prestes. Baiana de Barra. Ela é costureira profissional. O casal tem três filhos. Aduíse, já casada, Vicentina e Adenilson e agora adotou uma menina, Edna Márcia. Quando os dois se casaram, Dona Ana conhecia o passado de Criança:

— Sabia que tinha sido cangaceiro, mas isso não me assustou. Não tive tempo para saber tudo antes, porque nos conhecemos num dia e dezessete dias depois já estávamos na igreja.

Criança tem uma quitanda e casa própria. Gosta muito de São Paulo, onde o "homem que trabalha não morre de fome". Com Zé Sereno, Marinheiro e mais seis, trabalhou na fazenda Maralina dois anos e meio, foi para Martinópolis em 1942. Quatro anos depois, no dia de Natal, casou-se com Dona Ana. Foi cangaceiro como podia ter sido polícia.

— Eu nasci em Bonfim e estava em Jeremoabo onde a coisa estava danada lá pra 1930. Um dia a volante me pegou pra Cristo, queria que eu dissesse o que não sabia. Eles me ameaçaram e prometeram voltar. Antes que voltassem, entrei no bando de Mariano. Estava com dezessete anos incompleto. Depois de sua morte, fiquei com Zé Sereno. Conheci Lampião logo que entrei no cangaço. Antes tinha medo dele. Depois, vi que era um homem que não tinha nada daquilo que falavam. Falavam que o Capitão matava crianças. Era tudo mentira. Ele não gostava de matar ninguém a toa, matava só pra se defender. Naquele tempo, quem tivesse dezesseis, dezessete ou dezoito anos tinha de se alistar no cangaço ou na volante, ou então ficava à mercê dos dois.

Criança se habituou à ideia de que poderia ser morto de um tiro.

— Quando a gente está na luta, nem tem medo de nada. A gente até se esquece. A pólvora dá fogo à pessoa, que nem se lembra se vai morrer. Quando a morte está por perto, a gente tem que lutar pra não morrer. 

CONTINUA...

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