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quinta-feira, 31 de março de 2016

TUDO MUDA, TUDO É TRANSFORMAÇÃO

Por Rangel Alves da Costa*

Tudo muda, tudo é transformação. Nada possuiu no passado a feição de agora, nada se mostra ser como um dia de outra forma foi. É próprio do mundo e da vida o dom da mudança e da transformação. Passa-se de um estágio a outro, segue-se por caminhos novos, e assim num percurso que tanto pode degenerar como renovar, dependendo do sentido na vida que cada um deseje para si mesmo.

O fio d’água vai se alargando, correndo cada vez mais forte, transforma-se em rio. E este se torna pujante, caudaloso, imenso, mansamente caminhando seus caminhos, até desaguar no mar e desaparecer. A terra molhada se transforma em barro, que acariciado pelas mãos artesãs vai se transmudando em argila visguenta, e esta vai sendo cuidadosamente moldada para ganhar formas, uma feição totalmente diferente daquele primeiro momento de nascimento. E surgem os utensílios para alimentos, para sustentar a vida, demonstrando que esta jamais se aparta do barro primeiro, do sopro da origem.

Pensamentos e palavras vivem soltos, libertos, mas quando juntados produzem verdadeiras obras-primas. O homem tem a ideia, cata a palavra, escreve uma história bonita e depois entrega ao mundo como uma nova realidade. Tudo nascido do sopro da mente, do pensamento, da criatividade. E assim nascem as tramas, os personagens, os enredos tristes, os finais felizes. Nada diferente com o grão que jaz esquecido no fundo de uma cumbuca. Após um dia de chuva, o velho lavrador lança mão daquela semente e a espalha sobre a terra. Daí os brotos, os frutos, as raízes, a vida.

O jardim tão belo ao amanhecer, de repente vai definhando numa tristeza só. Há um tempo de chuva, há um tempo de sol, um tempo de flores e de folhas secas, frágeis, entristecidas, mortas. Está no outono a linha final do romance da natureza, com consequências profundas também no ser humano. Não há sorriso que se faça na face ante as cores ocres, acinzentadas e melancólicas da natureza em transformação. É como se após o sorriso ilusório viesse uma realidade muito mais contundente da vida. Então chega o instante da aflição, da saudade, da nostalgia, de uma nuvem que vai se formando dentro da alma até irromper nos olhos e fazer chorar. Para o contentamento retornar ao ser.


Assim acontece porque tudo muda, porque tudo é transformação. O ser humano é exemplo maior do verso, reverso e anverso. Os retratos não mentem, as velhas fotografias comprovam as várias vidas no percurso de uma só existência. O menino é apenas parecido com o jovem, este traz consigo apenas alguns traços do adulto, ainda que a essência permaneça a mesma em contínuo aprimoramento. Mas os anos, as experiências, as alegrias e as tristezas, é que verdadeiramente refletem as realidades transformadas pelo espelho chamado tempo.

E como tudo muda. Reconheço que hoje vivo no Livro do Eclesiastes: um tempo de sorrir e um tempo de chorar, um tempo de alegria e outro de tristeza. Mas principalmente reconhecendo que vaidade das vaidades, tudo é vaidade. Ontem eu era outro, e hoje sou diferente. Em noites e dias assim, apenas sair, e agora permanecer. Em noites e tardes assim, apenas beber, e agora somente escrever. O que parece não ter mudado foi minha solidão. Só que agora maior. Imensa como lua cheia no negrume da noite.

Sou filho do tempo, da estação, com primaveras e outonos. Pelo medo da ausência de jardins, então aprendi a cultivar flores de plástico, artificiais. Mas não posso fazer o mesmo com os outonos da solidão. Por isso que colho cada folha morta que passa esvoaçando sobre minha janela e depois escolho uma página de livro para repousá-la. Mas em toda página a mesma escrita:

“Dizem que das cinzas da folha morta não renasce uma primavera nem vingará outro triste outono. Mas não acredito que seja assim. Se a folha for esquecida, o outono terá retornado. Mas se a página for sempre folheada, então uma flor na folha será avistada”.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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