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sexta-feira, 20 de maio de 2016

MEMÓRIAS do ALTO de JOÃO PAULO (e a CANGACEIRA ADÍLIA)

Por Rangel Alves da Costa ...(crônica)

O Alto de João Paulo é uma das comunidades mais antigas de Poço Redondo. Localizado a cerca de um quilômetro após o Riacho Jacaré, com acesso por chão batido e com dificuldades de chegada quando o riachinho bota cheia. Sempre serviu de passagem daqueles que saíam da sede municipal em direção às outrora grandes propriedades, a exemplo do Morro Vermelho e Riacho Largo.

Mas outros tantos ali decidiram fincar moradia, não só pela localização privilegiada, pois num terreno elevado, como pela facilidade de criação de pequenos rebanhos e a proximidade da mata de muita caça e algum fruto. Os quintais, compridos, imensos, se misturavam aos roçados e a mataria. Em determinadas estações, o clima refrescante também se mostrava como um convite à permanência.

A comunidade do Alto nasceu quase como um núcleo familiar, vez que a maioria dos antigos moradores possuía parentesco comum. Durante muito tempo a povoação manteve a feição de sertão empobrecido, com casas rústicas, levantadas no cipó e barro, tendo o sombreado das grandes árvores como os locais de proseados dos sertanejos depois da luta do dia.

Nos arredores, as moradias das raízes dos Braz, dos Maximino, dos Mulatinho, dos Sarmento, e tantos outros. Famílias com muitos filhos, criados fortes no alimento da caça e da farinha seca, do feijão de corda e da carne de bode. Todos hábeis no trabalho da terra, da foice, da enxada, da vaqueirama, do trabalho em couro, no fole soprando a brasa para amolecer o ferro do chocalho. Ali no Alto a arte de Galego, o ofício de moldar o ferro até o chocalho tilintar bonito no pescoço da rês.

Só na família de Paulo Braz São Mateus vieram ao lume sertanejo uma filharada de perder a conta. João Paulo, Abdias, Humberto e os ex-cangaceiros Novo Tempo (Du), Mergulhão (Gumercindo), Marinheiro (Antônio) e da famosa Sila (Ilda Ribeiro de Souza), e certamente outros filhos e filhas. Não era diferente com outros troncos familiares, pois até hoje as extensas linhagens estão presentes em muitos sobrenomes da cidade.

Vida difícil, de dura sobrevivência, mas leve e remansosa o suficiente à felicidade. Ora, o povo do Alto sempre foi um povo alegre, festeiro, feliz, acolhedor. Um de seus moradores mais famosos e que acabou tendo seu nome acrescido ao nome do lugar, João Paulo, sempre parecia tomado de prazer incontido no reencontro de amigos e conhecidos. Alto, esbelto, de chapéu de couro sempre à cabeça, já despontava com uma boa palavra à boca.

João Paulo, pelo seu jeito humano e afetuoso, aos poucos foi se transformando em verdadeiro símbolo da comunidade, ainda que na povoação residisse, até 2002 (ano do seu falecimento, aos 82 anos), um símbolo vivo da história nordestina: Maria Adília de Jesus, a ex-cangaceira Adília, companheira de Zé Sereno até sua morte, pouco tempo depois do fogo de Angico em 1938.

Enquanto João Paulo e tantos outros se compraziam em brincar e bebericar aguardente com raiz de pau, de pular o riacho e ir à cidade, Adília gostava de viver recolhida na sua humilde moradia familiar, casinha de taipa, onde trouxe ao mundo os oito filhos do seu casamento após a morte de Canário e o fim do cangaço. Somente depois conseguiu levantar no tijolo outra moradia, quase ao lado da antiga. Ainda hoje se avista a casa de Adília, recentemente pintada de verde.

A cangaceira Adília

Somente a muito custo, Alcino Alves Costa, importante liderança política de Poço Redondo e pesquisador da história do cangaço, conseguia trazê-la até a cidade, onde se mantinha em proseado com Dona Peta e sendo considerada como da própria família. Mas ao entardecer retornava à sua cadeira de balanço na sua povoação e às suas memórias veladas em silêncio.

Atualmente o Alto de João Paulo vem sendo muito transformado nos seus arredores. O antigo núcleo habitacional continua o mesmo, diferenciando apenas na maioria das casas de barro que deu lugar a novas moradias, coloridas e vistosas. O grande diferencial está mesmo nas grandes construções que avançam estrada acima, até beirar ao centro da povoação. São residências potentadas, grandiosas demais para um local que continua sem asfalto, sem esgoto, sem a mínima infraestrutura.

E chegará o tempo, infelizmente, que o Alto será engolido pelo progresso. E ficará somente a história. E o nome e os sobrenomes gestados e que ainda permanecerão em muitas raízes.

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