Por Maria Stela Torres Barros Lameiras
Do sertão ao
rio: De Água Branca até Penedo (uma travessia
sem ponte) Penedo;
foto:Ricardo Junior
Ainda bem
criança, antes mesmo que a dita “idade da razão” viesse atormentar meus
sentimentos, vivia, via e ouvia as coisas acontecerem sem grandes preocupações:
era a vida no curso de seu leito, no qual corríamos felizes pra lá e pra cá.
Água Branca era nosso pequeno paraíso aqui na terra.
Mas chegou um
tempo em que fomos surpreendidos por uma mudança repentina: Teríamos de deixar
nosso Sertão (ainda que ele nunca tenha nos deixado órfãos dele). Íamos nos
afastar do Velho Chico, a menos de dez léguas (será que estou certa? Uma légua
tem uns seis Km?) de nossa pequena cidade, mas uma proximidade que a vista
alcançava do alto dos quase 600 metros acima do nível do mar, o que exercia um
fascínio para o sertanejo “habituado” à terra seca. Nosso destino era Penedo: o
Velho Chico continuaria conosco, lá, na encantadora Princesa do São
Francisco.
As razões dessa mudança “não vêm mais ao caso”... Mas foram essas “razões”(irracionais) que nos “arrancaram” de nosso torrão natal. Não entendíamos nada. Era coisa de adulto: complicado demais para crianças... Só sabíamos que deixaríamos para trás pessoas muito queridas e aquele cheiro de terra e de frutas que impregnava nossa vida cotidiana - as pitangas e as uvas do belo parreiral sairiam da realidade para o sonho. Não veríamos mais as serras, não sentiríamos mais o cheiro da cana melada... Ainda bem que as férias nos trouxeram de volta esses pequenos grandes prazeres de uma vida - e como esperávamos por elas!
As razões dessa mudança “não vêm mais ao caso”... Mas foram essas “razões”(irracionais) que nos “arrancaram” de nosso torrão natal. Não entendíamos nada. Era coisa de adulto: complicado demais para crianças... Só sabíamos que deixaríamos para trás pessoas muito queridas e aquele cheiro de terra e de frutas que impregnava nossa vida cotidiana - as pitangas e as uvas do belo parreiral sairiam da realidade para o sonho. Não veríamos mais as serras, não sentiríamos mais o cheiro da cana melada... Ainda bem que as férias nos trouxeram de volta esses pequenos grandes prazeres de uma vida - e como esperávamos por elas!
Assim,
começamos a abrir e fechar muitos parênteses em nossas vidas. Mais que isso:
abrimo-nos para novos horizontes, novas paisagens, novos cheiros, outros
afetos. Nosso entorno foi se tornando menos estrangeiro... Penedo passou mesmo
a ser, como diz o verso da canção:
TERRA DE QUEM QUER BEM.
Ali, havia
aquele “jasmineiro [sempre] em flor”, tal qual o que via Cecília Meireles
quando abria sua janela na prosa poética... Em nosso caso, não era uma janela:
eram duas grades, um corredor, muitos abraços e um cheiro de coisa boa para
alimentar a gulodice infantil e um vazio de “um não sei o quê” que trazíamos no
peito. Percorrido o corredor, chegávamos a uma sala aconchegante. Olhávamos
para a “sacada” e sentíamos aquele cheiro de jasmim, vindo das pequenas flores
que, ao menor toque, “despetalavam-se”, de tão delicadas que eram. Mas tudo
isso era só um cenário.
Bom mesmo eram
as personagens daquele encontro em Penedo, longe de nosso Sertão, com uma outra
parte de nossa história, a família de nossa avó materna, Stella Fernandes
Lemos: Olga – já bem no ocaso da vida, e que nos deixou uma rápida e doce
lembrança em um pequeno apelido afetuoso, UÓ, e Edila, nossa Mãe Dila). Não
chegamos a conhecer nossa avó; partira bem antes de nossa chegada. Sabíamos, de
“ouvir dizer”, que era uma mulher terna, educada, caridosa – e essa fama lhe
rendeu um belo cordel de autoria de uma pessoa que dizia não ter “alisado
banca” e, por isso, se desculpava pela simplicidade de seus versos – descobri-o
anos depois e guardo-o com muito carinho.
Maria Stela
Torres Barros Lameiras no Cariri Cangaço em Água Branca
O que ouvíamos
com frequência era que ela era a esposa do filho do Barão de Água Branca – um
apagamento de identidade que ainda existe em muitos casos, como bem disse minha
querida prima Lidinha, Maria Lídia Torres Bernardes, cheia de curiosidade como
eu, diante desses vácuos identitários, sobretudo em relação às mulheres daquela
época (e nem só daquela época...).
Cada vez que
vou a Penedo, é grande a emoção de olhar para o Colégio Imaculada Conceição,
cujo aprendizado das letras e da vida deu continuidade ao saudoso Gabino
Besouro, onde minha mãe era professora. E ali, logo em frente ao colégio, na
Praça Jácome Calheiros, ainda está aquela casa que não mudou muito fisicamente,
mas onde não temos mais os abraços de Mãe Dila, de Lourdes e de Edith, o que nos
trazia a sensação gostosa de que ali nós não éramos estrangeiros – aquele solo
não era apátrido: era um solo quase em forma de coração, um chão que passou a
ser o nosso novo torrão.
Imagem da
linda Matriz de Nossa Senhora da Conceição em Água Branca
A vida seguiu
seu curso. Surgiram novos capítulos, a começar com os irmãos penedenses, que
vieram, nos cinco anos seguintes... vieram também outras histórias, e um vai e
vem que nos levava de uma paisagem para outra, fazendo-nos transitar em mundos
que se somavam e que faziam morada em nossos corações.
Ao longo da
vida, muitos mundos vão se sobrepondo e nós vamos nos damos conta de que a
melhor geografia não é a física nem a política: é a geografia humana, mais
especificamente, a do coração, essa que não precisa de mapa, nem marca
distâncias, nem mesmo precisa de ponte para irmos do SERTÃO AO RIO, pois ambos
vivem em nós: Água Branca e Penedo são palcos e coxias de nossa história.
Maria Stela Torres Barros Lameiras
Maceió - AL
http://cariricangaco.blogspot.com.br/2016/08/do-sertao-ao-rio-pormaria-stela-torres.html
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