*Rangel Alves da Costa
Outro dia, num pequeno texto,
expressei a seguinte reflexão: O silêncio deveria ser a voz humana! Mas agora
me pergunto o que seria do ser humano sem a palavra, sem o poder verbal de
expressão, sem a oralidade na comunicação.
Contudo, no instante seguinte eu
já havia obtido uma resposta aceitável para tal indagação. Numa síntese, seria
o seguinte: Bastaria o olhar como palavra! Então me surgiu outro
questionamento: Como conseguiria o olhar expressar tudo aquilo que é tão
próprio da palavra.
Então, ante verdadeiros
questionamentos filosóficos, subi à montanha do pensamento e, lá no cume,
igualmente O Pensador de Rodin, fui longamente meditando até chegar às
seguintes conclusões:
Palavra e olhar são formas de
expressão que se aproximam, mas, muito mais, se distanciam. A palavra
presencialmente falada possui um alcance menor. Mesmo num grito, o seu alcance
não vai além do que ecoa. E já distorcida da sua força real de expressão.
O olhar, mesmo face a face com o
interlocutor, possui uma profundidade indescritível. Não é a mera visão
adiante, mas o além que alcança, adentrando na alma e obtendo respostas que
ninguém imaginaria possíveis sem palavras.
Ademais, o olhar, sempre além do
eco longínquo do que resta do eco, alcança distâncias, rompe horizontes, vai
aos espaços, obtendo respostas a cada instante, incessantemente, e de modo
visível ou imaginado, e não apenas pela frieza do dito.
Enquanto a palavra diz, o olhar
testemunha. A palavra pode mentir, omitir, distorcer, criar versões para o
mesmo fato presenciado, mas o olhar a isto não se presta.
O olhar, em verdade, é muito mais
verdadeiro que o dono dos olhos. O avistado nunca chega como mentira. Pode
haver uma distorção da realidade, quando se imagina enxergar uma coisa quando
se está diante de outra, mas não porque assim deseja. Já a palavra, dependendo
daquele que a pronuncia, pode distorcer a realidade do fato acontecido no mesmo
instante.
Aliás, uma das maiores mentiras
do ser humano, e tão próprias das palavras, consiste na expressão “eu não vi
nada” ou “eu não vi nada demais”. Ora, viu sim. E viu tudo. Se estava presente
no acontecido, então não há como dizer que viu pela metade ou nada viu. Quando
a palavra delimita o que foi enxergado, nada mais faz que uma escolha de
situações que lhe sejam convenientes.
E tem gente até que vê demais
perante fatos presenciados. A mentira nasce assim, a partir da criação de fatos
e situações inexistentes. A pessoa encontra um gato e mais adiante repassa a
outro que se deparou com um tigre. O outro diz mais adiante que a cidade está
sendo invadida por perigosos animais da floresta. E num instante alguém já foi
mordido, engolido, e por aí vai.
Mas o olhar não mentiu igual
àquela primeira pessoa. O olhar é sincero, sempre sincero, mesmo que aviste com
malícia. A forma vista é a realidade abstraída pelos olhos, enquanto a malícia
é o real avistado, porém depurado segundo as intenções do pensamento. E o
pensamento nem sempre reflete o visível na sua exatidão.
De qualquer modo, mesmo que as
palavras se esmerem para conceituar e definir fatos e situações, coisas e
objetos, nem de longe conseguem expressar as realidades sintetizadas pelo
olhar. A palavra geralmente define segundo a aparência. Pouco se preocupa com
as verdades intrínsecas.
Quem ou o que, além do sensível
olhar, sabe definir o que seja uma lua cheia, pássaros em revoada, horizontes
ao entardecer, borboletas esvoaçando ao redor da janela, a planta que brota sua
primeira flor, a chuva caindo sobre a vidraça embaçada?
Quem ou o que, além do sincero
olhar, sabe reconhecer e definir um lenço acenando em despedida, uma cruz sendo
cravada na terra, um luto dolorido ou uma lágrima de saudade? Ou quem, melhor
que o compreensivo olhar, conhece a percepção de uma face perante o reencontro
de um velho amigo?
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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