*Rangel Alves
da Costa
Viver está
difícil, complicado, angustiante, até perigoso demais. Mas a vida, que é
diferente do viver, do existir, não afasta do ser a boa esperança. Acaso saiba
procurar e encontrar, não será difícil que a pessoa se tenha diante de boas
razões para à vida agradecer.
Penso em
coisas tais enquanto coloco água na chaleira para um cafezinho. Gosto de tomar
café, e não apenas ao amanhecer ou anoitecer, mas assim que posso me deliciar
com o seu gosto forte, o seu perfume, o seu despertar. Café negro, sem açúcar,
oloroso, quase batido em pilão.
Com a xícara à
mão, o lado de fora da casa me chama. Já depois da noite descida com lua e
flor, a ventania sopra leve perante a paisagem. E que bela paisagem. Uma
casinha no meio do mato, perto da beira da estrada, sem luz elétrica, apenas
com candeeiro, silêncio e paz.
Ainda existem
moradas assim. Pelos sertões adentro ainda existem moradas assim, rústicas,
singelas, nas vizinhanças apenas dos bichos do mato, da mataria e do restante
da natureza. De vez em quando, assim que posso, é num desses lugares que passo
meus finais de semana.
Um fogão de
lenha, um bote de barro, uma moringa, uma rede, um modo simples de viver. Um
quintal que se mistura ao mundo e um mundo que parece ser somente aquele
existente ao redor. O sol brilhoso e causticante pelo dia, mas a lua mais bela
que possa existir assim que a noite chega.
Quando a noite
chega e a escuridão se espalha pelo rasteiro das paisagens, logo um lumiar de
riba e que vai descendo para a tudo envolver. Parece uma lua maior, mais
bonita, mais cheia, mais dourada, mais resplandecente, mais atraente. Assim é a
lua sertaneja, aquela mesma imortalizada pelo poeta e seu luar do sertão.
De xícara à
mão, sorvendo aos poucos o café ainda quentinho, não preciso de palavras ou de
outros, apenas olhar para o alto e mirar aquela fogueira de encantamento. Não é
apenas uma luz que desce para tudo dourar, mas um manto que se derrama sobre o
olhar nublado pelas feiuras do mundo. E tudo se desfaz pelo fogo e pela força
do brilho.
Lua bela que
faz o restinho do café esfriar. Perante sua luz, perante sua estranha magia e
encantamento, tudo se transforma num quase nada. O que há sobre a vida e a
sobre a terra, pelos seus limites sem tempo de paz, pelos seus quadrantes sem o
luzir do amor, que possa sem comparado a um só instante perante sua presença?
Os grilos
cricrilam nos ocos dos paus, um pássaro da noite procura o seu ninho, uma
folhagem seca passa na boca do vento, as folhagens murmurejam, a natureza
parece sussurrar nas suas entranhas, mas nada é tão percebido quanto a presença
da lua. Também os olhos não procuram outra direção.
Lentamente vou
caminhando de canto a outro enquanto medito sobre coisas inimagináveis. E penso
na razão do amor do louco pela lua, e imagino quantas transformações na alma
quando na lua cheia, e reflito sobre as águas que se afligem e se ondulam
quando a luz do luar recai sobre si em noites astrais.
A razão do
mistério, da magia e do encantamento, está acima de mim, dentro e por todo
arredor. A luz, a luz, a luz do luar. A lua, a lua, a lua tão cheia que parece
que vai cair diante de mim. E cai.
Os olhos
acompanham sua descida, sua queda, sua vertigem. Abro os braços para segurá-la
antes que se derrame inteira no chão. Mas não precisa. Ela desce e se espalha
sem sair do lugar, sem tocar o chão, sem modificar o seu brilho. Mas está
diante de mim ainda maior.
E abraço e
beijo a face da lua. Meus olhos testemunham que abraço e beijo a face da lua. E
assim iluminado deito na rede com a certeza de uma vida ainda tão bela.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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