Por Domingos Ailton
Há exatos 100
anos, dia 25 de outubro de 1916, coincidentemente data do aniversário de
Emancipação Política de Jequié, o Jornal "A TARDE" trazia como manchete JEQUIÉ,
Cauassus, Marcionilio e Zezinho dos Laços.
Na extrema esquerda está Zezinho dos Laços e na extrema direita, Lucas Nogueira. Entre eles, a família Nogueira. Foto tirada em 1909. - https://www.charlesmeira.com.br/2015/08/o-drama-da-familia-cauacu-e-sua.html
A empreitada dos crimes. Narrativa
de uma Cauassu ao nosso repórter, com uma foto da cangaceira Anésia Cauaçu ao
lado de uma criança. Na primeira página e nas páginas internas do jornal,
Anésia narra a trajetória da família Cauaçu, cuja grafia da época se escrevia
Cauassu, dando conta de que seus familiares eram simples agricultores e
comerciantes, e que se tornaram cangaceiros por conta de uma vingança.
Anésia Cauaçu
Em Ituaçu, antigo Brejo Grande, na Chapada Diamantina, duas famílias disputavam
o poder local: os Silvas, chamados de "rabudos", e os Gondins,
denominados de "mocós”. O major Zezinho dos Laços (um dos líderes dos
“rabudos”) exige que Augusto Cauaçu acompanhe seu grupo de jagunços em uma
emboscada contra a família Gondim. Por conta da recusa de Augusto, este é
assassinado a mando de Zezinho dos Laços. Então, a família Cauaçu se reúne e
resolve vingar a morte, assassinando Zezinho dos Laços seis anos depois em uma
tocaia na Fazenda Rochedo.
Chefes dos “rabudos”, a exemplo do coronel Marcionílio
de Souza e de Casseano do Areão passam a perseguir e matar membros da família
Cauaçu e de seus aliados, comandados por Anésia e seu irmão José Cauaçu.
Pressionado pelos coronéis, o então governador da Bahia, Antônio Muniz,
denomina o movimento armado dos Cauaçus de "conflagração sertaneja” e
envia para Jequié mais de 240 soldados em três expedições da polícia militar da
Bahia, com participação inclusive de oficiais que combateram na Guerra de
Canudos, a exemplo do tenente-coronel Paulo Bispo. Ocorre então a Guerra do
Sertão de Jequié, conflito envolvendo os cangaceiros Cauaçus, policiais
militares e jagunços dos coronéis. A força policial pratica uma série de atos
violentos não só contra os cangaceiros, mas também contra a população inocente
de Jequié e região.
O alferes Francisco Gomes – Pisa Macio obriga um homem a
comer lama no povoado do Baixão, crucifica outro nas margens do Rio das Contas
e lança crianças para o ar, que são amparadas com a ponta das baionetas e levava
suspeitos para um pequeno morro no Curral Novo onde eram sangrados com
requintes de perversidade. O local ficou conhecido como Morrinho da Matança.
O genocídio é denunciado pelo Jornal "A TARDE", que envia um repórter para fazer a cobertura das expedições policiais em Jequié e na ocasião entrevista Anésia Cauaçu, dando destaque a sua narrativa a respeito da história do bando e do histórico conflito daquele ano de 1916.
Anésia Cauaçu foi uma mulher que esteve à frente do seu tempo. Foi a primeira mulher nordestina a ingressar no cangaço, uma vez que em 1911, ano do nascimento de Maria Bonita, Anésia já lidera um bando de mais de 100 bandoleiros. Ela também foi a primeira no sertão de Jequié a praticar montaria de frente, já que as mulheres de sua época montavam de lado em uma sela denominada silhão, e a pioneira das terras jequieenses a vestir calças compridas (as mulheres do período em ela viveu apenas usavam vestidos e saias), para facilitar o combate em cima do cavalo.
O historiador Emerson Pinto de
Araújo, que registou a história da cangaceira assim a descreve: “era uma mulher
branca, de olhos azuis, bons dentes, alta e delgada, que tomava suas pingas,
sem que ninguém ousasse faltar-lhe com respeito.
Numa época em que não existiam
academias de defesa pessoal, ela tinha ginga de corpo, conhecia- ninguém sabe
com quem aprendeu - os ´rabos-de-arraia da capoeira, batendo forte nas fuças de
muitos valentões que tentavam avançar o sinal. Manejando armas de fogo com uma
pontaria invejável, jogava pra escanteio os melhores atiradores. Certa feita, bafejada
pelo acaso, numa distância de trezentos metros, cortou o dedo do sargento
Etelvino, quando este indicava aos seus comandados a direção em que deveria
atacar”.
Com base na memória coletiva de tradição oral, em documentos escritos
e no meu imaginário, escrevi um romance histórico que tem como protagonista
Anésia Cauaçu. Inspirado neste texto ficcional, o poeta e cordelista José
Walter Pires produziu um livro de cordel e o compositor e cantor Jonas Carvalho
compôs uma música sobre a saga de Anésia Cauaçu. Diversos estudos acadêmicos
foram e estão sendo desenvolvidos sobre essa guerreira do sertão de Jequié. A
entrevista publicada em 25 de outubro de 1916 e as matérias publicadas pelo
Jornal A TARDE há 100 anos sobre os conflitos na região de Jequié constituem
relevantes documentos da história do coronelismo e do cangaço na Bahia.
http://www.juniormascote.com.br/noticias/100-anos-da-entrevista-da-cangaceira-an-sia-caua-u-ao-jornal-a-tarde/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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