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segunda-feira, 3 de outubro de 2016

AMO O CORDEL


Boa tarde! Amo o Cordel e hoje me deparei com o texto que o trás, como fonte de pesquisa. Achei interessante e estou postando para vocês como um caminho, também, para entender o Cangaço! Umburana de Cheiro.

Cordel e cangaço (Pernambucano de Mello): O CORDEL COMO FONTE DE PESQUISA. 
É comum se encontrar textos dizendo que o cordel desenvolveu-se no Nordeste Brasileiro como veículo condutor de notícias, informações, as quais eram passadas em sessões informais de leitura dos folhetos ou nos encontros de violeiros.

Outro dia, vi até na revista “BRASIL: almanaque de cultura popular”, que é distribuída nos vôos da TAM, uma matéria assinada por Mariana Albanese, na qual autora referia-se ao cordel como “uma literatura popular, com características genuinamente brasileiras”, e prosseguia: "Meio de comunicação de massa, o 'jornal do sertão' faz a crônica de sua época e ainda hoje se destaca em feiras e mercados de cidades como Juazeiro do Norte, Recife e Campina Grande".(Nº 89, agosto de 2006).

Hoje, porém, quero destacar o cordel, não apenas como meio de comunicação, mas como fonte de pesquisa histórica e sociológica.
Terminei de ler o livro “GUERREIROS DO SOL: violência e banditismo no Nordeste do Brasil”, de Frederico Pernambucano de Mello, e chamou-me a atenção o quanto o cordel é utilizado pelo autor no desenvolvimento do seu trabalho, aliás, um belo trabalho. Cada capítulo tem como epígrafe uma estrofe do tipo:

Rio Preto foi quem disse
E, como disse, não nega,
Leva faca, leva chumbo,
Morre solto e não se entrega.

(verso de pabulagem bradado em combate pelo famoso cangaceiro da segunda metade do século XIX, cf. Luís da Câmara Cascudo, Flor de romances trágicos, 1966.

Como ninguém ignora
Na minha pátria natal
Ser cangaceiro é coisa
Mais comum e natural;
Por isso herdei de meu pai
Esse costume brutal...

(Francisco das Chagas Batista, A história de Antonio Silvino, s.d.).

Mas a obra não se limita a usar a poesia popular nas epígrafes. Um exemplo bom disso encontrei nas páginas 65 a 67, nas quais a obra trata da figura do valentão, homem que não era tido como fora da lei, mas que, segundo o autor, “enganchava a granadeira e, viajando léguas e mais léguas, ia desafrontar um amigo, parente ou mesmo um estranho que tivesse sofrido algum constrangimento ou humilhação”.

Para dar uma idéia do sentimento do povo sertanejo em relação aos valentões Frederico Pernambucano De Mello lança mão dos versos do poeta Manuel Clementino Leite, antigo versejador do sertão paraibano, do século XIX. O trecho do livro é o seguinte:

Clementino aponta a origem histórica do valentão através de uma ilustre ascendência bíblica; estrema-a do cangaceiro, a seu ver, uma figura moralmente menor; sustenta que a probidade não se mostrava nele incompatível com a vida de questões; caindo finalmente num justificável casuísmo, em que aponta os grandes do seu tempo e, por certo, da sua admiração de sertanejo e de poeta:

Desde o princípio do mundo
Que há homem valentão
Um Golias, um Davi,
Carlos Magno, um Roldão
Um Oliveira, um Joab,
Um Josué, um Sansão.

Eu não chamo valentão
A cangaceiro vagabundo
Que quer ser um Deus na terra
Um primeiro sem segundo
Que vive a cometer crimes
E ofender todo mundo.

Tenho visto valentão
Ter sossego e viver quieto
Morando dentro da rua
Comprando e pagando reto
Trabalhar, juntar fazenda
Deixar herança pr’os neto.

Só se esconde o valentão
Que vive com o pé na lama
José Antonio do Fechado
Morreu em cima da cama
Brigou, matou muita gente,
Morreu mas ficou a fama.

Eu três homens valentões
No Pajeí conheci:
Quidute, Joaquim Ferreira,
E José Félix Mari
Mora dentro de Afogados
Tem grande negócio ali.

Mais adiante, nas páginas 178 a 180, o autor, já dissertando sobre os cangaceiros, fala do grupo dos Guabiraba, e mais uma vez busca apoio na poesia popular:

Ainda no meado do século [XIX], passaram a atuar os Guabiraba, sob a chefia dos irmãos Cirino, Jovino e joão, e do cuhado destes, Manuel Rodrigues. “Naturais da vila de Afogados da Ingazeira, ao pé da serra da Baixa Verde, no sertão pernambucano, fizeram-se bandidos nas escolas do Pajeú de Flores, onde praticaram tantos crimes que foram obrigados a fugir para Teixeira, na Paraíba”, eis o retrato que nos fornece Gustavo Barroso [...]. Em sua faina de poeta a seu modo historiador, Leandro Gomes de Barros pinta o gupo de Cirino com traços bem carregados;

Os Guabiraba eram um grupo
De três irmãos e um cunhado,
Todos assassinos por índole,
Cada qual o mais malvado
Aquele sertão inculto
Tinha essas feras criado.

A audácia do bando transparece clara nestes versos, pedaços de um antigo ABC de autor tão inculto quanto inteligente, com que se obtém uma reconstituição bem mais precisa da situação descrita, particularmente do clima épico em que se feriam as disputas que envolviam cangaceiros:

Agora estou me lembrando
Do tempo dos Guabiraba...
O capitão Zé Augusto
Cercou a serra e as aba,
Encontrou os cangaceiros
Quase Fagunde se acaba!

Cercou a serra e as aba
Com trinta soldado junto,
Falou para os cangaceiros:
São pouco! Apareça muito!
Tomou a boca da furna
Trouxe carga de defunto.

Deram fogo duas horas,
Bala na serra zoando,
Com a distância de três léguas
Todo o povo apreciando
E o povo todo dizendo:
Fagunde tá se acabando!

Enéas foi dos primeiro
Como o mais influído...
O capitão disse a ele:
Cabra, não seja atrevido,
Receba beijo de bala
No mole do pé do ouvido!

Foi um beijo envenenado
Como besouro estrangeiro
A bala beijou na fonte
Já se viu tiro certeiro
E isso serviu de exemplo
Pro resto dos cangaceiro...

Guerreava o capitão
Com dezoito cangaceiro!
Passando bala por bala,
Como troco de dinheiro,
Matou dois, baleou três,
O resto depois correro...

Homes bem afazendado
Viu toda sua riqueza
Descer de águas abaixo,
Contra a sua natureza,
Por causa do cangaceiro
Foi reduzido à pobreza.

Mandou o chefe da turba
Retirar os baleado,
Que o sague regava o chão
Como em matança de gado
E disse, devagarinho:
Os macaco tão danado!

Nada se pode fazer!
Guardemos para o futuro...
A noite está que nem breu,
Ninguém enxerga no escuro,
Pode ser que em outro “baile”
A gente atire seguro.

É isso. Dá gosto ver o cordel registrando os fatos, comentando os movimentos políticos, descrevendo os fatos pitorescos da nossa história. Parabéns a Frederico Pernambucano de Mello, que soube ir buscar nessa fonte matéria prima para o seu trabalho.

E o melhor é que, basta ir a uma feira de muitas cidades do Nordeste, para ver que o cordel continua lá fazendo esse mesmo trabalho, e com temas atuais. Na Internet também tem aparecido muita coisa. Mundo Cordel é um espaço que está sempre à disposição para colaborar.

https://www.facebook.com/groups/ocangaco/permalink/1326834053996376/

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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