*Rangel Alves
da Costa
Quando viajo
ao sertão, a minha estadia é dividida entre caminhadas pelas estradas ao redor,
visitas aos conterrâneos mais antigos e proseados de calçadas ou debaixo de pés
de pau. Gosto de ouvir causos e relembranças de outros idos, relatos quem mexem
com a imaginação e narrativas até difíceis de acreditar. Mas tudo verdade num
sertão de tantos fascínios, segredos e mistérios.
Mas não é todo
mundo que sabe contar um causo que verdadeiramente desperte atenção. Tem gente
que além da boa memória, muito do que diz foi vivenciado por ele próprio. E é
tal conhecimento dos fatos, detalhando em minúcias os acontecidos, que tornam
as narrativas em preciosidades. Um destes exímios contadores de histórias
chama-se Bastião, como assim é por todos conhecido.
Pois bem,
mesmo não estando ainda envelhecido, Bastião traz consigo um verdadeiro livro
de histórias ribeirinhas, sertanejas e de todos os tipos, eis que conhecedor de
perto de todas as situações relatadas. E conta o que vivenciou como caçador das
matarias matutas, como pescador de um tempo de Velho Chico de outras águas,
como morador do mato e de pequenas povoações, como sertanejo que já revirou o
seu mundo no dia a dia da sobrevivência.
Assim, munido
de experiência e como que levando em cada palavra a tarrafa, o barco, a
espingarda, o aió e todo um aparato de mato e rio, diz Bastião da saudade do
São Francisco de água farta para pescaria e dos peixes grandes que ali
habitavam, principalmente o surubim e a tubarana. E pelas mesas e feiras os
pescados em profusão e a vida ribeirinha bem mais fácil de ser vivida. Tudo ali
buscado no rio caudaloso e lar de grandes canoas e barcos de pescarias, muito
diferente da magreza das águas de agora.
Relata Bastião
que não só um rio de bonança, mas também de histórias tão belas como
inexplicáveis. As presenças estranhas nas águas, os repentinos saltos nas águas
que mais pareciam gente pulando ao redor. Ele mesmo pescando mais um amigo e de
repente o barco como que travar e eles sentirem que está sendo puxado por uma
força desconhecida. E puxado com uma força tal que não adiantava remar com mais
força. Não adiantava. Mas de repente o barco ser largado para prosseguir.
Causos dando
conta de fogo-corredor margeando o rio e o pescador. Um facho luminoso que ora
se expandia ou diminuía, que mudava de lugar repentinamente. E nas águas os
barulhos estranhos, os sons de redes sendo lançadas sem que houvesse qualquer
outro pescador ao redor. O pescador que por duas ou três vezes lançou sua
tarrafa e no mesmo instante ou tarrafa foi arremessada por cima. Só que não
havia mais ninguém por ali. Em situações assim não adianta pescar, pois as
forças sobrenaturais irão sempre impedir qualquer proveito na pescaria.
Coisas
estranhas que acontecem no Velho Chico e em qualquer rio, como o pescador de
repente se sentir completamente perdido, desnorteado em cima de seu barco, fato
que acontece mais ao amanhecer. Por quê? Não há uma explicação humana e
compreensível para os mistérios das águas. Há certeza que nelas moram seres
encantados e que geralmente agem para intimidar pescadores, forasteiros e todo
aquele que não souber respeitar aqueles leitos e suas profundezas.
Sobre os
famosos negos-d’água que habitam nas profundezas, que repentinamente surgem nas
beiradas ou mesmo dentro dos barcos e que se lançam das pedras grandes toda vez
que há uma aproximação humana, Bastão diz que nunca chegou a avistar seres
assim. Mas que diversas vezes ouviu “batins” estrondosos, de coisas que se
lançavam estrondosamente nas águas, e que bem podiam ser cágados ou outros
animais que igualmente se jogam nas águas quando estranhos se aproximam. Mas
não duvidava que aquela força estranha que impedia seu barco de seguir bem
poderia ser um nego-d’água. Ou qualquer outro mistério ainda maior.
E mistérios
não faltam nas histórias de Bastião, conforme continuarão sendo relatados no
próximo escrito.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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