*Rangel Alves
da Costa
Hoje a pessoa
sobe num carro e em quinze minutos está em Curralinho. Sobe num carro em
Aracaju e em duas horas e meia está em Poço Redondo. De Canindé a Poço Redondo
ninguém sequer percebe o tempo passar, e segue quase por uma imensa avenida com
casas de lado a lado. Do modo que era antes, está tudo perto demais.
Noutros
tempos, subir na marinete de Seu Vavá para seguir ao sertão era um nunca
chegar. Mais de cinco horas por estrada de chão, ruim, pedregosa, empoeirada,
como solavancos de minuto a minuto. Fora as vezes que ele parava para namorar
já perto de Sítios Novos. Lembro-me de uma agalegada que era uma de suas
namoradas de estrada. Eita Seu Vavá tanto gente boa como metido a galanteador.
Na sua
marinete - quase o único meio de transporte do sertão à capital - seguia de
tudo, desde galinha a bode, de abóbora e melancia. E até preso. Eu mesmo já
presenciei gente muito perigosa sendo levada algemada e aos cuidados de dois
policiais. Ficavam nos últimos bancos, mas tudo misturado aos demais
passageiros.
Para o que foi
ontem, hoje se vive em primeiro mundo e na velocidade jamais imaginada. Aqueles
antigos caminhos sertanejos, quase todos nas curvas do Velho Chico, era de
encomendar e marcar no calendário a possível chegada. Eram dias para um corte
bonito de pano sair de uma loja em Propriá e chegar até Bonsucesso ou
Curralinho. Dificilmente a pessoa saía do porto do Curralinho para a feira de
Pão de Açúcar e retornava ainda no clarão do dia. Eram viagens difíceis,
penosas, mas as únicas acessíveis aos sertanejos.
Hoje em dia,
quando, por esporte, uma turma de poço-redondenses madrugada para fazer
caminhada até a beira do rio, sequer imagina que aquele mesmo percurso era
feito duas vezes ou mais ao dia por João de Virgílio. Chegava um saco no porto
de Curralinho para ser entregue em Poço Redondo, e lá ia João ajeitando nas
costas para fazer chegar ao balcão. Acaso morresse alguém nas barrancas do rio,
e lá vinha João buscar o caixão. E com ele retornava já debaixo da lua grande.
E sempre descalço, com seu beiço largo, sua pele amorenada, seu chapéu em
pedaços e um inseparável charuto. Até que um dia tombou sem vida no meio da
estrada que era sua vida.
Era realmente
uma vida de sacrifícios pelas distâncias. Principalmente aos sábados, aqueles
feirantes antigos de Poço Redondo subiam em paus-de-arara para a feira na Boca
da Mata. Rumo a Nossa Senhora da Glória, nas alturas de um velho caminhão
apinhado de gente, correndo todos os perigos do mundo, lá seguiam Delino, Pedro
Bola, Zé de Iaiá, Ireno, dentre tantos outros. Se o caminhão já seguia pesado
na partida, que se imagine ao retornar carregado de gente e de saco de tudo, de
penca de banana a fardo de peles.
Naqueles idos,
quanta importância do burro, do jegue, do cavalo, do carro-de-boi. O Coronel
João Maria de Carvalho arribava de Serra Negra no seu alazão e riscava ainda
fagueiro na casa de Zé de Lola. Quem gostava da casa de Bastião Joaquim era seu
filho Eraldo e seu sobrinho Evaldo. Eraldo mandava trazer seu cavalo branco com
o único objetivo de, já bêbado, sair em disparada pelas ruas e entrar nos
salões de forró com cavalo e tudo. Mas também, em tempos mais distantes,
comboieiros chegando na casa de Seu China e Dona Marieta. Pernoitavam e depois
seguiam pelas estradas empoeiradas sertões adentro.
Seu Zé
Ferreira saía de Major Isidoro nas Alagoas e chegava ao sertão dirigindo um
jipe. Ter um jipe era ter status. Quando minha tia Izabel Marques comprou uma
caminhonete foi a maior novidade do mundo. Lilizo chegava a beijar a
caminhonete de seu pai, meu padrinho Joãozinho. Alcino tudo fez para aprender a
dirigir em Corcel e depois em Opala, mas nunca aprendeu a contento. Muito menos
dançar.
Mas hoje
ninguém mais monta num lombo de jegue. Ou é moto ou carro possante, de luxo.
Até mesmo Neném de Elenita já não é mais chamado como antigamente. Não faz
muito tempo que todo recado era dado por Neném, que saía virando esquina em
meia carreira. Hoje Neném passa e quase ninguém fala. Tudo é no celular, no alô
quem fala.
Escritor
Membro da
Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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