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sábado, 25 de fevereiro de 2017

“NA PRIMEIRA MANHÃ QUE TE PERDI...”

*Rangel Alves da Costa

Jamais pensei em te perder. Mas na primeira manhã depois que te perdi, tudo em mim se resumia na canção de Alceu Valença: “Na primeira manhã que te perdi, acordei mais cansado que sozinho. Como um conde falando aos passarinhos, como uma bumba-meu-boi sem capitão. E gemi como geme o arvoredo, como a brisa descendo das colinas, como quem perde o prumo e desatina, como um boi no meio da multidão. Na segunda manhã que te perdi, era tarde demais pra ser sozinho. Cruzei ruas, estradas e caminhos como um carro correndo em contramão. Pelo canto da boca num sussurro fiz um canto demente, absurdo. O lamento noturno dos viúvos, como um gato gemendo no porão. Solidão”. E mais: o absurdo de não aceitar estar sozinho, o desencanto com tudo que se mostrasse vida, a desesperança em qualquer esperança de felicidade. Amargar o sal, amargar o veneno, amargar a dor, amargar o dissabor da solidão.

Jamais pensei em te perder. Mas te perdi. Pensei que poderia suportar a distância apenas como uma saudade, mas não. Ao invés da mera saudade ou do entristecimento pela saudade, eis que em mim um tempo de fúrias e tempestades, de terríveis vendavais, de aterrorizantes furacões. Um tempo de deserto escaldante sob os pés, de fogo queimando nas entranhas, de punhais se lançando vorazes sobre o meu peito.

Jamais pensei que amar – e depois ser desamado – pudesse ter consequências assim. É como se toda ternura tivesse se transformado em outono, como se toda alegria tivesse se transformado em angústia, como se toda esperança boa tivesse sumido em adeus. Não é fácil anoitecer, adormecer nem acordar assim, assim depois da solidão do adeus e da despedida sem haver adeus, apenas um fim pela palavra. Não é fácil recordar o beijo e não ter mais, o abraço e não ter mais, o carinho e não ter mais, o amor e não ter mais, o prazer e não ter mais. Não é fácil recordá-la deitada ao leito, avistá-la deitada na cama, sentir ainda seu olhar chamando com palavras doces.


Depois de te perder, de repente ter de abraçar a solidão. E, como ainda diz Alceu Valença noutra canção: “A solidão é fera, a solidão devora. É amiga das horas prima irmã do tempo, e faz nossos relógios caminharem lentos, causando um descompasso no meu coração. A solidão é fera, a solidão devora. É amiga das horas prima irmã do tempo, e faz nossos relógios caminharem lentos, causando um descompasso no meu coração. A solidão é fera, é amiga das horas, é prima-irmã do tempo, e faz nossos relógios caminharem lentos, causando um descompasso no meu coração. A solidão dos astros, a solidão da lua, a solidão da noite, a solidão da rua. A solidão é fera, a solidão devora. É amiga das horas prima irmã do tempo, e faz nossos relógios caminharem lentos, causando um descompasso no meu coração”.

Ontem mesmo anoiteci sem avistar lua e estrelas, sem sentir a noite, sem nada sentir, apenas a voraz certeza de estar sozinho, de estar sem a canção mulher. Além do noturno sombrio, a bruma da solidão, a névoa escurecida no lugar da face de presença tão bela. A noite inteira assim, entre pensamentos e pesadelos, entre saudades e distâncias. O telefone foi meu inimigo, nenhuma mensagem chegou e nenhum sinal de sua lembrança lembrando-se de mim. Acordei ainda na escuridão e levantei quase sem caminhar. Por que é tão difícil assim depois de perder alguém que se ama tanto?

Não sei o que será de mim daqui em diante. Um café, um cigarro, outro café e outro cigarro. Ao redor apenas o silêncio. Olho ao lado e já não avisto meu amor, minha bela mulher, adormecida como anjo em nuvem de ternura. Mais um café e mais um cigarro. Gostaria de ir até ali, até a cama e beijar seus cabelos, seu corpo, acarinhá-la inteira. Mas não. Ela já não está mais ali onde sempre amanhecia. Ela partiu e eu fiquei. E agora em mim apenas a canção: como um gato gemendo no porão, solidão!

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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