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quinta-feira, 20 de julho de 2017

FERNANDO TEIXEIRA ( GENTE QUE ME MARCOU, º 23 ).

Por W. J. Solha

Parceria é uma atividade que tem como supremo exemplo a do armador, que passa a bola pro atacante no momento exato em que vê que ele pode fazer gol. Foi meu papel – através de investimento - na produção do primeiro longa paraibano, O SALÁRIO DA MORTE, iniciativa de José Bezerra Filho. E - com versos – na realização da CANTATA PRA ALAGAMAR, criação do maestro José Alberto Kaplan. Ou – com o libreto – na da primeira ópera armorial, DULCINEIA E TRANCOSO, pro Eli-Eri Moura. Ou – com a história – no curta perfeito de Marcus Vilar, A CANGA. 

Fernando Teixeira

Daí o prazer com que recebi o telefonema - em pleno expediente do BB, agência-centro de João Pessoa - do Fernando Teixeira, pedindo-me uma adaptação para o teatro do FOGO MORTO.

- Beleza! Pra quando você quer?

- Semana que vem. 

A pressa se devia ao fato de que ele projetava a estreia na inauguração do Espaço Cultural José Lins do Rego, que estava em cima. O trabalho não me foi difícil, porque participara como ator das filmagens do romance, fazendo o Tenente Maurício, perseguidor do cangaceiro Antonio Silvino: a coisa toda estava bem presente, ainda, em minha mente. 

Bom, Fernando é tão excelente como diretor quanto como ator – de teatro ( em ESPARRELA, por exemplo ), cinema ( em BAIXIO DAS BESTAS, entre outros ).e, agora, em televisão ( Na foto, um close, seu, em O VELHO CHICO ) . Já tivéramos uma boa experiência de parceria no OTELO de Shakespeare.

- Você vai fazer a montagem em cima da tradução do Carlos Alberto Nunes?!

- Qual o problema?

- Pomposa. E Voltaire odiava o Bardo porque o considerava excessivamente popular. 

- Você pode fazer uma tradução pra mim?

- Nem pensar. Mas arrisco uma transcriação.

A montagem dele foi antológica, principalmente pela solução brilhante de encher o palco de praticáveis que tinham as posições alteradas, sob enorme lona, conforme os ambientes do espetáculo. 

Como Zé Lins tem um ritmo entre andante e adágio, tratei de acelerá-lo dando-lhe cortes rápidos, conhecidos, como sistema “tempestade e relâmpago”. Se no curta A CANGA, que roteirizei em cima de meu próprio livro e peça teatral, sugeri ao Marcus Vilar que desse uma de Buñuel e eliminasse a música como elemento dramático, deixando a história no osso, nua e crua, pro PAPA RABO indiquei pro Fernando uma trilha sonora na linha poema sinfônico, o que foi feito pelo compositor Carlos Galvão, com a composição aflorando onomatopaica em cenas como a de um forró ou da partida de um trem. 

Como, de repente, o financiamento que se esperava, do estado, gorou, injetei mais Shakespeare no texto, com os cenários substituídos por falas em que surgiram informações. Visitei o teatro Globe. Tudo quanto era montanha, ameia de fortaleza ou balcão de Julieta ocorria no balcão sobre o “pequeno O de madeira”. O toque transformador vinha das falas. A de Romeu, por exemplo: “Que luz ecoa agora da janela? Será Julieta, o sol daquele oriente?” O teatro é uma forma de espetáculo assombrosa porque limitada. Ao contrário do cinema, não se pode contar, aí, com rios, lagos, mares, metrópoles e montanhas. O próprio Shakespeare diz, no genial prólogo de HENRIQUE V, sem poder botar ali milhares de figurantes:

- Permiti que nós, os zeros desta importância imensa, trabalhemos por excitar a vossa fantasia. (...) Supri com o pensamento nossas imperfeições”.

Fernando Teixeira

Fernando fez isso magistralmente. Como a peça ganhou o prêmio Mambembão, que possibilitava a viagem do espetáculo para as grandes capitais do país, Yan Michalki escreveu no “Jornal do Brasil”:

- ... a montagem do Grupo Bigorna “...ao jogar uma luz muito curiosa sobre a resistência das camadas populares contra a oligarquia da cana-de-açúcar... tem um forte sopro épico E ALGUMAS SOLUÇÕES CÊNICAS INVENTIVAS E CONVINCENTES.

Exemplo:

O grupo de homens carrega um ( inexistente) piano pra senhora do engenho. Ela faz com que "o ponham" no chão, e os atores, juntando-se lado a lado, estendem as mãos com os dedos todos juntos como se fossem o teclado, em que ela “toca”, a sonoplastia fazendo o resto. PAPA RABO estava cheia desses achados. O ponto alto era a estação de trem para onde a polícia leva o personagem-título, pondo-se, com ele, no trem. Fernando “construiu” a locomotiva com um ator segurando um círculo com tinta fosforescente ante o rosto, de frente pro público, tendo – em cada lado – uma moça de costas pra ele, soprando talco pras laterais, o som da música sugerindo o da liberação de vapor da maria-fumaça.
Gênio!

W. J. Solha

Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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