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terça-feira, 17 de outubro de 2017

CARIRI CANGAÇO FLORESTA 2017 - O QUE VI E VIVI

*Rangel Alves da Costa


Com a razão o ditado popular: depois do sacrifício o prazer da conquista. Assim o esforço para participar do último Cariri Cangaço Floresta (Centenário de Nazaré do Pico) e os belos e doces frutos colhidos durante e após o evento. E a primeira impressão que ficou é que mesmo a pé, cortando as desolações das distâncias, o destino não poderia ser outro senão alcançar a Terra dos Tamarindos, a Floresta do Navio, a bela Floresta.
Somente os grandes propósitos da vida nos animam a vencer as dificuldades. Grande parte da comitiva de Poço Redondo a todo instante se mostrava indecisa sobre a viagem. Mas uma parte jamais fraquejou no seu intento de participar de mais uma edição do Cariri Cangaço. E assim como fizemos nos caminhos para Exu, seguimos resolutos ao encontro da história, da memória, da cultura, das lições, dos amigos, da terra florestana e de sua gente. Seguimos.
Após Sergipe, atravessando a ponte sobre o Velho Chico, as terras das Alagoas. Piranhas, Olho D’água, Delmiro. Rumo ao Pernambuco. Os sertões pernambucanos se mostram imensos, distantes demais, até mesmo desoladores. Quilômetros sem fim pelas desertas vastidões. Sobre a terra seca, de margem a margem da estrada de asfalto bom, apenas a secura, a solidão da vegetação cactácea, um mundo hostil e desabitado. Ora, não se avistava nenhum pé de pessoa, nenhum bicho cortando a estrada, nenhum casebre triste de beira de estrada. Nada. Que mundo é este onde estamos? Intimamente indaguei.
Aquele mundo tão ermo e tão hostil nada mais era, contudo, que o autêntico mundo sertanejo. E já naqueles desolados arredores, onde se parecia distante de tudo, ainda os passos dos cangaceiros, das volantes, das alpercatas da história. Aqueles mandacarus, aqueles xiquexiques, pontas de espinhos, pedras graúdas e miúdas, serrotes e planuras ressequidas, um dia testemunharam os suores da luta, os respingos de sangue, as emboscadas, as guerras sem fim no meio do mundo. Eis o cenário descortinando o que mais tarde se teria pela voz da história, através de seus estudiosos e pesquisadores.


Atravessamos o mundo e chegamos a outro mundo. Descobriu-se, então, que o município de Floresta não era longe, que a cidade de Floresta não era longe, e que todo aquele anseio se devia a vontade de chegar, de pisar nas terras florestanas e conhecer mais de perto aquele chão de testemunhos sangrentos e de histórias tão grandiosas. E ali não estávamos para desencavar outros passados senão aqueles que nos guiava: a Floresta combatente nos tempos cangaceiros, a Floresta tomada de orgulho no encalço dos bandoleiros das caatingas, a Floresta dos destemidos nazarenos e seus menestréis incansáveis. A Floresta da pujante história!
Floresta é um livro aberto, a cada passo, em cada canto, desde a sede aos caminhos outros e mais distantes. E quantas relíquias nas páginas deste majestoso livro. Numa página a imponência do antigo Batalhão, noutra a Confraria do Rosário, noutra a Igreja do Rosário, a Catedral, o Memorial Conceição Cahú, o Espaço João Boaiadeiro, a Budega, as praças e ruas com seus tamarineiros despejando versos, as casas e prédios de fachadas coloridas e preservadas em beleza sem igual. Pelos arredores, a Fazenda Favela e seu fogo famoso entre volantes e cangaceiros. E o que dizer de Nazaré do Pico?
Ainda na estrada avistei um pico de vulcão adormecido. Estava chegando a Nazaré. E realmente agora um pico de vulcão adormecido, mas que no passado soltou vorazes labaredas pelas mãos de seus nazarenos, incansáveis perseguidores de Lampião e seu bando. Uma raça de titãs aquela de Nazaré. Paisanos que ingressaram nas volantes pelo desejo de perseguição ao rei cangaceiro e seu bando. Homens da estirpe de Mané Neto, Manoel Flor (imortalizado por sua filha Marilourdes Ferraz na obra O Canto do Acauã),  Odilon Flor, David Jurubeba, Aureliano Flor e do tenente João Gomes de Lira, dentre tantos outros.
Ainda em Nazaré, a singela igreja de Nossa Senhora da Saúde defronte à praça que leva o nome de Antônio Gomes Jurubeba, construtor da então capela. Um pouco mais adiante, a visita ao Poço de Negro e seu pé de Umbu-Cajá, localidade onde a família de Lampião se arranchou num tempo de fugas e perseguições. Nos escombros ainda as marcas daquelas presenças tão primorosas ao ofício do historiador.
Muito mais eu haveria de relatar, mas o tempo é breve e a saudade de Floresta me faz mais entristecido. Já não sou mais o mesmo depois dessa visita. Meus olhos jamais avistaram tamanha abnegação de um povo pela preservação de sua história. Fui além das fachadas, adentrei em corredores e cômodos, senti e vivenciei os relatos. Quanta maravilha. E de lá não só Manoel Severo saiu como cidadão florestano como eu conselheiro do Cariri Cangaço.
Mas hoje mesmo a Floresta retornei. Em pensamento e saudade, por isso ela está aqui, ela em mim permanece.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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