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quinta-feira, 2 de novembro de 2017

TENENTE CLETO CAMPELO, UM HERÓI DESAFORADO

Material do acervo do pesquisador José João Souza

Ele liderou uma centena de pernambucanos que queriam se juntar à Coluna Prestes, mas não teve sorte na empreitada.

Em janeiro de 1926, o jovem oficial Cleto Campelo, que estava exilado na Argentina, voltou ao seu Recife natal viajando clandestinamente, como foguista de navio. E chegou incumbido de uma importante missão. Quando a 1ª Divisão Revolucionária — uma tropa adiante chamada de Coluna Prestes, que cruzava o País protestando contra o governo do presidente Artur Bernardes —, entrasse em Pernambuco, ele deveria a promover um levante popular em seu apoio. Mas não teve sucesso: sua trama foi denunciada ao comando da 7ª Região Militar, que a sufocou, fazendo muitas prisões.

Cleto, porém, que escapou de ser pego, buscou uma alternativa. No dia 18 de fevereiro, com o sargento Waldemar de Paula, o marinheiro Severino Cavalcanti e mais treze civis, ele tomou de assalto a estação ferroviária de Jaboatão, onde recebeu a adesão de quarenta ferroviários. Montou, então, um trem de combate com quatro vagões e partiu com ele para Buique, onde pretendia se integrar à 1ª Divisão que, àquela altura, cruzava o sertão pernambucano.

O comboio parou em Tapera e em Vitória de Santo Antão, onde o tenente requisitou dinheiro, armas e munições na Prefeitura e na Coletoria Estadual, e mais cem ferroviários de Caruaru juntaram-se ao grupo. Em Gravatá, porém, seu plano foi por água abaixo…

TEMPOS MODERNOS

Cleto da Costa Campelo Filho nasceu no Recife, em 1898. Seu pai era contador, sua mãe dona de casa e ele, aos quatorze anos, alistou-se no 4º Batalhão de Infantaria, de onde seguiu para a Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro. E de lá voltou, em 1916, para servir como aspirante a oficial no 21º Batalhão de Caçadores. Já sua vida política começou em 1922, o ano do Centenário da Independência, que foi muito festivo — no Rio de Janeiro, por exemplo, montou-se uma grande feira internacional — mas também de muita agitação.

O fato é que a República, proclamada em 1889, mudara a forma de governo do Brasil, mas as mazelas sociais continuavam as mesmas do tempo do Império. A Inglaterra ainda tratava este país como sua colônia. Havia poucas indústrias. Os grandes proprietários rurais — em especial, os cafeicultores paulistas — seguiam mandando e desmandando. O sistema eleitoral era totalmente fraudulento. E os trabalhadores e a classe média protestavam contra tudo isso.

Em São Paulo, por exemplo, no mês de fevereiro, artistas e intelectuais de vanguarda afirmaram o valor da cultura nacional na Semana de Arte Moderna. No Rio de Janeiro, em março, sob a inspiração da Revolução Russa de 1917, foi fundado o Partido Comunista. E no historicamente rebelde Pernambuco, o segundo tenente Cleto Campelo agitava os quartéis, criticando o excessivo poder da família Pessoa de Queiroz na região.

Como castigo ele foi transferido, em maio, para o 6º Batalhão de Caçadores, sediado em Goiás. E na viagem, passando pelo Rio de Janeiro, concedeu uma explosiva entrevista ao jornal Correio da Manhã que lhe rendeu um mês de prisão na Fortaleza de Santa Cruz. Aí, o Brasil pegou fogo.

A GRANDE MARCHA

No segundo semestre de 1922, muitos militares se levantaram em armas em vários estados, pedindo voto secreto, ensino público, industrialização, direitos trabalhistas, liberdade de imprensa e o fim da corrupção, entre outras reformas. Esse movimento — chamado de “tenentismo”, embora nele também houvesse oficiais de outras patentes, inclusive um marechal — teve seu auge no Rio de Janeiro, em julho, quando dezoito rebeldes cercados no Forte de Copacabana saíram às calçadas para enfrentar as tropas do governo. Deles, a metade desertou, e dos restantes sobreviveram os tenentes Eduardo Gomes e Siqueira Campos e o soldado Manoel Ananias. Feridos, mas cobertos de glória.Então, uma violenta repressão se abateu sobre os “tenentes”, nas forças armadas. Mesmo assim, dois anos depois se ergueu uma nova onda de protestos. E em julho de 1924 algumas guarnições do exército baseadas na capital paulista e parte da polícia de lá, com apoio da população civil, assumiram o controle da cidade, que foi severamente bombardeada pelo governo federal.

“Destrua-se São Paulo”, ordenou o presidente Bernardes, “mas preserve-se o império da lei”. Sem meios de resistir, o marechal Isodoro Dias Lopes, que comandava o levante, liderou, então, uma retirada de três mil homens em direção a Mato Grosso, onde sua coluna juntou-se a outra, vinda do Rio Grande do Sul sob a chefia dos capitães Luis Carlos Prestes, Siqueira Campos e Juarez Távora. Juntas, elas formaram a 1ª Divisão Revolucionária, que percorreu o Brasil nos dois anos seguintes.

Uma grande aventura que terminou em tragédia

Enquanto isso, o agora primeiro-tenente Cleto Campelo, de volta à Pernambuco, tentava fazer a tropa local também se rebelar, sem sucesso. E ao ser destacado para combater 1ª Divisão, em Mato Grosso, em 1925, ele desertou e foi para a Argentina. Lá se encontrou com outros revolucionários exilados e voltou, no início de 1926, para revolucionar sua terra natal.

Impedido, porém, pela ação repressiva do Comando do Exército local, Cleto apoderou-se do trem e foi se juntar à coluna que vagava pelo sertão, espalhando uma mensagem revolucionária pelo caminho. Mas a sua empreitada findou em Gravatá, a 80 km do Recife.

Liderando um bando homens sem treinamento militar, o tenente foi morto com um tiro no peito, disparado acidentalmente por um deles, ao tentar tomar de assalto a cadeia local. Então, a maioria do grupo desertou. E os trinta que prosseguiram, chefiados pelo sargento Waldemar de Paula, foram emboscados por jagunços do fazendeiro Chico Heráclito, rendidos e depois degolados.

Os 1.500 homens da 1ª Divisão, por sua vez, passaram quinze dias terríveis no alto sertão pernambucano, aguardando Cleto. “Combatendo diariamente, não nos sobrava tempo sequer para comer”, conforme registrou o coronel João Alberto, “aí atravessamos o São Francisco e invadimos a Bahia”.

Em 21 meses, essa tropa percorreu cerca de 25.000 km (para alguns, 36.000), cruzando doze estados, tomando mais de quinhentas cidades ou povoações, e combatida por tropas do exército, polícias estaduais, jagunços e cangaceiros. Lampião, inclusive, recebeu armas, dinheiro e a patente de capitão para enfrentá-la, mas não chegou a fazê-lo.

Ao se dissolver, porém, em fevereiro de 1927, a coluna permanecia invicta, com muito prestígio popular, e inspirou uma nova mobilização nacional em 1929, com a candidatura de Getúlio Vargas à presidência. A qual, por sua vez, deflagrou a Revolução de 1930 que, de fato, promoveu grandes reformas no País.

Nesse entretempo, numa estratégia de marketing político, 1ª Divisão Revolucionária passou a ser chamada de “Coluna Prestes”, e o gaúcho Luís Carlos Prestes de “Cavaleiro da Esperança”, sintetizando numa única figura o heroísmo de centenas de brasileiros. Entre eles, o pernambucano Cleto Campelo, que hoje dá nome a ruas de várias cidades nordestinas.

Os “Doze da Rua Velha”

As tentativas de levante foram muitas em Pernambuco, na década de vinte. Em abril de 1925, por exemplo, houve uma da qual Cleto Campelo também fez parte. Um grupo de militares e de militantes comunistas, liderados pelo advogado Sílvio Cravo, pretendia apoderar-se do Recife, mas a operação foi delatada por um traidor, o tenente Luis Gonzaga, da Força Pública (Polícia). Presos no seu local de reunião, a casa do jornalista José Toscano, os conspiradores, que ganharam o apelido de “Os Doze da Rua Velha”, findaram libertados por falta de provas. E pouco tempo depois já estavam metidos em novas conjuras, também mal sucedidas.

Corpo fechado e Princesa Isabel

A invencibilidade da Coluna Prestes gerou muitas lendas no meio do povo humilde do interior. Os revolucionários, por exemplo, possuiriam um “aparelho de mangaba” para cruzar os rios e uma “rede de pegar homens e cavalos” da qual ninguém escapava. Não eram batidos em combate porque Prestes “adivinhava” e devido aos poderes de uma negra feiticeira, a “Tia Maria”, que dançava nua diante das metralhadoras para “fechar o corpo” dos homens. E porque destruíam os instrumentos de tortura do tempo da escravidão que ainda havia nas cadeias, bem como as palmatórias nas escolas, dizia-se que a Princesa Isabel marchava com eles.

Fonte: Diário de Pernambuco

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