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domingo, 24 de dezembro de 2017

NINGUÉM VEIO ME VISITAR

*Rangel Alves da Costa

Não nego que gosto de solidão. A solidão é minha amiga, é minha confidente, é minha namorada. A solidão me completa. Mas não em todos os instantes da vida.
Faço da solidão um mundo que pode ser ajustado através do pensamento. Trago o que quero, busco o que desejo, transformo o que me for conveniente. Pinto paisagens e faço surgir retratos emoldurados daquilo que desejo.
Contudo, a solidão é mundo de instante. Até por que, forçosamente, a porte se abre para outras realidades. Então nos apartamos da solidão até a ele retornar num instante propício a vivenciá-la.
Outros instantes existem em que passamos a sentir falta de determinadas pessoas, de pessoas que nos chegam como bons encontros. Encontros e reencontros se tornam em instantes agradáveis e que sempre somam afetos aos sentimentos.
Por isso mesmo que de vez em quando também sinto falta de pessoas amigas. Gosto quando pessoas de minha estima entram pela porta trazendo sorrisos e boas palavras. É sempre bom conversar com quem a gente gosta.
Em períodos natalinos passados, por exemplo, alguns amigos chegavam para abraços de felicitações. Alguns poucos, apenas, mas suficiente para não me sentir tão esquecido num período tão nostálgico e melancólico como o de final de ano.
Este ano, contudo, até agora não recebi uma visita sequer. Hoje já é dia 24, data em que geralmente se comemora, sempre antecipadamente, a natividade maior, e até o presente momento permaneço esquecido pelos amigos.


Não sei se sinto falta ou estranheza. Também nenhum telefonema nem mensagem virtual. Nada. Que eu saiba, não deixei de ter amigos ou deles me afastei sem querer. Será que as transformações da vida estão transformando também as amizades?
Não sei. Não sei. Não mudei de endereço nem viajei até o presente momento. Não havia desaparecido para que soubessem que não me encontrariam. Não mandei nenhuma mensagem dizendo que evitassem me procurar.
Mas alguém haverá de indagar: Por que não vai até eles? Porque eles sempre estão aqui quando desejam e necessitam e possuem condução própria, o que muito facilita a locomoção. Já eu tenho de ir de taxi a qualquer lugar mais afastado do centro.
O que mais estranhei, contudo, foi a ausência total, plena, absoluta. Ninguém, absolutamente ninguém, veio me visitar. E neste domingo certamente ninguém mais aparecerá. Viajam, preferem estar ao lado da família, vão fazer compras de última hora.
Lembro-me agora daquela velha senhora que sempre esperava suas fiéis amigas para o chá das cinco. Somente ela restando em vida, ainda assim todo entardecer sentava ao redor de uma mesinha e mandava servir chá com bolinhos de chuva.
O tempo passava, a noite chegava e ela ali sentada, relembrando e relembrando, de olhos molhados e coração apertado. A solidão, apenas. Depois ali mesmo adormeceu para o sempre, deixando em cima da mesinha um singelo escrito:

O jardim e as flores já não existem mais
colibris e borboletas voaram para bem longe
talvez em busca de outros doces perfumes
e em mim a solidão que aflora em outono triste
uma estação que a tudo seca e tudo devora
e que agora me chama para também voar
e voando parto nas asas da solidão a esvoaçar.

E assim também noutras vidas, cuja solidão natalina é como um desfolhado outono. E só chega a ventania. E ninguém mais.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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