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sábado, 30 de dezembro de 2017

PREZADOS, SAUDAÇÕES:

Por Charles Garrido

É sempre uma alegria renovada, estar ao lado dos nossos diletos leitores, desejando a todos um ano novo próspero, de muitas realizações e, sobretudo, cheio de saúde e paz de espírito.

Em nossa última postagem do decorrente, traremos o relato da cangaceira Sila, onde a mesma nos contará como foi o angustiante momento de sua entrada para o cangaço.

Deixaremos a análise das imagens, após lermos o texto, por gentileza.

"Já estava tudo acertado, não tinha mais como fugir do meu destino. Zé Sereno havia resolvido que eu ia ter que acompanhá-lo na vida do cangaço. Caso recusasse, eles matariam todos os meus familiares. Não havia saída. Só tinha catorze anos, era ingênua e inocente.


Chegou o momento e partimos em retirada. Me deram um chapéu, um bornal, um lenço e uma arma curta para defesa pessoal, mas eu não sabia atirar e nem havia tempo para aprender. 

Passamos o dia todo caminhando. 

Tinha uma mulher chamada Neném, que acompanhava o marido, Luís Pedro. Em princípio, iríamos nos encontrar com Lampião, apenas no dia seguinte. Essa era a única coisa boa que eu tinha em mente, pois queria conhecer aquele homem que todos temiam e admiravam ao mesmo tempo.

Continuávamos caminhando, eu só fazia chorar. Foi quando Neném, me chamou e disse:

- Menina, vá se acostumando, você ainda irá chorar muito.

Esqueça seus irmãos, seus pais, seus amigos... pois sua família agora somos nós.


Continuamos andando. Eu não entendia o porquê deles caminharem o tempo todo de orelha em pé e, o último, cuidando de apagar o rastro dos outros.

Até que depois de tanto caminhar pelo mato, chegamos à uma casa, era final da tarde. Achávamos que estava tudo bem. Foi quando de repente, Luís Pedro chama Zé Sereno, e diz:

- Zé, aí tem "moca"

Quando eu ia perguntar o que diabo era "moca", não deu mais tempo, ouvi foi o "pipocado" de bala. 

Os macacos chegaram de supetão.

Eu, por ser nova no bando, não sabia o que fazer. 

Já estava quase tudo escuro, não dava para enxergar direito e o barulho era ensurdecedor. A gente tinha que fugir e, só quando clareavam os tiros, era que conseguíamos dar alguns passos. 

Havia uma cerca de arame nos fundos da casa, se conseguíssemos ultrapassá-la, estaríamos mais seguros. E assim tentamos. Porém, a minha mais nova amiga; Neném, quando foi tentar pular, levou um tiro e já caiu morta. 

Meu Deus, nunca tinha visto ninguém morrer, ainda mais assim de um modo tão trágico. Não podíamos tentar socorrê-la, pois víamos que o caso era sem jeito. Quem ficasse, poderia morrer também. Todos os outros conseguiram escapar do tiroteio.

Luís Pedro estava desolado, desesperado.

Finalmente, o dia seguinte chega. 

Eu não consegui pregar um olho sequer e, sabíamos que até o fim da tarde, iríamos encontrar Lampião e os demais cangaceiros.

No meio do caminho até o coito, encontramos três trabalhadores numa roça, eles não sabiam quem éramos nós, pois as roupas eram muito parecidas, tanto as das volantes, quanto as dos cangaceiros. Luís Pedro se aproximou deles e perguntou:

- Me digam uma coisa, se vocês virem os cangaceiros por aqui, o quê irão fazer?

- Com certeza iremos entregar à volante (disse um deles, ingenuamente)

- Vocês vão é morrer . (Luís Pedro)

O cangaceiro, revoltado e enfurecido com a perda da companheira, saca de seu parabélum e impiedosamente mata os três sertanejos indefesos e inocentes à sangue frio. Foi outra cena que jamais esqueci e era apenas o meu segundo dia na vida do cangaço.


Seguimos viagem.

No final da tarde, finalmente chegamos onde estavam os outros. Não tinha como não saber quem era o chefe. Um homem alto, magro, cheio de ouro, até o óculos brilhava.

Logo ele chegou até nós, e perguntou:

- Zé Sereno, quem é essa menina?

- É Sila, minha mulher (Zé Sereno).

- Mas ela ainda é uma criança (Lampião).

- Com o tempo ela se acostuma (Zé Sereno).

Lampião, como já era de esperar, tratou logo de perguntar:

- Luís, cadê Neném?

Luís Pedro, que até então passara a maior parte da viagem calado, não suporta mais e desabafa aos prantos, abraçado ao velho amigo:

- Lampião, mataram a minha companheira.

Foi a primeira vez que vi um "homem feito", chorar".

Caros leitores, leiamos agora um pequeno trecho do depoimento do Sr. Renilson, cujo qual, à época, ainda uma criança de apenas oito anos de idade, conversou com Luiz Pedro, poucos minutos antes da morte de Neném, quando os cangaceiros chegaram de surpresa na propriedade de seu pai, um fazendeiro bem sucedido na região:

"Eu estava no terreiro da casa e me lembro como se fosse hoje. De repente, chegou um grupo de pessoas estranhas, que nunca tinha visto antes na vida. Eram catorze no total, onze homens e três mulheres. Todos muito enfeitados e cheios de ouro".

Um deles veio até mim e perguntou:

- Menino, cadê seu pai?

* Está lá dentro.

Ele, mais quatro, foram logo entrando e eu segui atrás.

Quando meu pai viu os homens, tentou manter a calma e perguntou ao que estava a frente:

- Quem é o senhor?

* Luiz Pedro, cabra de Lampião.

Lembro demais da feição do meu velho, que apesar do susto, tentou não demonstrar medo e, foi logo dando as boas vindas:

- Os senhores devem estar com fome. Vou mandar preparar almoço  para todos, mas por favor, não façam nada com a minha família.

Luiz Pedro foi muito educado e respondeu:

- O senhor pode ficar tranquilo, não iremos mexer com ninguém, só queremos comida e água.

Outra cena que jamais esquecerei, foi quando, mesmo dando garantia que não iriam nos fazer mal, uma das moradoras da fazenda que foi servir a comida, na hora em que chegou à sala e viu os homens todos fortemente armados, literalmente, urinou-se na roupa. Aquilo foi um alvoroço só, ela ficou paralisada, sem conseguir dizer uma só palavra. E por incrível que pareça, Luiz Pedro, em respeito ao momento constrangedor, mandou que todos os homens se retirassem do recinto e, somente após terem limpado o local e retirado a coitada, foi que todos retornaram para almoçar.

No fim da tarde, meu avô tinha uma gramofone e resolveu colocar uma música. Nisso, dois cangaceiros, cada um segurando seus fuzis, começaram a dançar, fazendo de suas armas, respectivas damas.

Já estava chegando o final da tarde, o bando partiu em retirada. 

Poucos minutos depois, ouvimos o mundo se acabando. Eles se encontraram com uma volante e, no tiroteio, a companheira de Luiz Pedro foi morta a tiros. Meu pai foi lá, horas após o ocorrido e, ainda chegou a ver o corpo dela que, no dia seguinte, foi exposto ao público, numa localidade chamada Mocambo".

Vamos à análise das imagens, por gentileza:

1 – Neném e Luiz Pedro.
2 – Sila e eu, no ano de 1999, no município de Poço Redondo-SE.
3 e 4 – O Sr. Renílson (hoje professor de matemática, aposentado) cedendo-nos uma memorável entrevista, na casa do pesquisador Antônio Amaury, em São Paulo, no ano de 2014.

Amigos, vejam que intrigante, Sila, quando citou sobre o triplo homicídio cometido por Luiz Pedro, não somente eu estava presente, mas sim, vários outros colegas pesquisadores e, ela foi bastante enfática em seu relato, inclusive, em nenhum momento enalteceu a figura de seu companheiro (Zé Sereno) ou de si mesma. Entretanto, o próprio pesquisador Antônio Amaury, nunca acreditou nesse fato. O Sr. Renilson, certamente, seria a pessoa apropriada para nos dar mais informações do acontecimento trágico.

Vejam o que ele respondeu:

- Aquela região era muito pequena, todo mundo se conhecia. Seria impossível acontecer um triplo assassinato, sem que ninguém ficasse sabendo. Eu, hoje com oitenta e seis anos, é a primeira vez que escuto falarem sobre isso.

Senhores, permitam-me uma opinião pessoal, eu não vejo motivo algum para Sila ter mentido. Percebam, era apenas o seu segundo dia no cangaço e, um fato dessa natureza, não esquecemos jamais. A hospedei na minha casa em duas ocasiões e, fiz a mesma pergunta sobre esse episódio, inúmeras vezes, para ver se ela entrava em contradição e, posso garanti-los, a velha cangaceira nunca titubeou. Sempre repetiu o mesmo relato de forma retilínea e fiel aos depoimentos anteriores. Portanto, eu prefiro acreditar nela. Porém, repito, isso é apenas um humilde parecer desse que vos escreve, fiquem à vontade para tirar suas próprias conclusões.

Um grande abraço a todos.
Feliz 2018!
Charles Garrido.
Pesquisador.
Fortaleza-CE.

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