Por Sálvio
Siqueira
Naquele tempo,
já em 1929, ocorreu a permissão para que as mulheres passassem a fazer parte
dos grupos de cangaceiros.
Até a entrada
de Maria Gomes de Oliveira, a Maria de Déa, mais tarde chamada e imortalizada
pela imprensa carioca de “Maria Bonita”, não há registros de que mulheres
tenham feito parte de bandos de cangaceiros.
Famosos
cangaceiros como Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino, Sinhô Pereira e vários
outros não permitiram a presença efetiva feminina em seus bandos. Logicamente
que tanto os chefes quanto seus comandados tinham suas namoradas, sua mulheres,
além das aberrações dos estupros.
Há citações de
que no séc. XIX uma mulher, Anésia Cauaçu, tenha, ela própria, liderado um
bando ‘cabras’, porém por alguns considerado de cangaceiros por outros não, no
Estado baiano. Mas é um assunto que não vamos nos aprofundar desta feita.
Virgolino
Ferreira, quando da transferência do seu ‘reinado sangrento’ para o Estado da
Bahia, em fins de 1928, após aceitar inúmeras adesões dos filhos daquele chão e
das do Estado vizinho de Sergipe, divide o bando em pequenos grupos. Essa
divisão foi uma manobra tática usada por Lampião para facilitar o movimento de
ataque e fuga empregado em um tempo mínimo. Menos gente, maior condições de se
locomoverem dentro da “Mata Branca”. Além disso, havia a possibilidade de
atacarem mais de uma localidade ao mesmo tempo e distante uma da outra. No entanto,
para os ‘cabras’ não ficarem muito ‘à vontade’, vez por outra Lampião convocava
todos para uma grande missão então voltava a demonstrar seu domínio total de
líder.
Citam autores que com a introdução da mulher, permissão dada pelo cangaceiro mor daquele momento no cangaço, Virgolino Ferreira, o Lampião, esse, o cangaço, passou a ser mais ameno, ou seja, diminuíram os estupros, porém, não acabaram definitivamente, e a higiene também fora integrada.
A mulher
quando passa a fazer parte dos bandos de cangaceiros sua exclusiva execução era
simplesmente de namorar seu companheiro. A mulher não cozinhava, não armava
toldas nem participava de combates. Alguns autores citam essa ou aquela
cangaceira apta no manejo das armas longas em combate. Particularmente não
concordamos com essas citações devido o tipo de armas longas usadas pelos
cangaceiros, fuzis 1908, 1922 e outras. A companheira do cangaceiro Corisco,
Cristino Gomes, a cangaceiro Dadá, dona Sérgia, até comandar, comandou o grupo
de Corisco, porém, não notamos registros fotográficos em que ela esteja
portando arma longa, um mosquetão por exemplo. No entanto, há registros onde
ela trava grande combate sangrento contra o soldado volante João Torquato
usando uma arma curta, que, nessa luta, já havia matado os cangaceiros
“Guerreiro” e “Chumbinho”, além de ter conseguido ferir Corisco nos braços
colocando-o, para sempre, fora de combate.
Vários chefes
de subgrupos tiveram, a exemplo de Virgolino Ferreira, sua companheira. A
maneira, forma, dessa adesão, na maioria das vezes é citada pelos historiadores
que ocorreu de uma forma brutal, obrigatória. Já em outros casos, as próprias
moças pegaram suas ‘trouxas’ e deixaram a casa paterna em busca de uma cega
ilusão.
Outro
particular apresentado pelas pilastras da historiografia cangaceira surgido
após a entrada da mulher no cangaço, foi à ornamentação das vestes e objetos
usados pelos cangaceiros. A cangaceira Dadá, companheira do cangaceiro Corisco,
tinha o dom de ser uma espécie de estilista. Pensava e colocava suas ideias nos
tecidos, couro e arreios dos cangaceiros.
“Quando entrou
para o cangaço, Dadá foi encarregada - à mercê dos seus talentos de bordadeira
e costureira, e também graças a sua criatividade - de confeccionar as roupas de
Lampião e Corisco”. Foi ela quem mudou radicalmente os motivos dos bordados e a
feitura das roupas dos cangaceiros. Em 1932 lançou a moda dos motivos de couro
branco costurados em chapéus, flores em tecidos coloridos bordadas nos bornais,
peitorais e cinturões.” (JASMIN, Elise Grunspan).
“(...) Foi a
estilista do Cangaço inovando os bornais com florais coloridos e colocando
estrelas, signo de Salomão, moedas, fitas, nos chapéus dos cangaceiros. Buscava
inspiração no Raso da Catarina, Bahia por ser um lugar tranquilo (...).”
(mulheresdocangaco.com.br).
O trabalho de
Dadá, realizado na estética do cangaço, serviu de inspiração para a estilista
Helena Pontes, quando da criação da coleção “SUSSUARANA”.
“(...) A
estilista Helena Pontes, 36 anos, é pernambucana, mas escolheu o Rio para lançar
a marca que leva o seu nome, que teve a primeira coleção no fim de 2013. Desde
sempre com o foco na alfaiataria, ela conseguiu adaptar paletós, macacões,
vestidos e calças para o clima despojado daqui, usando recortes geométricos e
uma pegada minimalista. Agora, na sexta coleção, a “Sussuarana”, inspirada na
história e na estética de Dadá, mulher do cangaço que foi a estilista do grupo
de Lampião e chegou até a comandar o bando, Helena volta a resgatar suas
origens nordestinas.
Coleção “Sussuarana”, de Helena Pontes - Divulgação/Mar + Vin
— Até pelo momento político, eu queria falar sobre mulheres fortes. E também estava com saudade da minha terra. Comecei, então, a pesquisar as figuras nordestinas e encontrei a Dadá. Para ela, imaginei uma alfaiataria utilitária, com elementos que retratam características das roupas usadas pelas cangaceiras, como as linhas aparentes de pesponto, as amarrações e os recortes que remetem as cartucheiras (...).”
A Dadá, para
aqueles que não sabem, levou sua arte para além-cangaço. Usou do seu dom e
transmitiu para sua prole o seu saber. A prova maior disso são as confecções
trabalhadas pela amiga Indanaia
Santos, neta da própria.
Quanto à
estética criada e lançada para o mundo dentro do cangaço lampiônico, o
pesquisador/historiador Rostand Medeiros diz: “Tamanho apuro visual, pleno de
detalhes nas coisas mais cotidianas (cães com coleiras trabalhadas em prata!),
servia como proteção ao mau-olhado, instrumento de hierarquia interna, tinha
funcionalidade militar e era um poderoso instrumento de propaganda junto às
populações pobres, que se admiravam diante de todo aquele luxo, cor e brilho.
Era também uma forma de arte que o cangaceiro carregava no seu corpo (...) Era
como se os mais esquivos habitantes do cinzento se levantassem contra o
despotismo da ausência de cor na caatinga e proclamassem a folia de tons e de
contrastes.”(Tokdehistória.com).
Já o
pesquisador/historiador/sociólogo Frederico Pernambucano de Melo, assim refere
sobre: “Havia uma estética rica que conferia uma ‘blindagem mística’ ao
cangaceiro, satisfeito com a sua beleza e ainda seguro em meio a uma suposta
inviolabilidade.” A ponto de contaminar as roupas dos policiais, que copiaram
suas vestimentas, e mudar o foco da guerra. “O contágio inelutável dá a força
dessa estética e evidencia a existência de outra luta, travada em paralelo, no
plano da representação simbólica.”(blog Ct.).
Virgolino,
assim como Virgínio, seu cunhado, Luiz Pedro e outros cangaceiros dominavam a
arte de trabalhar com e em couro... Virgolino, tendo sido almocreve, e como
todo tocador de tropas naquela época, tinham a obrigação de dominarem essa
técnica. O pai de Virgolino, José Ferreira, também dominava devido uma de suas
profissões, era almocreve. Quando os almocreves almocreveavam pelos sertões
nordestinos, a sua frente estava sua maior riqueza: seus animais com suas
cangalhas. Os animais portavam arreios e cangalhas, nessas era onde eram
colocadas as mercadorias a serem transportadas em seus lombos. Nas cangalhas
havia rabichos de couro, uma espécie de tira larga de couro que, posicionada na
parte traseira do animal, impedia que a carga, cangalha, escorregasse e caísse
pela frente do animal. Para ter-se uma segurança impedindo da carga não pender
para os lados e cair, assim como não cair por trás dos animais, eram colocados
outra cinta, mais estreita, na altura do tórax do animal, chamada de cia. Além
desses, haviam os animais que eram de sela, ou seja, aqueles que serviam de
montaria. Nesses eram colocados à sela, os arreios, as coronas e os coxins,
objetos formados com couro, ferro, argolas e tecidos. Devido a toda peça usada
ser ou ter couro, fazia-se necessário o almocreve dominar a arte de trabalhar
artesanalmente com ele. Com isso, ele ‘remendava’ uma cia, um rabicho, peça
colocada abaixo da calda, rabo, do burro, cavalo ou jumento, ou um dos arreios
das montarias. Sem esse domínio, quebrando algum em suas caminhadas, a coisa
ficava feia. Não havia condições de continuar transportando as encomendas. Além
disso, tudo, eles, os almocreves, tinham que terem em mãos ferramentas para
tosarem as crinas e caldas, pois como nossos cabelos, os pelos do dorso do
pescoço e a calda dos animais crescem constantemente, mais ainda, terem em seus
alforjes, para cuidarem dos cascos dos animais, alicates, goivas, turquesas,
pinos ou pregos, e limas, pois como nossas unhas, os cascos dos animais também
crescem, além dos acidentes com pedras, grampos e/ou tocos que machucam e
carecem de cuidados especiais. Os cascos dos animais são como as unhas da
gente, crescem constantemente.
Pois bem,
Virgolino, como almocreve e como cangaceiro cuidava, antes dos seus animais,
depois de seus objetos pessoais como bainhas, chapéus, perneiras, alpercatas,
bornais e bandoleiras das armas... A estética, nascida das entranhas de um
Fenômeno Social rude, sofrido, sangrento e recheado de mortes, fez, faz e fará
adeptos. Surgidas nas quebradas dos sertões nordestino para o mundo.
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