*Rangel Alves da Costa
Não sei se uma cantoria, não sei se verso repente, mas versos que bem traduzem o viver de uma gente, de um povo sertanejo que dia teve alegria e hoje é sofredor descontente. Tudo pelo progresso, que ao invés de ir pra frente, só provocou retrocesso.
Não sei se choro ou lamento o sertão que eu queria e sei que não posso ter. Esteiras estendidas pelas calçadas para o noturno adormecer. Café batido em pilão e tão doce aroma no efervescer. Cuscuz ralado em quintal e manteiga da terra pra fome espairecer. Não sei se entristeço ou pranteio pelo sertão de antigamente e agora tão diferente, tudo mudou de repente causando aflição na gente. Porta e janela abertas e caqueiro no batente. Rede na varanda balançando e o sertanejo contente. A paz do quintal atrás era paz da porta da frente. Não sei se silencio ou emudeço o sertão que foi um dia e de tudo hoje só restam saudade e nostalgia. Araçá madurinho, a fruta que eu mais queria. Menino solto no mundo, um viver de arrelia. A chuvarada caindo e a meninada na alegria. Não sei se enraiveço ou embruteço pelo sertão do passado e agora ter de suportar o viver amargurado. Vaqueiro correndo boi, vaqueiro correndo gado. Carro-de-boi gemedor e o arado no roçado. E hoje o que se ouve é o motor endiabrado, na moto e no veículo, deixando o sertão fumaçado. Não sei se agonizo ou aflijo pelo sertão de agora, retrato rasgado no tempo sem a poesia de outrora, quando o sino ecoava a santa e sagrada hora. Beatas e rezadeiras louvando Nossa Senhora. E hoje, nas casas sem Deus e sem fé, apenas o preço alto daquilo que não se quer. Pessoas mudaram, ao vento esvoaçaram. Sem amigas na calçada, sem compadres na proseada, sem o brincar da meninada. Ninguém conhece ninguém, tudo de cara amarrada, sem bom dia ou boa noite, cada um na sua estrada. Mães que choram seus filhos pela violência levados, cruzes fincadas na terra num mundo de atormentados. Quanta dor, quanta aflição, a vida de amargor em toda mesa sem pão. Criança sentindo fome, a indignidade sem nome, mas a miséria por sobrenome. Na porta o cadeado, mas ainda assim desabrigado, muito distante do tempo daquele viver sossegado. E assim vai o sertão me afligindo o coração, pois lembrar os tempos outros é sofrer na recordação, e ter de suportar a angústia brotando em cada irmão.
Eis o canto do sertão, o seu cantar de agora, rima de quem lamenta, um versejar de quem só chora. A dor plangente do ser, do humilde e seu sofrer, que nasceu para vingar e não para logo morrer. Pra brotar raiz e flor e não no peito o ardor de quem tudo já acabou. Eis o canto do sertão, um lenço aberto por cima do chão.
Rangel Alves da Costa
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