Por Anildomá Willans de Souza
Em março de
1924 – na Terra de Catolé, em Vila Bella – num tiroteio com a polícia, Lampião
tem o pé seriamente ferido e teve de ser carregado dum jumento para a fazenda
Saco dos Caçulas, na Paraíba, onde recebeu os cuidados dos doutores Severino
Diniz e José Cordeiro, da vizinha cidade de Triunfo, em Pernambuco.
Depois desse
ferimento os rastejadores facilmente identificavam o bando de Lampião, pois o
pé esquerdo deixava a pegada muito torta.
Durante vários
meses de tratamento, correndo o risco de ter a perna amputada, o corpo se
debilitando em consequência das infecções, o mal estar dominando a si e aos que
cercavam, com a vida num fio da navalha, não morrendo graças ao empenho dos
dois médicos, fez com que mergulhasse numa carrasca depressão e em seguida, na
fase final da cura, refletisse na possibilidade de entregar-se à justiça.
Expôs a pretensão
ao Estado-Maior do bando – inclusive, por esse tempo, sua irmã mocinha e seu
tio Venâncio, estavam presentes – e concordaram imediatamente alguns acertos,
que passava pelo fato de muitos cangaceiros terem inimigos pessoais, fora da
polícia.
O que fazer,
então?
As autoridades viabilizarem condições dos cangaceiros saírem da região para tentar a vida noutras paragens. Não tinham como ficar nos sertões, onde os oponentes eliminariam na primeira esquina.
A próxima peça
desse quebra-cabeça seria o padre José Kehrle, sacerdote alemão, que há quase
dois anos assumira o paroquiado de Vila Bella e era amigo e confidente de
Lampião.
Enviou uma
carta ao jovem sacerdote, declarando seu desejo e as condições, incluindo
garantia de vida para todos. E, por fim, combinar com o major Teófanes Tôrres,
que indicaria as próximas etapas.
Ao receber a
notificação do padre, o major esbravejou, dizendo que era muita petulância dos
bandidos.
Pouco a pouco
o oficial foi cedendo aos argumentos do religioso e por fim arrematou:
- É incrível
como o senhor sabe onde essa gente se esconde! Se eu perguntar, com certeza,
vai responder que como sacerdote não pode romper o sigilo ou confissão, por
princípio da Igreja. Tudo bem! Mas avise ou mande avisar a Lampião que pra ele
e seus irmãos eu garanto vida. Mas não a dos cabras!
Sem mencionar
uma sílaba, o padre retirou-se.
Um mês depois,
após a celebração da missa, num lugarejo denominado São João dos Leites, o
vigário foi almoçar na residência de um fazendeiro chamado José Josino, e encontrou
Lampião, um pouco magro, bem recuperado, numa cadeira e com a perna atirada
sobre um tamborete, também convidado da casa e aguardando para fazerem a
refeição juntos.
Enquanto
preparavam a mesa, a conversa não podia ser outra.
O reverendo deu o retorno do oficial.
- Fico
pesaroso com isso! – desabafou Lampião.
O clérigo
então tentou remendar, procurando uma solução:
- Lampião, se
você e seus homens quiserem, poderemos ir para Recife e acertaremos com o chefe
da polícia em pessoa.
A esta altura,
a comida estava posta na mesa e alguém veio avisar os convidados e a conversa
foi interrompida.
Durante os
comes e bebes, após um longo silêncio, lampião proferiu seu veredicto sobre o
caso:
- Se vou pra
Recife, me matam no meio do caminho. Não vou trair os amigos que estão comigo
no balseiro. Agora tenho certeza de que é mais digno morrer de arma em punho do
que desmoralizado no xadrez. Seja lá o que Deus determinar pra mim. E continuou
sua saga sangrenta.
SOUZA,
Anildomá Willans de. Nem herói, nem bandido. [S.l.]: GDM, 2007. (Transcrição).
Página de Joel Reis
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