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quinta-feira, 19 de abril de 2018

LAMPIÃO TENTA SE ENTREGAR À JUSTIÇA


Por Anildomá Willans de Souza

Em março de 1924 – na Terra de Catolé, em Vila Bella – num tiroteio com a polícia, Lampião tem o pé seriamente ferido e teve de ser carregado dum jumento para a fazenda Saco dos Caçulas, na Paraíba, onde recebeu os cuidados dos doutores Severino Diniz e José Cordeiro, da vizinha cidade de Triunfo, em Pernambuco.

Depois desse ferimento os rastejadores facilmente identificavam o bando de Lampião, pois o pé esquerdo deixava a pegada muito torta.

Durante vários meses de tratamento, correndo o risco de ter a perna amputada, o corpo se debilitando em consequência das infecções, o mal estar dominando a si e aos que cercavam, com a vida num fio da navalha, não morrendo graças ao empenho dos dois médicos, fez com que mergulhasse numa carrasca depressão e em seguida, na fase final da cura, refletisse na possibilidade de entregar-se à justiça.

Expôs a pretensão ao Estado-Maior do bando – inclusive, por esse tempo, sua irmã mocinha e seu tio Venâncio, estavam presentes – e concordaram imediatamente alguns acertos, que passava pelo fato de muitos cangaceiros terem inimigos pessoais, fora da polícia.

O que fazer, então?

As autoridades viabilizarem condições dos cangaceiros saírem da região para tentar a vida noutras paragens. Não tinham como ficar nos sertões, onde os oponentes eliminariam na primeira esquina.

A próxima peça desse quebra-cabeça seria o padre José Kehrle, sacerdote alemão, que há quase dois anos assumira o paroquiado de Vila Bella e era amigo e confidente de Lampião.

Enviou uma carta ao jovem sacerdote, declarando seu desejo e as condições, incluindo garantia de vida para todos. E, por fim, combinar com o major Teófanes Tôrres, que indicaria as próximas etapas.

Ao receber a notificação do padre, o major esbravejou, dizendo que era muita petulância dos bandidos.

Pouco a pouco o oficial foi cedendo aos argumentos do religioso e por fim arrematou:

- É incrível como o senhor sabe onde essa gente se esconde! Se eu perguntar, com certeza, vai responder que como sacerdote não pode romper o sigilo ou confissão, por princípio da Igreja. Tudo bem! Mas avise ou mande avisar a Lampião que pra ele e seus irmãos eu garanto vida. Mas não a dos cabras!

Sem mencionar uma sílaba, o padre retirou-se.

Um mês depois, após a celebração da missa, num lugarejo denominado São João dos Leites, o vigário foi almoçar na residência de um fazendeiro chamado José Josino, e encontrou Lampião, um pouco magro, bem recuperado, numa cadeira e com a perna atirada sobre um tamborete, também convidado da casa e aguardando para fazerem a refeição juntos.

Enquanto preparavam a mesa, a conversa não podia ser outra.

O reverendo deu o retorno do oficial.

- Fico pesaroso com isso! – desabafou Lampião.

O clérigo então tentou remendar, procurando uma solução:

- Lampião, se você e seus homens quiserem, poderemos ir para Recife e acertaremos com o chefe da polícia em pessoa.

A esta altura, a comida estava posta na mesa e alguém veio avisar os convidados e a conversa foi interrompida.

Durante os comes e bebes, após um longo silêncio, lampião proferiu seu veredicto sobre o caso:

- Se vou pra Recife, me matam no meio do caminho. Não vou trair os amigos que estão comigo no balseiro. Agora tenho certeza de que é mais digno morrer de arma em punho do que desmoralizado no xadrez. Seja lá o que Deus determinar pra mim. E continuou sua saga sangrenta.

SOUZA, Anildomá Willans de. Nem herói, nem bandido. [S.l.]: GDM, 2007. (Transcrição).

Página de Joel Reis

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