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quarta-feira, 20 de junho de 2018

CANGAÇO EMPREENDEDOR: A BENDITA HERANÇA DE LAMPIÃO

Reportagem
Casa de Maria Bonita, em Malhada da Caiçara, distrito de Paulo Afonso/BA, virou museu.

Difícil dizer ao certo, mas a história de Lampião, Maria Bonita e seu bando foi tema de pelo menos 1.500 livros, segundo o autor de oito deles, o escritor, pesquisador e historiador baiano João de Sousa Lima. Além da literatura, cinema, poesia e TV, o cangaço e seus mitos deixaram ramificações no turismo, na música, por meio do xaxado, na gastronomia, na indumentária e na Medicina, com muitos remédios caseiros.

Piranhas (AL) /SerraTalhada (PE). A antiga Casa das Máquinas, da Rede Ferroviária, edificada na segunda metade do século XIX, que servia de manutenção e reparos dos vagões, é hoje o Centro de Arte e Cultura de Piranhas (AL). No local, é vendida a maior parte da produção artesanal dos municípios de Jatobá (PE), Poço Redondo (SE), Ponta da Folha (SE), e das cidades alagoanas de Pão de Açúcar, Delmiro Gouveia e Água Branca, além de Piranhas. Cerca de 80% de tudo o que é comercializado ali é relacionado a Lampião e ao cangaço, como chapéus, imãs, camisas, cintos, escorador de portas e centenas de outros artigos.

O Centro de Arte e Cultura funciona desde 2007 no local, onde trabalham sete pessoas da comunidade. "No início, a Prefeitura bancava os salários. Porém, com o passar do tempo, a verba foi cortada e a Associação Art Centro assumiu o negócio", conta Erisvaldo Souza Silveira, o Nei, supervisor do Centro.

"Nós sobrevivíamos da pesca, mas hoje é o turismo que banca a cidade de Piranhas. A fama de homem mau de Lampião atualmente traz benefício para milhares de famílias. Explorando sua figura, muita gente vive dignamente por meio da arte e do artesanato. Por mais contraditório que isso possa parecer, é a pura realidade", assegura Nei.

"Estou encantada com esse espaço aqui em Piranhas. O artesanato é de ótima qualidade. E o que mais me impressionou é que as peças, além de muito bem trabalhadas, são oriundas de vários municípios diferentes. O turista tem muitas opções", aponta a aposentada Maria Telma Dias.

A contradição é algo que salta aos olhos em Piranhas. Tudo pelo fato de o município reivindicar o título de cidade das volantes (força policial que atuava no interior). No Museu do Sertão, que funciona no seu Centro Histórico, a maior parte do espaço é dedicada aos policiais, que são mostrados como heróis no enfrentamento dos cangaceiros.

A monitora do Museu, Simone Souza Santos, garante que cerca de 3.500 pessoas, em média, visitam o local por mês, a maioria estudantes, variando na baixa e alta temporada. "Vem gente de todas as cidades brasileiras e de diversos países do mundo. Por mais que a história oficial coloque os cangaceiros como bandidos, a verdade é que as pessoas se interessam muito mais pela história deles do que pela ação repressiva da Polícia".

Dançarino do Cabras de Lampião, Luís Carlos Araújo Alves é bisneto do cangaceiro Zabelê.

Colecionador

Desde os 14 anos, o pesquisador Anildomá de Souza, 56, se interessa pelas coisas do cangaço. A partir daí, passou a colecionar livros, fotos, armas e outros objetos. Em 1990, decidiu reservar um espaço em sua casa para fazer uma espécie de museu caseiro. Cinco anos depois, criou o grupo de xaxado Cabras de Lampião. Em 2000,surgiu o Museu do Cangaço, que ocupa o espaço cedido pelo IPHAN, onde funcionou a antiga Estação Ferroviária de Serra Talhada.

"Quando começamos a receber as primeiras visitas, percebemos que as pessoas buscavam informações sobre outros aspectos relacionados aos cangaceiros. Isso direcionou mais ainda a nossa pesquisa. Procuramos saber, a partir de filmagens, fotos e depoimentos de pessoas que viveram essa época da nossa história como eles produziam música, poesia, como era a gastronomia e a Medicina no Cangaço. É impressionante como eles conseguiam tudo isso morando dentro do mato. Tinham tempo para lutar mas também para dançar, cantar, enfim, se divertir. Esse legado atravessou gerações. Costumo dizer que a nossa cultura tem o DNA de Lampião e do cangaço".

Conforme Anildomá, é difícil dizer até onde vai a contribuição do cangaço para a economia da região. "Não sei ao certo quantas pousadas e hotéis surgiram, rotas de visitação, artesanato, moda, literatura, cinema etc. Só aqui em Serra Talhada, existem seis grupos de xaxado. Por isso, tenho convicção que Lampião é a personagem mais biografada da América Latina, só perdendo para o Che Guevara".

Xaxado

Anildomá lembra que o xaxado, apesar de algumas controvérsias, foi criado pelos cangaceiros entre 1919 e 1920. "Os homens dançavam com suas armas. Primeiramente, para não serem surpreendidos, já que estavam prontos para atirar. Por outro lado, na época, as mulheres não tinham entrado no cangaço, o que só viria a acontecer com o ingresso de Maria Bonita".

O Museu do Cangaço, segundo a presidente da Fundação Cultural Cabras de Lampião, Cleonice Maria, é um dos mais frequentados de Pernambuco. Recebe, em média, cerca de 20 mil visitas por mês. "O Nordeste inteiro vem para cá. Recebemos grupos do Sesc, de escolas, universidades. No período de alta estação, abrimos todos os dias. Já recepcionamos aqui gente da Bélgica, Estados Unidos, Noruega, Itália, França, Alemanha e até da China, afora de todos os países da América Latina. O nosso público é formado, em primeiro lugar, por estudantes; depois, curiosos e, por fim, pesquisadores".

Para Cleonice, não resta dúvida que a movimentação na cidade de Serra Talhada e municípios vizinhos é incrementada graças à história do cangaço, em particular, a de Lampião e Maria Bonita. "Bares, hotéis, farmácias, mercados, táxis e aplicativos, enfim, o mercado se beneficia desse legado. Sem falar que o espaço do Museu antes estava completamente sujo, abandonado e depredado".
Teatro.

Pelo sétimo ano consecutivo, o espetáculo teatral "O massacre de Angicos: a morte de Lampião" será encenado ao ar livre. A direção é de José Pimentel. O texto é de Anildomá de Souza. O evento acontece sempre na última semana de julho, época da morte de Lampião, de quarta a domingo. "A encenação acontece aqui mesmo na Estação Ferroviária. Recebemos cerca de sete mil pessoas por noite".

Já na primeira semana de novembro, Serra Talhada realiza, no mesmo local, de quarta a domingo, o Encontro Nordestino de Xaxado. Interessante destacar que, nos últimos dois anos, grupos vindos das regiões Norte e Sul passaram a se apresentar no evento, que reúne cerca de 3 mil pessoas por noite. "Esse quantitativo deve ser incrementado já que, no segundo semestre, teremos voos diretos para Recife, que fica distante 420 Km de Serra Talhada".

LEIA AINDA:

http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/doc/cangaco-empreendedor-a-bendita-heranca-de-lampiao-1.1955256

http://blogdomendesemendes.blogspot.com/

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