Dona Luzia Carmina -Foto Ricardo Beliel
DONA LUZIA VIU A VOLANTE
MATAR SEU PAI
Pelos lados do Riacho do Mundé, distrito de Floresta, PE vive, há quase cem anos, Dona Luzia Carmina, num punhado de braças de terra, na mesma propriedade em que presenciou a morte de seu pai Antônio José de Souza, o caboclo Garapu, em 24 de Junho de 1927.
Em meio à sequidão, cria cabras e cultiva uma pequena horta de subsistência na companhia do filho, Zé Caboclo. Sua mãe era prima de três cangaceiros de Lampeão, os irmãos Marinheiro, e quando o bando passava por essas terras tinham o apoio que necessitavam. As roupas esfarrapadas, depois de curtidas por longos períodos na agrura da catingueira, eram trocadas por novas, feitas por sua mãe.
Certo dia, o primo Zé Marinheiro e outro cangaceiro, Sabiá, resolveram não acompanhar mais as andanças quilométricas e diárias do chefe Lampião, preferindo agir em dupla nos rincões do Capim Grosso e do Mundé.
Por um ano viveram amoitados nos espinhaços das caatingas para atacar e extorquir os que lá moravam. Certo dia atacaram as fazendas Panela D´Água e Tapera e estupraram sem piedade Marcolina e Lucia, que também costuravam, com a mãe de Luzia, as roupas encomendadas por Lampião.
Bêbados e sabedores do mal cometido, foram buscar refúgio com a prima de Zé Marinheiro. Carmina de Garapu implorou não poder ajudá-los, mas o tempo para as palavras foi de súbito substituído pelo medo da morte. Nesse momento, doze soldados da volante de Floresta já cercavam a casa. Zé Marinheiro iniciou o confronto com um tiro certeiro na cabeça de um soldado que avançava a poucos metros. Sabiá, da janela dos fundos, liquidou outro inimigo e logo em seguida também acabou com a vida do praça Sinhozinho, que comandava o grupo.
Em meio ao tiroteio, o soldado Zé Freire mal teve tempo de perceber Zé Marinheiro pulando através da porta com o fuzil engatilhado em sua direção. Sorte de um, azar do outro. A bala inimiga "bateu coco", falhou, e Zé Freire como um raio disparou um balaço explodindo o cérebro do cangaceiro.
Sabiá, um dos cangaceiros mais perversos de então, manteve o fogo contra Zé Freire e o soldado Zé Tinteiro até cair baleado no terreiro em frente à casa. Com fratura exposta na perna e as vísceras escorrendo para fora da barriga, destroçadas por balas volantes, morreu rodopiando na terra como um pião. Grunhindo como um porco sacrificado com o fuzil nas mãos a cuspir balas em todas as direções.
Dona Luzia nos conta que seu pai, o Caboclo Garapu, pressentindo sua morte, anunciada aos berros, findo o combate, pelo soldado Zé Freire em frente à casa, se despediu da mulher e dos sete filhos, caminhou em direção à porta e enfrentou o soldado rival.
Tentou um primeiro golpe com uma faca, mas em resposta levou um tiro fatal na cabeça. Luzia, com idade de sete anos, seus seis irmãos e a mãe morreram um pouco também naquele dia. Marcadas pela tragédia, continuaram na mesma casa por toda a vida, onde hoje Luzia nos recebe para compartilhar sua história. Com as feições enrugadas de uma pura índia Tuxá, confidencia com a voz afogada por um profundo desconsolo "nós fiquemos sem pai pra sofrer..."
Com informações de Ricardo Beliel, Luciana Nabuco, Marcos De Carmelita
Adendo de Joel Reis (Grupo Lampião, Cangaço e Nordeste)
Sabiá I - Morreu em Mata Grande - AL em 1922.
Sabiá II - citado no texto, Manoel, entrou no cangaço em 1923, participou do ataque à Fazenda Tapera, Combate da Serra Grande, do ataque a Mossoró... Morreu em 29 de junho de 1927 pela Força de Floresta. Encontraram no bornal dele as orelhas do Ten. Francisco Oliveira que havia sido sangrado no combate do Serrote Preto. (Esse é o Sabiá do Texto).
Sabiá III - Era da Família Engrácia
Sabiá IV - João Alves dos Santos (João Preto) de Poço Redondo - SE, morreu em combate na Fazenda Barra Salgada, Canhoba - SE, no final de 1937.
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