*Rangel Alves da Costa
“Creuzina, minha fia, vosmicê nem quera saber o que vi dizer. Mai eu bem sabia. Muié que quer ser séria demais dá nisso. Num é que me dissero que aquela mocinha que mora ali, aquela merma toda metida a sonsa, num passa de uma levantadera de saia, que num pode ver macho que arriba a saia...”. A outra logo arregalou os olhos e muito mais os ouvidos. Queria ouvir mais. Queria saber de tudo. “Conte, conte...”. Implorou à amiga.
Tudo para falar mentira, fofoca, aleivosia. A coitada da mocinha agora festejada pela boca maldita e maldosa, não passava de uma pobre criatura que outra coisa não fazia senão abrir a janela e sonhar com príncipe encantado. Quase não saía, não bebia, não dançava, não era festeira. De vez em quando folheava uma fotonovela antiga e se danava a entristecer com o final feliz que todo mundo devia ter. Menos ela.
De nome Florisete, a mocinha era uma verdadeira flor em desconhecido jardim. Dava bom dia ou boa tarde a todo mundo, mas não abria a boca para algo além disso. Não gostava de ouvir falar sobre a vida dos outros e muito menos cuidar sobre a vida de ninguém. Quando não estava à janela sonhando e sonhando, seu hábito mais costumeiro era ficar diante a penteadeira alisando os cabelos e se perfumando com Topázio ou Toque de Amor. Por dentro dizia que um príncipe encantado espera encontrar uma princesa bem linda.
A mocinha Florisete sequer imaginava o que falam dela, e exatamente por ser assim, tão comportada, tão quieta, tão caseira e sonhadora. E falavam mal não só dela como de toda mocinha que não fizesse por onde ser falada. Quer dizer, as fofoqueiras procuravam sempre macular a imagem daquelas que mais exemplificavam a mocidade distanciada dos modismos, das badalações, das coisas erradas e das perdições da vida. Como já não tinham o que falar sobre as conhecidas ou faladas demais, então se compraziam em difamar aquelas mais honradas que existiam.
“Vixe Maria, num posso aquerditá no que meus uvido num quiria uvi e uiviu. Sabe aquela mocinha fia de Creontina da Rua de Cima, aquela merma que sequer abre a boca pá falar? Comade, mai num lhe conto. Uvi de voiz das mais sera que aquilo ali é mais safada do que muié dos cabaré. Aquerdite, quem me contou até dixe que ela já embuchou pá mais de treis veiz. E tomem que ela é mais passada que inceradera. Tarvez seja purisso mermo que ninguém avista ela depois da boca da noite. Deve tá nos escondido das safadeza com um e com outo. E adespois quer ser mais era que todo mundo. Uma quenga, cumade. Num passa de uma quenga. E quem me contou é pessoa das mais sera...”.
Mais uma vítima da língua nojenta do povo, da gente que não tem o que fazer e vive pelas janelas e esquinas catando conversinha sobre a vida de quem sequer quer saber de suas existências. Desde o amanhecer ao anoitecer, e uma monte de línguas ferinas difamando mocinhas, falando mal de jovens, enlameando a vida de todo mundo. Muitas vezes, deixam os afazeres da casa para cuidar da vida alheia, deixam a panela queimar para ir atrás de fofoca e falar mal dos outros. Uma lástima que se estende por todo lugar e a cada dia procura fazer novas vítimas de suas maldades.
Assim, as cidades interioranas vão sendo povoadas por jovens e mocinhas difamadas. Quem nunca namorou e já é puta. Quem pouco sai de casa e já faz tudo escondido. Quem sempre se afasta das permissividades e logo é chamada de perdida, de vagabunda, de mulher de qualquer um. E não adianta mostrar a estas pessoas - fofoqueiras de impuras almas - que as pessoas merecem respeito e consideração. Não adianta. Tem que difamar a filha dos outros para o caso de suas filhas incorrerem em erros. E assim ter o direito de dizer que as outras fazem até pior.
Uma lástima!
Escritor
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