*Rangel Alves da Costa
A mata possui vida própria, já dizia o velho caçador. E mais que existência própria, sempre está povoada de mistérios sem fim. Ninguém desse mundo há de compreender o que verdadeiramente se passa ou que possa acontecer no seio da mata. Ela tem olhos, pulsações, todos os sentidos. E uma infinidade de nos seres que nela habitam.
A caçada é bom exemplo de como tudo pode acontecer. Todo caçador sabe que nunca depende somente de si mesmo para se sair bem nas suas caçadas. Sabe mais ainda que as matas sempre estão repletas de mistérios e segredos, e que estes vão muito além de qualquer imaginação.
Não adianta ser corajoso, destemido ou valente. A arma que carrega consigo pouca valia possui perante o desconhecido. Não raro que puxa o gatilho e nenhum efeito produz. Não é difícil que mire algo logo à frente e o tiro saia todo desconcertado. Por que?
Ora, as matas não pertencem aos caçadores e muito menos servem como matadouro de animais. As matas pertencem à natureza e são protegidas por seres e encantados que nunca se apresentam claramente ao forasteiro, ainda que de vez em quando a própria entidade se apresente.
Todo caçador que descuidadamente entre na mata, logo corre o risco de se arrepender nos primeiros passos. Ele não sabe, mas está sendo observado a todo instante. Os ocultos estão por todo lugar e nada do que ele faça deixa de ser sopesado pelos verdadeiros donos das florestas, matas ou caatingas.
Em cima da copa das árvores, por entre os tufos de mato, nos rasteiros das macambiras, nas locas das pedras, bem ao lado das veredas espinhentas, olhos atentos, afoitos e até raivosos, miram a todo instante. E se o caçador levanta sua arma e aponta em qualquer direção, então as forças se juntam em contra-ataque.
O caçador até que pode dar um tiro certeiro e derrubar sua presa. E assim sempre acontece quando ele já sabe o que deva ser feito antes de colocar os pés por ali. Rezas existem que abrem os caminhos e dão alguma proteção, amuletos existem que acreditam como guardiães contra todo o mal. Contudo, nada melhor que adentrar respeitando a natureza, principalmente os seres nas suas entranhas.
Os seres da natureza são de tamanha sabedoria que já conhecem aqueles caçadores que ali rastejam em busca do alimento do dia. Não entram na mata apenas para matar, para tirar a vida de seus habitantes. Muitas vezes, é a necessidade familiar que os impulsiona a pegar em armas para caçar nambu, codorna, passarinho, teiú, etc.
Contudo, mesmo sendo por máxima necessidade, sempre será bom que o caçador nunca se esqueça de levar um pedaço de fumo para a caipora. Ai dele se esquecer. Quando o encantado percebe o caçador e não avista o seu fumo em cima da pedra, ali deixado para o seu uso, então logo cuida de dar o troco. E é troco mais medonho que possa existir.
Muitos caçadores já sofreram terrivelmente por haverem esquecido o fumo do encantado. De repente e se sentem acossados, encurralados, amedrontados e sem mais saber o que fazer. Em seguida são açoitados, chibatados, até que caiam amolecidos pelo chão. O pior é que sabem que estão sendo açoitados e não podem se defender, pois sequer avistam o agressor. Apanham, apanham e apanham.
Desmaiam e ficam arriados do meio do tempo. Acordam depois de muito tempo e ainda assim sem saberem qual a direção que devem tomar. Muitos deles são encontrados perdidos na mata, lanhados, feito uns loucos esfarrapados. Parecem saídos de uma guerra, mas não, apenas por um esquecimento do fumo da caipora. Diferente ocorre quando a oferenda é farta. Perante o fumo, o encantado até mostra onde tem caça boa para ser abatida.
Os velhos caçadores conhecem bem os mistérios e os segredos da mata. Nunca se dispõe a caçar perante algumas situações. A própria mata avisa. As folhagens sopram os perigos, os ruídos da ventania sempre dizem que naquele dia não adianta. E o que insistir em enfrentar os avisos, logo adiante se terá diante daquilo que jamais quis encontrar.
Há um negrinho – e cuja história depois vou contar – que surge do nada de dentro dos pés de pau. Não passa de um metro de tamanho, todo pretinho e de cabelo mais parecendo uma porção de estrume escurecido, falando sem parar, mas numa linguagem incompreensível, que se posiciona perante o caçador para depois sumir após seu recado.
O que ele diz? Ninguém sabe, mas certamente que é melhor voltar dali mesmo. E que ali tem dono e precisa ser respeitado. Do contrário...
Escritor
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