Dia 16 de setembro de 2013, eu e Felipe Marques saímos de Paulo Afonso em
direção a Jeremoabo e de lá, já na companhia de Antonio Fernandes, nos
dirigimos até a cidade de Coronel João Sá, onde nos encontramos com o professor
Enoque Cardoso e Antonio Vieira, dois amigos que nos auxiliaram em uma pesquisa
sobre o cangaço apresentando pessoas e lugares que tiveram ligações com a história.
Dentre as várias entrevistas estivemos com Laurinda da Cruz de Jesus e podemos
ouvir dela o relato da morte dos cangaceiros Mariquinha, Pé de Peba e Xofreu (ou também chamado de Chofreu e Sofreu). As cabeças dos cangaceiros foram
levadas do local da morte no lombo de uma jumenta que pertencia a Maria da Cruz
Gouveia, que era mãe de Laurinda. A jumenta estava com poucos dias de parida.
A cangaceira Mariquinha foi uma das primeiras mulheres a entrar no grupo de
cangaceiros. Ela era prima de Maria Bonita, irmã de Zé de Nenê. Mariquinha
seguiu com o cangaceiro Ângelo Roque, o famoso Labareda.
Os cangaceiros foram cercados ao anoitecer pela volante do nazareno Odilon
Flor. Um dos soldados que estava presente nesse combate ainda encontra-se vivo
em Paulo Afonso, é o cabo Gérson Pionório. A seguir o relato que ele fez do
combate:
- Eu destaquei em Jeremoabo, Canindé, Canudos (fui delegado), Pilão Arcado,
Sento Sé, Remanso, Sobradinho, Casa Nova, Senhor do Bonfim, Juazeiro, Napele,
Tucano, Calda de Cipó, Urucí, Itabuna, Canavieiras, Canacá, Jacareci (fui
delegado), Euclides da Cunha (fui comandante), e Cocorobó (fui delegado).Gérson
passou pelas volantes de Pedro Aprígio, Aníbal Vicente, Zé Rufino e Odilon
Flor.
Quando serviu com Odilon Flor, participou do combate onde foram mortos os
cangaceiros Pé-de-Peba, Xofreu e Mariquinha. O combate aconteceu no Riacho do
Negro, em Sergipe.
A volante seguiu com o coiteiro nos rastros dos cangaceiros indo encontrá-los
às 23hs. O combate noturno travado entre 15 policiais e 8 cangaceiros foi
ferrenho. Odilon Flor saiu baleado nas nádegas, os cangaceiros tiveram uma
baixa de 3 componentes do grupo. Os policiais cortaram as cabeças e ainda à
noite as colocaram em um carro de boi e levaram pra Paripiranga. Na cidade, a
população pode ver as cabeças de Pé-de-Peba, Xofreu e Mariquinha. Gérson passou
a receber o soldo de sargento depois da morte dos cangaceiros.
Da residência de dona Laurinda da Cruz, depois de
saborearmos um doce de leite , partimos para conhecer o local das mortes dos
cangaceiros. Com o sol já se pondo fizemos uma viagem contra o tempo. O local
da morte dos cangaceiros fica na localidade conhecida por Serrote e pertence ao
Sítio do Quinto. Atravessamos muitas porteiras até encontrarmos com o
fazendeiro Gervásio de Carvalho Filho, que vinha montado em seu cavalo.
Conversamos um pouco com Gervásio e seguimos o trajeto, tendo ainda que abrir
várias porteiras e o sol cada vez mais sumindo no horizonte.
Chegamos até a última casa da região, propriedade de José Alves da Costa,
conhecido por Zé de Loló. Sem ele não teríamos conseguido chegar até as cruzes.
Convidamos Zé e ele seguiu no carro com a equipe enquanto Enoque e Vieira
seguiram andando. Deixamos o carro em um ponto e subimos o “SERROTE”.
Eu, Antonio de Juvininho, Felipe Marques e Zé de Loló chegamos até o local.
Transpusemos uma cerca de arame farpado e Zé de Loló saiu abrindo uma
trincheira, quebrando mato, desfazendo um emaranhado de cipós secos que fechava
o caminho. Aos poucos fomos chegando, o sol baixando. Conseguimos fotografar o
local e as cruzes. Mais um mistério estava desvendado, as cruzes de Mariquinha,
Xofreu e Pé de Peba surgiram para a história. Nos preparamos para retornar pois
a noite não demoraria a chegar. Pulamos a cerca de volta e descemos a serra. Ao
longe ouvimos as vozes de Enoque e Vieira. Dirigimos-nos até o carro.
Encontramos Enoque com uma vara na mão, pois acabara de ser atacado por uma
raposa e a arma encontrada no chão serviu de defesa. Colocamos Enoque na mala
do veículo e retornamos. Deixamos Zé de Loló em sua casa onde ele vive
solitário e pegamos a estrada de volta. Várias cancelas depois chegamos até o
povoado mais próximo. Nesse povoado fomos ver a capela onde estão sepultados
alguns sertanejos que foram mortos por Ângelo Roque como vingança as mortes dos
seus companheiros cangaceiros. Estão enterrados na capela os senhores Olegário,
Antonio e Constâncio. Seguindo essa vingança o Ângelo Roque ainda matou a
senhora Jovina que estava grávida de gêmeos. Jovina residia na localidade Logradouro
e era prima do cangaceiro Saracura.
Naquele intrincado e longínquo pedaço de chão baiano, a história deixou marcas
profundas, marcas de um tempo que o povo ainda tenta entender. Tempo que tem
sua compreensão fundamentada nas cruzes erigidas em lembrança de alguns
cangaceiros e de sertanejos que viram suas vidas envolvidas na história do
cangaço.
João de Sousa Lima
Historiador e escritor
Membro da ALPA – Academia de Letras de Paulo Afonso.
Membro de GECC – Grupo de Estudos do Cangaço do Ceará.
Paulo Afonso, 27 de setembro de 2013.
Zé de Lolo, João e Toinho de Juvininho
peafeitura de coronel João Sá
casarão do coronel João Sá em jeremoabo
João e Enoque com um dos entrevistados.
Enoque, João, Laurinda Cruz, Toinho e Vieira
João e Toinho com o filho de Laurinda
grande dificuldade pra chegar até as cruzes
a cruz da cangaceira Mariquinha
as cruzes de Mariquinha, Péde Peba e Xofreu (Chofreu)
o vaqueiro Gervásio indica o lugar das cruzes
a equipe atravessa o Vaza Barris
o encontro com Zé de Loló
enoque relata o ataque da raposa com um cajado na mão...
João de Sousa Lima às 15:44
http://bogdomendesemendes.blogspot.com
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