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sábado, 27 de outubro de 2018

UM POVO-PRESA DAS RAPINANTES

Rangel Alves da Costa


As aves de rapina ou rapinantes são muito perigosas. São vorazes, carnívoras, carnicentas, devoradoras, cruéis e insaciáveis. Basta saber o que fazem os abutres, os gaviões e os carcarás: pegam, matam e comem. Possuem bicos curvos, afiados, famintos e sedentos quanto os mais malvados punhais. E atacam precisamente perante as presas mais frágeis, mais desvalidas, já sem forças para reação ou defesa.
Pelos sertões, principalmente em tempos de seca grande, tais carnicentas possuem vítimas em fartura. Por todo lugar a um bicho só no couro e osso, há um animal caído, há um resto de sopro de vida para ser apagado de vez. Como exímias farejadoras, as rapinantes logo sentem o cheiro da morte e começam, lá do alto, a rondar suas presas. E num instante, em voos rasantes e velozes, já estarão enfiando suas garras, os seus bicos e seus punhais, pelos corpos estremecidos. O sangue jorra, as entranhas são abertas, o fim.
Um terrível e macabro festim, mas é assim que acontece. Quase um canibalismo animal. Ou será uma lei da sobrevivência levada ao extremo? A verdade é que depois do regabofe carnicento, e ainda com os bicos respingando vísceras, sangue e restos putrefatos, os voos são levantados para, muito acima das copas das árvores, os olhos de labaredas continuarem caçando outras vítimas. Insaciáveis, sempre querendo mais, de repente avançam umas sobre outras, e se matam e se devoram. E as que sobrevivem já estarão prontas para atacar novamente.
Sim, parece mesmo uma história macabra demais. Mas como já dito, é assim mesmo que acontece. Porém tudo pode ser visto de outra forma, com as rapinantes sendo transformadas em outras coisas e espécies muito conhecidas por todos. E também a presa, que deixa de ser o desvalido bicho para ser transformado em desvalido homem. Assim, de repente a própria seca pode ser a grande devoradora, o governante pode ser o grande predador, o político pode ser o mais terrível dos carnicentos. O sertão e o sertanejo como espécies fraquejantes que recebem os bicos afiados de tais visitas.
Sim, ser humilde, ser carente, ser empobrecido, ser necessitado, ser à desvalia, a presa está em ti. Sim, ser algoz, ser governante, ser do poder, ser mandante, ser político, ser poderoso, ser de desmedida voracidade, o predador está em ti. De um lado, o escravizado, o submetido, o subserviente, o enfraquecido, o fragilizado. E do outro, o senhor dono do mundo, o mandachuva, o carrasco, o capataz, o verdugo. E tantos bicos afiados, vorazes, ferozes, para estraçalhar vítimas que sequer podem se sustentar.
Há uma terrível selva. Seja nas relações político-eleitoreiras, empregatícias, de mando e autoridade, no cotidiano, há sempre um gavião querendo devorar um pobre trabalhador, há sempre um carcará querendo estraçalhar com um frágil humano, há sempre um gavião querendo abocanhar um desvalido, há sempre um urubu querendo destripar o que já não tem forças nem pra se sustentar.
Qual o valor que o do alto dá ao que está embaixo? Qual o respeito que o poderoso tem por aquele que vive à sua mercê? Qual a dignidade que o mandonismo oferece ao que vive como seu serviçal? São predadores devorando presas. Muitas vezes, não precisa ferir, sangrar, matar, mas tão somente tratar como escravo ou um reles aquele ser humano que deve, acima de tudo, ser valorizado e respeitado.
A verdade é que o desvalido sofre, padece, sangra. Mas a voracidade do predador nunca diminui.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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