Por Optato Gueiros
(Trechos do
texto introdutório ao livro "Lampeão - Memórias de um Oficial
Ex-Comandante de Fôrças Volantes" (3ª edição - São Paulo - 1953), do Major
da Polícia Militar de Pernambuco, Optato Gueiros.
*
Podemos
considerar Lampeão enquadrado no rol das vítimas da política do seu tempo.
... Política
dos "coronéis" armados que se degladiavam de quando em vez sob as
vistas complacentes dos aulicos do tempo que interferiam quase sempre não para
fazer justiça, mas para tirarem partido que falassem mais alto às conveniências
pessoais.
Colocou-se
Virgulino Ferreira ao lado da antiga família Pereira, do Pageú, que contendia,
pelas armas, com a não menos tradicional família Carvalho.
Surgiram as
primeiras desavenças entre a autoridade local e o futuro Lampeão que, vocacionado
para as armas, crescia em meio aos bandos armados. Mui cedo deu provas de
admirável capacidade tática e estratégica que assombravam os inimigos.
Todos os
"coronéis-barões" foram humilhados por Lampeão e, quase todos, com o
mesmo, firmaram acordos ditados pelo cangaceiro. Para que tivessem as suas
propriedades em segurança, sujeitaram-se ao triste papel de moços-de-recados de
Virgulino.
Podemos dizer
também, sem errar: Lampeão foi um instrumento nas mãos de Deus para executar
uma justiça que nem a polícia nem os juízes poderiam fazê-lo. Centenas de
facínoras foram expulsos da terra natal por Lampeão, enquanto igual número era
atraído para as fileiras lampeonescas, onde encontravam a morte ou a prisão. E
assim é que, somente em Pernambuco, foram mortos e prêsos mais de mil
cangaceiros pertencentes às hordas de Virgulino.
E, por esta
forma, a destruição dos tarados existentes no Nordeste foi total. Lampeão matou
mais indivíduos maus que já deveriam ter desaparecido do cenário dos vivos
desde há muito, do que mesmo inocentes. Por outro lado, as fôrças-volantes
abatiam impiedosamente elementos que se incorporavam aos grupos do rei do
cangaço.
Somente os que
perseguiram Lampeão podem dizer algo a respeito da refinada astúcia,
inteligência, resistência física e bravura do mesmo. Pressentia a aproximação
das fôrças como um cão de caça. Muitas tropas, ansiosas por um encontro,
passavam às vezes, mais de um ano sem poderem fazer contato com o bando por
Lampeão comandado.
O seu grupo
oscilava de 60 a 100 bandoleiros, fracionado em pequenos bandos de 8 a 12
homens que agiam num raio de 50 léguas (...).
Lampeão era
homem de uma índole cruel, verdadeiramente tigrina. Assassinou para mais de
1.000 pessoas, incendiou umas 500 propriedades, matou mais de 5.000 rezes;
violentou mais de 200 mulheres e tomou parte em mais de 200 combates, aqui no
Pernambuco e nos seis Estados nordestinos. Foi ferido seis vezes em Pernambuco.
Em 1928, atravessou para a Bahia.
Com seis
homens sòmente, chegou à Bahia extenuado e descarnado.
(...)
Foram muitos
os atos de bravura que praticou, assim como inúmeros também os feitos de
covardia e os de revoltantes vilezas e crueldades inomináveis. Revelava-se
admirável no comando e com rara energia dominava as feras humanas que compunham
os seus bandos, como se fossem tenros cordeiros.
Fisicamente
era Lampeão insuperável. Esgotou centenas de perseguidores enquanto que ele
aparecia, ao fim de cada jornada, sempre mais disposto.
Desvendou os
segredos das caatingas desabitadas de seis Estados, a pé, e procurou devassar o
imenso Raso da catarina, na Bahia, e por pouco não morreu de sêde com os seus
cabras nesse Saara baiano.
Na intimidade
da sua gente, nada tinha que se parecesse com a fera descoraçoada e bravia, tal
como se apresentava em suas eternas rázias em busca de mais e mais dinheiro,
que acumulava em suas bolsas e bornais.
Para Lampeão,
a vida de um homem nada significava. Fez, entretanto, muitos prisioneiros -
soldados, cabos e até mesmo um coronel da Polícia Militar de Pernambuco - e os
soltou, deixando-os ir em paz.
Era Lampeão um
mundo de contrastes, um complexo enigmático e um gênio ao repontar na vida.
Major Optato
Gueiros, 1953.
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