Por Raul
Meneleu
Manuel Neto,
certa vez, foi encontrado por Gérson Maranhão perambulando pelos areais do
Moxotó, acompanhado apenas de três homens armados.
Você não tem
medo de andar assim com tão pouca gente? Perguntou-lhe Gérson.
Não respondeu
ele. Nada tenho a perder na vida. Não quero mesmo viver. Só quero é morrer e o
mesmo pensam os três que me acompanham. Ninguém de nós quer viver, mas só
morrer.
O mesmo dizia
o sargento Moisés, do povoado Bezerros, então pertencente ao município de
Salgueiro (hoje Verdejante). Tornou-se ele, por questão de vingança, grande
perseguidor de Lampião: "Meu desejo não é viver, mas morrer" dizia
ele.
Também o
sargento Lero (Aureliano de Sousa Nogueira), de Nazaré e perseguidor de
Lampião: "Os nazarenos não tinham outro jeito, ou se acabar nas unhas de
Lampião ou se acabar brigando com Lampião."
O que Lampião
fez para esses valentes policiais lhe devotarem tanto ódio e perseguição? E por
que reservei o nome desse artigo como "Justiça abandonada por falta de
justiça"? se todos nós sabemos que Lampião era um facínora covarde e fez
muita miséria por onde passava nos sertões nordestinos? Existiu algum momento
dele ter uma vida social de honestidade e exemplo de cidadão pacato e cumpridor
das leis?
Para seus
cabras Lampião era um ídolo. Tinha a força de um mito. Para isso contribuía sua
conquistadora personalidade, excepcional inteligência, espirito de liderança irresistível, genialidade guerrilheira, profundo misticismo religioso e outros
carismas notáveis. Além disso o modo como dirigia o grupo: rigorosa moral,
exemplo de honestidade, espírito de justiça, energia de autoridade, alegria e
fraternidade. Dai por que nunca faltaram cabras que o seguisse e verdadeiras
feras humanas, sendo de todos eles senhor absoluto, da vida e da morte. E para
se explicar por que ele dominava dessa forma podemos ver algumas de suas
decisões:
por motivo de
traição, matou Mourão...
por razão de
falta de respeito moral, matou Cacheado, matou Sabiá...
Quando viu que
não havia mais jeito de cura, matou outro Sabiá, o cabra que tinha sido baleado
no combate de Mata Grande, e que vinha sendo conduzido numa rede, por léguas e
mais léguas, por vários dias na direção do Navio.
Lampião
condoía-se da pobreza. Segundo se conta, quando era almocreve, fazia questão de
não deixar passar, sem sua ajuda, um esmoler ou necessitado.
No cangaço exercia
a prática de enfermeiro, dentista (extrações à ponta da faca!) e parteiro.
Por toda parte
favorecia os pobres, quer como produto dos saques, quer com dinheiro.
Tanto assim
que os cantadores nas feiras, o exaltavam pela justiça que exercia com equidade.
Mas o mundo
inteiro ficaria abismado diante de suas legendárias gestas dilacerantes, hora
agindo com loucura vingativa, hora com pendores de honestidade e bondade, se
bem que essa última afirmativa fosse infinitivamente inferior em quantidade de
atos em relação à primeira. Mas sabemos que os cantadores de feira focavam mais
suas estórias nos predicados de homem revoltado pelas injustiças a ele
acometidas e seus feitos mitológicos e quixotescos. Se bem que entrava também o
medo de falar mal do cangaceiro. Sabe lá se teriam um encontro com ele nas
estradas e caminhos?
Virgulino
Ferreira da Silva, Lampião, celebraria em famosa poesia, para agregar mais
ainda a construção de um mito, suas palavras de protesto em forma de endechas,
sua grande decisão de viver do outro lado da lei. E isso era bastante
compreensível pelo sertanejo pobre, que constantemente era empurrado para o
paredão das injustiças que eram submetidos naquele caldeirão cultural onde o
direito pendia para os afortunados:
"Por
minha infelicidade
Entrei nesta
triste vida
Não gosto nem
de contar
A minha
história sentida
A desgraça
enche o meu rosto
Em minha alma
entra o desgosto
Meu peito é
uma ferida.
Aí peguei nas
armas
Para a vida
defender
Perseguido,
aperriado,
Vi que era
feio correr,
Vi a desgraça
no meu rosto
Então senti-me
disposto
Matar para não
morrer".'
Foi um
alvoroço geral quando os cantores cordelistas levaram essas palavras de
Virgolino Ferreira, entoadas num choro sentido, pela escolha que o ídolo
fizera, praticamente por imposição de uma casta dominante, que não aceitara por
inveja, esse rapazinho de inteligência fora do comum e que sobressaía-se nos
eventos sociais, onde as mocinhas o olhavam admiradas por sua postura de corpo
e inteligência. Era poeta, músico, ótimo como domador de cavalos, bom vaqueiro,
excelente artífice do couro, bom negociante, excelente almocreve, fino e
educado, religioso e respeitador. Essa era a imagem lembrada por todos que o
conheciam.
Sim amigos, os
cantadores de feira eram os portadores das palavras do povo que em
reconhecimento proclamavam Lampião com o epíteto de "Santo":
"O Santo
Lampião,
Era um homem
bem devoto
Só andava pelo
voto
Do Padre Cirço
Romão
O Santo
Lampião
Era um home
bem querido
Ele era
protegido
Do Padre Cirço
Romão
Quando o pai
dele foi morto
Depois é que
não sabia
O Santo disse
um dia
Precisamos nos
vingá.
Lampião é
inteligente
Que o povo bem
já se vê
o Santo
adivinhou
Até o dia de
morrê."
Sim amigos,
esse era o mundo injustiçado e abandonado em que viviam os deserdados em sua
pobreza infinita, onde os meninos e meninas acordavam com olhos remelentos e
pregados, como se fosse providência divina para não enxergarem a pobreza em que
viviam, onde até mesmo a água para desgrudarem as pálpebras era difícil.
Era o mundo pesado
caindo nas costas daquele povo sofrido e injustiçado, onde para fazer justiça,
a força das armas eram o revide para ofensas de toda sorte; injúrias, traições,
pagamento de dividas e de salários, etc., eram resolvidos pela força e o crime
de homicídio era avaliado
naquele sertão
de "deus dará" pela balança dos malfeitos cometidos. Era a justiça do
povo.
Num mundo
abandonado como aquele do sertão, absolutamente carente de justiça, Lampião
iria aparecer, como um enviado quase hierático, reconhecido e consagrado pelo
povo, para fazer justiça: ofensas de donzelas, resoluções de casamento,
pagamento de dividas e de salários, etc, eram resolvidos por Lampião por onde
passava e que fazia questão de ser sempre justa, pois era definitiva, aceita por todos sem discussão. Conta-se que até mesmo crimes de
homicídio anteriormente tão freqüentes, rarearam, porque Lampião seria chamado
como juiz. Os rapazes pensavam duas vezes em mexer com uma moça donzela.
Um fato para
ilustrar, colhido nos carrascais secos de Custódia, pelo padre Frederico
Bezerra Maciel, conterrâneo de Lampião, onde este assunto surgira espontâneo e
forte, pois ainda menino, fixou-se, não porém, como obsessão ou mesmo
preocupação, mas como estudo pois era admirável e lhe despertara perguntas - "Quem
é este homem para ser tão perseguido?” Perguntas como essa voejavam de sua
mente e se misturavam ao apito nervoso dos trens que via, bufantes, fumacentos
e poeirentos, transportando tropas volantes, ao toque estridente de cornetas,“
em demanda do sertão” o campo de batalha da Guerra de Lampião, onde recolhi
dados para esse artigo; sua sextologia LAMPIÃO, SEU TEMPO E SEU REINADO:
Seu Capitão e
meu Padim, vim aquí pru mode tão dizendo que foi eu que buli com a moça, mas
não foi eu não.
Me diga, zé
Júlio, fale a verdade, você é meu afilhado. Só dou proteção dentro do direito e
da justiça.
Juro meu Padim
e Capitão, a moça já tava bulida.
Lampião depois
de se inteirar rigorosamente, através de testemunhas, do caso e da
inculpabilidade do afilhado, pune por ele, sentenciando peremptoriamente ao
pai:
Trate de casar
sua filha com outro. E não toque em Zé Júlio, que não deve nada à honra dela.
E José Tiago
da Silva, vulgo Zé Júlio, livrou-se de um casamento forçado à ponta de faca.
Mais tarde, mudou-se ele para Belo Jardim onde se casou com D. Coleta Cirino.
Matutão jeitoso e bom, tornou-se industrial de laticínios e fazendeiro, além de
gostar de politica, chegando a ser prefeito municipal.
Lamplão
tornou-se nome internacional e manchete obrigatória nos maiores jornais do
mundo, "New York Times"; "Paris Match" e em Buenos Aires o
"La Nación"
Não admira que
a Enciclopéia Britânica, na sua edição brasileira BARSA, Ihe tenha dedicado
verbete especial e na internet, pesquisa do portal Google, com milhares e
milhares de páginas sobre ele, onde numa barafunda de histórias e estórias
contam e inventam casos dele.
O poeta
popular João Martins de Ataide, no folheto de sua autoria "Os projetos de
Lampião", põe na boca de Lampião a seguinte sextilha:
"Muita
gente no Brasil
Tem grande
ódio de mim,
Outros julgam
que eu nasci,
Somente para
ser ruim,
Alguém está
enganado,
Eu vivo nisto
obrigado,
Mas nunca fui
mau assim".
Então meus
amigos, cheguei a conclusão que ninguém nasce ruim. Lampião foi levado àquela
vida por fatos poderosos que talvez possa até ter tido inversão se tivesse sido
assistido pela justiça dos homens. Mas, sabemos que esta é falha pois como diz,
é a justiça dos homens! Agregado a isso, tem a questão do ego humano, o orgulho
exacerbado das partes contribuindo para o crescimento da raiva e da dor. Além
disso tem o mal uso das autoridades, de um poder que achavam ser ilimitado. E
quem poderia ser contra?
Vemos assim
que até certa época da vida de Virgolino Ferreira, podemos dizer que era a de
um rapaz comum, com seus almejos normais, dentro dos limites impostos a todos,
pela imposição de uma sociedade imaginada, onde prevalecesse as regras
independente do dinheiro e poder. Mas nunca foi igualitária, até os dias de
hoje, mas houve melhorias. Mas isso não absolve Lampião. Poderá até absolver
Virgolino. Mas nunca poderá absolver Lampião, pois sua conduta mesmo enaltecida
em eventos humanísticos que são poucos, abate-se sobre ele a mão pesada da Justiça
por sua vida de crimes e violência.
RAUL MENELEU
https://www.facebook.com/josemendespereira.mendes.5
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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