*Rangel Alves da Costa
Este texto está sendo iniciado exatamente às 17h10min deste domingo de tempo entre o ensolarado e o nublado em Poço Redondo, Sertão Sergipano do São Francisco. E está sendo escrito em local mais que inusitado, pois bem defronte ao Riacho Jacaré, afluente do São Francisco que passa ao redor da cidade. Daqui de onde estou, passos de apenas cinco metros já bastam para alcançar as margens molhadas.
A verdade é que recentemente construíram um bar quase dentro do riacho. Somente hoje de manhã, assim que aqui me dirigi para avistar as águas muitas que chegaram com as chuvaradas nas cabeceiras, é que me deparei com tal construção. Tudo bem. E é numa de suas mesas que estou agora para descrever, com o olhar dividido entre o teclado e as águas que passam. Aqui retornei exatamente para comparar o volume de água do amanhecer e de agora, já depois das cinco da tarde.
Pois bem, hoje de manhã, um pouco acima das oito horas, e assim que eu soube das águas muitas que haviam chegado, logo para cá me dirigi. Momento único e encantador, novamente poder avistar o Jacaré largo, grande, despontando como veia molhada em pleno sertão. E também quase um espanto, principalmente ante a situação lamentável que ele apresenta no seu dia a dia. Um rio muito diferente daquela feição antiga, de pedras grandes, de poços fundos, de águas limpas ao banho logo depois das primeiras cheias. E agora apenas um leito seco, sujo, cheio de focos de enfermidades que se acumulam nos empoçamentos.
Mas a natureza é dadivosa, e também surpreendente. De repente, quando menos se espera e as águas começam a surgir em profusão, fortes, afoitas, vindas das distâncias de suas nascentes. E que espetáculo maravilhoso então se faz. As águas muitas tomam os limites do leito, levam restos apodrecidos acumulados, passam por cima de cercas, destroem arames, espalham os garranchos secos e as ossadas de animais, e vão seguindo adiante, como se dissessem que ali, ali no leito do rio, as correntezas é que ainda comandam a vida, ainda que apenas de forma passageira. E assim por que, acaso novas chuvaradas não caiam nas cabeceiras, em menos de uma semana já estará completamente seco.
As águas, sendo novas e de primeira enchente, ainda estão sujas, enegrecidas, barrentas. Somente após a terceira enchente é que se tornam limpas e prontas ao banho, acaso o sertanejo ainda faça como antigamente, quando o banho no riachinho era verdadeira festa desde o alvorecer. Contudo, mesmo barrentas e sujas, as águas passando, escorrendo, seguindo seu rumo, tornam-se verdadeiro encantamento ao olhar. E não somente a visão de momento, mas também a nostalgia que chega, a memória que começa a chamar retratos antigos do mesmo riachinho. Tais recordações, numa junção de passado e presente, acabam trazendo alegrias e tristezas.
Hoje cedo o riacho estava mais forte e volumoso, mais ondulado e até de perigosa passagem. Agora, já se aproximando das seis horas da noite, o volume é menor e de maior mansidão, mas ainda assim com água muita ante o ontem e os dias passados. Com a noite se aproximando, o que agora se avista é uma paisagem de sentimentalismo ao olhar sertanejo. Quem conheceu o riacho noutros tempos, quem também conheceu seus dias de magreza e sofrimento, a visão de agora serve não só de lento e esperança, mas principalmente de certeza que este sertão continua dadivoso sem igual.
Instantes já passaram e já saí de lá. Agora estou aqui imaginando aquela paisagem. E nela o reencontro de talvez amanhã.
Escritor
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