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segunda-feira, 29 de abril de 2019

FILHOS DAS ÁGUAS

*Rangel Alves da Costa

Ao longe, pela curva do rio, o beiradeiro avista o passo das águas. Ela já passou, desde muito que já passou, mas são aquelas novas avistadas que provocam encantamento. Mas por que assim?
Ora, o Rio São Francisco de agora já não é o Velho Chico de outros tempos nem do passado mais distante. Sua feição é outra, sua face é bem outra daqueles idos de pujança e ribeirinha grandeza.
O ribeirinho espanta-se, alegremente espanta-se pelo simples fato de mais uma vez ele estar despontando além da curva e lentamente passando perante olhares de preces e gratidão. “O rio não morreu não, ainda vem, ainda está vivo!”. Diz o beiradeiro extasiado de comoção.
Em Bonsucesso, povoação ribeirinha e sertaneja de Poço Redondo, nos sertões sergipanos, talvez esse espanto bom seja maior que noutras ribeiras mais acima e mais abaixo. E somente pelo fato da devoção sem igual do seu povo pelo rio.
Sim, as águas são de todos, mas parecem surgidas de nascentes do povo de Bonsucesso. As águas são franciscanas, são ribeirinhas, nos espelhos molhados e resplandecentes do Velho Chico em Bonsucesso. Bom sucesso, Bonsucesso!
Que tenha bom sucesso no viver às margens deste rio que se alonga como veia de vida! Assim se dizia nos velhos tempos e quando nem as carrancas apareciam nas proas para amedrontar e dar sumiço aos espíritos ruins das águas.
Os tempos eram de nascedouros das aldeias ribeirinhas, das vilas de pescadores, das comunidades aos pés das correntezas. O rio correndo e escorrendo ainda virgem de leito, de pujança de vida, de caudal grandioso.
Pelas ribeiras acima, aqueles antigos habitantes no convívio com as águas, com os seres do rio, com dias de fartura e de simplicidade. Barco pequeno tinha medo de tanta água ao redor. Canoa pequena logo cuidava de respeitar cada curva adiante.


Em tudo uma imensidão remansosa, parecendo mansamente suave por cima e de segredos e desconhecidos por baixo. Os peixes chuviscavam, dançavam, pulavam. As redes lançadas sempre voltavam em cardume.
O ribeirinho feliz imaginava que teria o rio assim para a vida inteira. Muita gente pensou ser assim também. Pensou até que começou a perceber estranhezas naquela fartura de águas.
Aos poucos, toda aquela imensidão começou a estreitar. Num passo e noutro, de repente o rio parecia emagrecido, mais fraquejado, doente. Então os olhos já não podiam negar: o Velho Chico já ossudo, raquítico, ele mesmo faminto e sedento.
Perante as situações de esvaimento e tristeza nas águas rasas, e acaso as lágrimas ribeirinhas derramadas pudessem, certamente as gotas de aflição escorreriam e lá embaixo e se juntariam às outras águas.
Outro dia, a ribeirinha Erionésia Correia postou uma fotografia de seu filho caminhando pelo leito seco em direção a uma ilha mais adiante. O menino, como se não estivesse acreditando naquilo que via e pisava, então lançava um olhar desalentado e entristecido.
Os tempos passaram e o menino continua convivendo com o rio e de vez em quando muito mais feliz quando as águas vão chegando muitas e o leito novamente se enche de vida. Quando isso acontece, então o filho de Erionésia chama os seus amiguinhos e juntos brincam nos beirais com seus barquinhos.
Ao redor, outros barcos maiores aportados. Um retrato da infância e da meninice ribeirinha ensaiando a vida no seu próprio mundo, e na esperança que as águas fartas passando mais adiante ainda possam ser avistadas mais tarde.
Quando aqueles barquinhos se transformarem em barcos grandes e canoas potentes e os meninos se tornarem em ribeirinhos felizes, então terá valido a pena esperar pela salvação. Talvez assim aconteça.
Quem sabe as forças da natureza salvando o rio e também o futuro de muitos que ainda estejam vivendo e convivendo com suas ribeiras. Que o rio seja salvo, que tenha bom sucesso, ou Bonsucesso!

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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