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segunda-feira, 15 de abril de 2019

VIRGULINO LAMPIÃO: LUZ, CÂMERA, AÇÃO!

*Rangel Alves da Costa

Lampião, o Virgulino Ferreira da Silva, foi múltiplo, diversos, várias pessoas num único homem. Foi herói, foi bandido, foi devoto, foi cruel, foi temido e também impiedoso. Foi liderado e foi líder, foi sofrido e algoz do sofrimento, foi amigo e inimigo, foi perseguidor e perseguidor, foi desumano e amoroso.

Foi Capitão, foi general, foi estrategista, um mestre da guerra, um vitorioso e também um perdedor. Mas foi principalmente um grande ator, senão o maior personagem criado para representar a si mesmo. Até hoje se tem prova do quanto ele conduzia os holofotes ao seu brilhantismo.

Sua astúcia era tamanha, sua visão de mundo era tão exacerbada, que ele mesmo protagonizou o cangaço como arte, beleza e suntuosidade. O fotógrafo e cineasta Benjamim Abrahão serviu apenas para registrar seus desejos de estrelismo. Era o próprio Lampião que teatralizava as ações que até hoje são conhecidas em películas e fotografias.

Ao mesmo tempo ator, diretor e produtor, Lampião ensaiava cada postura, cada gesto, cada encenação. Criou situações inexistentes de combate, fez o bando gesticular segundo suas ordens, procurou a pose ideal para cada cena ou cada fotografia. Mandou ensaiar bailes e depois filmar a festança. Benjamim filmava ou fotografava aquilo já ensaiado, premeditado, anteriormente concebido para o sucesso posterior.

Outro dia, alguém comentou num retrato onde havia um coiteiro de costas e recebendo algo das mãos de Lampião, que aquela situação retratada dizia sobre a necessidade de ocultação do rosto do mateiro sertanejo. Coiteiro não podia ser conhecido para não ser perseguido e colocar todo o bando em perigo. Tudo isso verdade, mas também verdade que o retrato não fora apenas obra do acaso da lente de Benjamim Abrahão, e sim da ordem dada por Lampião. E certamente para fotografar o coiteiro de costas e sua mão estendida naquela direção. E aí o recado implícito: “Eis a serventia do coiteiro: ser mensageiro das ordens do Capitão”.

Perante os retratos surgidos durante o após o fim do cangaço, quase todos de impecável postura, há de se imaginar que muito filme foi jogado fora, que muita fotografia foi ou rejeitada ou censurada por Lampião, muito registro simplesmente se tornado em cinzas. Até mesmo as imagens mais cotidianas do cangaço nasceram de prévio consentimento. Por isso mesmo que situações mais íntimas não foram propaladas como reflexo daquela realidade cangaceira. Muitos são os sorrisos, as poses de armas em punho, as demonstrações de galhardia daqueles homens do sol.


Ora, Lampião sabia do poder da imagem e, por isso mesmo, tudo fez para exteriorizar não só própria imagem como a do cangaço como um todo. “Hoje vamos filmar uma dança”, dizia. E a cena saia perfeita. “Amanhã vamos filmar como se o bando estivesse pronto ao combate ou guerreando nas caatingas”, e assim era feito. “O mundo tem que conhecer nosso modo de viver além da luta, e por isso mesmo quero um retrato de Maria bem sentada e eu em pé lendo um jornal, com cachorros ao lado”, e depois disso a imagem ganhou mundo e fama.

Por que Lampião fazia assim? Por diversas razões, mas todas com declarada intencionalidade. Procura mostrar o cangaço e ele próprio num contexto bem diferente da feição negativa estampada nos jornais. Tenciona mostra os cangaceiros como pessoas comuns, alegres, brincalhonas, desmitificando as versões de seres cruéis e sanguinários. Quando aparece com armas em punho e em posição de combate, apenas para dizer que estamos sempre em prontidão e que sabemos lutar.

Quando um grupo maior se reúne para fotografias, as ideias são de mostrar a comunhão cangaceira e a suntuosidade nas vestimentas e armamentos. Em tudo, o objetivo maior é o de impressionar, de mostrar o cangaço como algo grandioso e que deve ser temido e respeitado. Por consequência, afastar o senso de negatividade impingido àqueles homens das caatingas e carrascais nordestinos.

Neste sentido, a estratégia de marketing pessoal de Lampião foi de reconhecido brilhantismo. Cada fotografia de hoje impressiona, cada película encontrada desperta mais atenção, cada situação registrada faz nascer novas indagações. E Lampião queria isso mesmo, queria assim mesmo. O Capitão do Sertão sabia que sua eternidade dependia da imagem que deixasse. E o que deixou registrado é deveras impressionante.

Logicamente que o fotógrafo não entraria no meio dos combates para registrar os feitos cangaceiros. Impossível fidelizar as imagens da luta, do sangue derramado, da vitória ou da derrota, se a intencionalidade maior era mostrar o cangaço humanizado até na valentia, mostrar que viviam de um jeito muito diferente do imaginado pelos citadinos. E tal preocupação é fruto exclusivo de Lampião. Sua larga visão impôs ao mundo exterior a imagem que quis sobre o cangaço.

A maestria de um homem tão conhecedor de seu tempo e destino que logo se preocupou em erguer seu próprio pedestal. E de lá de cima ficar observando - ainda hoje - o mundo inteiro tentando desvendar seus segredos e mistérios, sua vida e sua imortalidade.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com


http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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