*Rangel Alves da Costa
Criança não mente, assim o ditado. Por isso mesmo aquela criança, aos dez anos, talvez tenha visto mesmo Jesus subindo no pé da goiabeira, e ela dizendo, lá do alto da árvore frutífera, que o filho de Deus não subisse, pois, além de poder escolher uma fruta bichada poderia despencar lá de cima. Ou mesmo que seria mais proveitoso procurar outro quintal onde não houvesse criança trepada, e sim adultos cometendo iniquidades contra os frutos da vida.
Criança não mente. Isso tudo pode ter sido verdade. Como Nossa Senhora apareceu às crianças de Fátima, talvez Jesus tenha mesmo aparecido àquela menina que já estava no alto do pé da goiabeira. Estranhamente, contudo, ele não apareceu flutuando entre os espaços, e sim como pessoa qualquer que se esforçaria para chegar lá no alto. Mas se a menina o viu subindo no pé da goiabeira então é verdade. O que a criança não disse foi que ele subiu, mesmo com os conselhos dela para não subir, e lá do alto pronunciou “O Sermão da Goiabeira”.
Bem poderia ter sido assim, e por que não? Se Jesus pronunciou no alto do monte o Sermão da Montanha, bem que poderia ter pronunciado também o Sermão do Pé da Goiabeira. Coisa mais inusitada, contudo. Naqueles dias tão diferentes dos dias de apóstolos e evangelistas, dos desertos escaldantes e de pecadores assim se reconhecendo, ao invés do alto da goiabeira aquela visão surgida bem poderia um megafone, um púlpito ou um microfone com potente caixa de som. Mas parecia lhe servir somente a goiabeira.
A menina, contudo, achou melhor não dizer nada sobre o tal sermão. Por que teria sido tal esquecimento? Ora, fato tão importante jamais deveria ter sido esquecido. Mas ela esqueceu. Será que foi proposital? Não, pois se acredita que criança não mente. Será que o orador esperava que surgissem outros ouvintes, talvez uma multidão acorrendo até ali para ouvir suas palavras, ou se contentaria em ecoar lições sagradas somente àquela escolhida? Por que escolheu logo essa menina que apenas falou da visão e de nada sobre o que foi dito?
Mas quem será essa menina que aos dez anos já gostava de subir ao pé da goiabeira e lá do alto ficar observando o mundo ao redor, e principalmente quem desejava também subir? O que ela estava fazendo lá em cima? Será que a menina estava esperando que a goiabeira crescesse cada vez e, subindo e subindo, ela ultrapasse as nuvens e achegasse ao céu? Que menina mais levada. Será que foi por isso que ao descer jamais foi a mesma e até hoje é tida como a insanidade em pessoa? Que maluquice dessa menina. Por que Jesus iria subir logo na goiabeira já ocupada por ela?
Mas Jesus foi subindo, ela disse. Mesmo contra sua vontade ele foi subindo. Que perigo de queda. Ora não é toda goiabeira que suporta o peso de duas pessoas lá em cima. Mas ele, talvez com a leveza de pluma, foi subindo. Então que se imagine, lá no alto, em pé e com os galhos e folhagens se abrindo ante suas palavras, o Jesus da goiabeira ecoando ao mundo o seu sermão:
“Aqui do alto da goiabeira e então chegado não para falar a multidões, e sim apenas a esta menina que mais tarde, acaso seu tino mental não seja mudado, será a voz expressando todas as asneiras do mundo, e que ainda assim, desconcertada e desnorteada de tudo, será acreditada pelos governantes.
Aqui do alto da goiabeira, mesmo que eu tivesse milhões de palavras e lições às multidões, aqui estou com objetivo maior de pouco dizer, ainda que eu tenha a certeza que jamais serei entendido por um pouco juízo que logo ali está e mais tarde testemunhará para dizer asneiras sobre a minha presença. Ora, quem já viu dizer que um escolhido para a salvação do mundo corresse perigo ao subir numa goiabeira?
Bem-aventurados os que desprezam as sandices saídas de bocas igualmente insanas. E mais aventurados ainda aqueles que não se deixam levar por invenciones de goiabeiras, de mamoeiros, de mangueiras, de qualquer árvore que passe a simbolizar deslavadas mentiras. Aventurados aqueles que sabem distinguir o joio do trigo, o que, aliás, esta menina não sabe fazer agora e nem jamais saberá.
Bem-aventurados aqueles que não deem ouvidos às maluquices que mais adiante serão ditas por esta menina. Mais tarde certamente ela será capaz de dizer que o mundo vive uma ditadura gay, que existem motéis para homens fornicarem com animais e que a escola passará como lição de casa o dever de beijar meninos. Uma pessoa que diz asneiras assim jamais poderá ser acreditada neste ou noutro mundo.
Bem-aventurados os que desprezarem declarações do tipo menino veste azul e menina veste rosa, ou menino será príncipe e menina será princesa. Mais aventurados ainda aqueles que, ao invés desta menina, não misturarem ciência com religião e nem se utilizar de cargo público para expressar apenas suas loucuras”.
Após dizer isso, num gesto raivoso, a menina empurrou Jesus do pé da goiabeira. Ele só não caiu porque foi amparado por uma nuvem de goiabas ia passando.
Escritor
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