Por Benedito Vasconcelos Mendes - (Continuação)
8. Sapateiro
O sapateiro confeccionava e
consertava sapatos, chinelos, sandálias, alpercatas de rabicho, botas, perneiras e tamancos de
madeira com rosto de couro. As ferramentas de trabalho mais características da oficina de
sapateiro eram o pé de ferro; as formas de sapato, feitas de madeira; a máquina de costura de sapateiro;
o martelo de cabeça chata; o torquês para arrancar pregos; os vazadores de couro, para abrir os
orifícios para os cadaços; a sovela; o trinchete de cortar sola; a máquina de aplicar ilhós; a pedra
de amolar faca; a agulha grossa; a linha zero; o dedal e a tábua de apoio. O sapateiro trabalhava de
avental de couro, mantendo sempre a tábua sobre as coxas, a qual servia de apoio, praticamente,
para todas as tarefas do seu ofício, como pregar, colar, costurar, cortar sola etc. Ao lado do seu
assento, sempre existia um armário com prateleiras, onde ficavam expostos os calçados. O armário
também possuía gavetas, onde eram guardados os materiais de uso diário, como tachas, pregos,
fivelas, ilhós, argolas, rebites, cadaços, tinta para couro, graxas de polir, cola, calçadeira, escova e
flanela para polir, sola, vaqueta, pelica, camurça e borracha de pneu de carro, para fazer o solado e o
salto dos calçados. Em regra, o espaço físico de trabalho do sapateiro era muito reduzido,
constando de um pequeno quarto de uma só porta, cujas paredes exibiam figuras de revistas, com
fotos de time de futebol do Rio de Janeiro ou de São Paulo e fotos de mulheres com roupa de banho.
9. Vaqueiro
Ao contrário do agricultor e do
tirador de madeira, o vaqueiro é um profissional com habilidades especiais. Para ser
vaqueiro no sertão nordestino de antigamente era preciso saber derrubar um novilho, para serrar
as pontas dos chifres; laçar uma vaca parida, para esgotar o colostro; ajudar a nascer um
bezerro atravessado; curar uma bicheira no umbigo de um bezerro novo; ferrar e castrar garrotes;
arrelhar um bezerro, para tirar o leite da vaca; laçar um novilho brabo, imobilizá-lo no mourão e
colocar a careta, para levá-lo a outra fazenda; ou, em uma seca, saber levantar uma vaca
enfraquecida ou colocar uma rês caída em uma rede e muitas outras habilidades próprias do vaqueiro.
O vaqueiro é um profissional destemido, capaz de quando protegido pela véstia (gibão),
entrar na caatinga fechada e espinhenta, para trazer uma rês desgarrada. Com seu cavalinho
nordestino, o vaqueiro formava uma dupla incomparável. Ambos, de estatura pequena, franzina e
esguia, tornavam-se gigantes na força, na destreza e na coragem, quando enfrentavam, de maneira
destemida, o touro bravo no meio da mata arbórea, esgalhada e tortuosa e entre as cactáceas e
bromeliáceas armadas de espinhos. Aparentemente frágil, quando encourado e montado no seu
cavalo, o vaqueiro enfrentava, com galhardia, o boi enraivecido na mata seca e garranchenta. Seu
trabalho era quase solitário, pois um só vaqueiro cuidava de um grande rebanho de bovinos. Nesta
lida, ele necessitava apenas de um auxiliar, que, geralmente, era um aprendiz, que no futuro será
um novo profissional. O trabalho do vaqueiro começava de madrugada, quando ele tirava o
leite das vacas de bezerro novo, para fazer o queijo de coalho, a manteiga da terra, a coalhada e o
leite cozido, para o consumo diário da fazenda. Durante o dia, campeava o gado, tratava das
bicheiras, que por ventura existissem nas reses, observava as vacas amojadas, verificava as cercas,
mensurava, mentalmente, a quantidade de pasto ainda disponível nos cercados e tomava outras
providências necessárias à boa manutenção do rebanho. O vaqueiro dormia cedo. Ao escurecer, após
tomar a coalhada com farinha de mandioca e carne assada e fumar seu cachimbo ou cigarro de palha,
deitava-se na rede de dormir até a madrugada seguinte, quando começava, de novo, sua luta
diária. Geralmente, o proprietário da fazenda de criar gado também era um exímio vaqueiro e, quando
necessário, ajudava na lida diária, especialmente, na ferra do gado, na castração dos novilhos, na
apartação dos garrotes e na transferência do rebanho para outra fazenda. No sertão semiárido, os
criadores de gado criaram uma estratégia para salvar o rebanho por ocasião das secas. Tal estratégia
consistia no uso de duas fazendas, uma no sertão seco e outra no litoral semiárido, que é um pouco
mais chuvoso e de solos sedimentares, que acumulam mais água.
Embora o litoral não tenha a
riqueza de pasto existente no sertão, ele apresenta algumas forrageiras praianas importantes, como o oró
(Phaseolus panduratus) e os cipós, os quais possuem raizes tuberosas, que nos anos de seca
podem ser arrancadas e picadas para alimentar o gado. Quando o criador se conscientizava de que
o ano seria seco, ele retirava o gado para a fazenda do litoral e lá o rebanho era salvo. No início do
próximo período chuvoso, as reses retornavam para a fazenda sertaneja. Nos eventos anuais de
apartação dos garrotes, ferra do rebanho e castração dos novilhos, o trabalho era feito auxiliado
pelos vizinhos, no sistema de mutirão. Quando os vaqueiros das fazendas da redondeza chegavam,
com suas véstias e montados em seus cavalos, para ajudar no trabalho e participar da
vaquejada festiva, ocorria o congraçamento entre eles. Era um momento de alegria e de muita festa. O
vaqueiro da propriedade sede recebia a sorte do gado que criava. De cada quatro nascimentos, um bezerro
era para o vaqueiro. Quando o vaqueiro viajava tangendo o gado, para outra fazenda, ele levava no
alforje seu alimento (paçoca, queijo de coalho, carne assada e rapadura) e água de beber na
cabaça. Uma das coisas que ele não esquecia de levar era o corrimboque (ponta de chifre oco
com tampa) contendo o rapé de fumo.
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