Por Manoel Severo
Juliana Pereira e Alcino Costa e a Caravana Cariri Cangaço na Maranduba
Na semana passada, dia 26 de novembro, revivemos a grande batalha da Serra Grande, em seus 90 anos de história, sem dúvidas um marco dentro da historiografia cangaceira. Dentre outros registros tivemos a expedição dos confrades Louro Teles e Marcelo Alves, artigo postado neste mesmo blog. Quando falamos em Serra Grande, nos remetemos invariavelmente a outros dois combates célebres: Serrote Preto e Maranduba, que formam o mais famoso triunvirato dos confrontos entre o rei vesgo, Lampião e as forças volantes...
Permitam nos transportar para as terras áridas da acolhedora Poço Redondo em Sergipe; berço do querido e inesquecível Alcino Alves Costa, patrono do Conselho Consultivo do Cariri Cangaço; ali, quando ainda era Porto da Folha, está localizada a Fazenda Maranduba, onde em janeiro de 1932 teríamos o emblemático "combate da Maranduba". "Nunca vi tanta bala como em Maranduba..." confessa Manoel Neto, o "Mané Fumaça" Nazareno...
Estive em Maranduba por quatro vezes; 2009 e 2010 ao lado de Alcino Alves Costa e ainda no carnaval de 2012 em Caravana Cariri Cangaço, ao lado do mesmo Alcino, Juliana Pereira, João de Sousa Lima, Aderbal Nogueira, Múcio Procópio, Lívio Ferraz, Afrânio Gomes e Luiz Camelo, depois mais recentemente em grande visita com mais de 150 pesquisadores durante o Cariri Cangaço Piranhas 2015, tendo a frente Archimedes e Elane Marques.
Estive em Maranduba por quatro vezes; 2009 e 2010 ao lado de Alcino Alves Costa e ainda no carnaval de 2012 em Caravana Cariri Cangaço, ao lado do mesmo Alcino, Juliana Pereira, João de Sousa Lima, Aderbal Nogueira, Múcio Procópio, Lívio Ferraz, Afrânio Gomes e Luiz Camelo, depois mais recentemente em grande visita com mais de 150 pesquisadores durante o Cariri Cangaço Piranhas 2015, tendo a frente Archimedes e Elane Marques.
Fazenda Maranduba e os Umbuzeiros históricos...
Manoel Severo e a Cruz dos Nazarenos...
A literatura do cangaço, a partir de pesquisas dedicados e criteriosas de vários escritores, vaqueiros da historia , como também depoimentos de remanescentes do fenomenal "fogo da Maranduba" nos trazem um cenário e um desfecho extremamente surpreendentes. As circunstancias tanto anteriores, como o próprio fogo e suas consequências nos colocam mais uma vez diante de um dos mitos do cangaço: A genialidade de Virgulino Ferreira da Silva
Maranduba ficou célebre na historia do cangaço e na memória de quem viveu o episódio, vamos recorrer a relatos de contemporâneos dos acontecimentos “uma coisa que foi muito comentada e com curiosidade, foi que no local em que aconteceu o fogo de Maranduba, durante vários anos, das árvores e dos matos rasteiros não ficaram folhas. Tudo era preto, como se tivesse passado um grande fogo. As árvores ficaram completamente descascadas de cima abaixo, de balas”, verdadeiramente um cenário de guerra...
Escombros da antiga casa da Fazenda Maranduba
Aderbal Nogueira, Lívio Ferraz, Afrânio Gomes e Mucio Procópio na
Caravana Cariri Cangaço na Maranduba.
Como em Serra Grande, o que poderia ter sido determinante para a fragorosa derrota das forças volantes em Maranduba ? Mesmo de maneira empírica, ficamos por várias horas olhando aquela imensidão de caatinga, relva rala, vegetação rasteira e mesmo compreendendo as mudanças que o tempo invariavelmente impôs ao lugar, parecia que era realmente uma loucura a investida do grupo militar em circunstancia tão adversa de terreno e localização. Será que mesmo depois de tanto tempo perseguido e combatendo Lampião, homens experimentados como Manoel Neto, Liberato de Carvalho, Zé Rufino dentre outros valorosos volantes, haveriam de mais uma vez menosprezar a capacidade estratégica de combate do rei dos cangaceiros ?
Pouco tempo antes havíamos tido o episódio das "ferrações" na vizinha Canindé do São Francisco, tendo como personagem principal Zé Baiano. Será que a perversidade do selvagem ato dos cangaceiros unido ao cansaço de longa perseguição ao bando acabou de alguma forma interferido na lucidez e zelo dos comandantes das tropas diante da eminente possibilidade de "pegar" Lampião ? Novamente o fator numérico se fez de rogado e a superioridade numérica dos soldados não se mostrou eficaz...
Manoel Neto
Muito se fala do espetacular senso estratégico de Virgulino, sua sagacidade em combate e sua lucidez que acabam se confirmando novamente em Maranduba. O confronto se deu lá pelo meio dia e se prolongou até o final da tarde. Relatos indicam que o bando estava se preparando para comer distribuídos entre os sete famosos umbuzeiros e as pias; depressões naturais nas rochas; fonte preciosa de água . Até que ponto e em que momento crucial Lampião identificou a aproximação das volantes e que tempo teve para "arquitetar" a ação de seus homens ? Em nossas visitas ficávamos a imaginar como poderia ter se dado...
Mané Neto comandava seus homens, dentre esses; inúmeros Nazarenos, já cansados da longa jornada desde Jatobá e estavam na vanguarda do combate. Em seguida se aproximavam os baianos de Liberato de Carvalho, dentre esses, Zé Rufino, que estavam na Malhada da Caiçara quando souberam do acontecido em Canindé ... As tropas desesperadas no encalço de Lampião acabariam envolvidas pelo gênio beligerante de Virgulino que acabou deixando os soldados sob várias linhas de tiro e que durante cerca de cinco horas haveriam de decretar mais uma vexatória derrota das volantes.
Vamos nos remeter ao depoimento de Labareda; cangaceiro Ângelo Roque que participou nesta batalha, prestado a Estácio Lima e publicado no livro O Mundo Estranho dos Cangaceiros, descreve o que aconteceu, neste dia, no seu linguajar típico: “... Nóis cheguêmo na caatinga de Maranduba, pru vorta di maio dia, i tratemo di discansá i fazê fogo prôs dicumê, i nóis armoçá. Mas a gente num si descôidava um tico, i nóis sabia qui as volante andava pirigosa. Inquanto nóis discansava, botemo imboscada forte, di déiz cabra pra atacá us macaco qui si proximasse. Nóis cunhicia us terreno daqueles mundão, parmo a parmo. Us macaco num sabia tanto cuma nóis. Todos buraco, pedreguio, levação, pé di pau, pru perto, nóis sabia di ôio-fechado, i pudia tirá di pontaria sem sê vistado. Nisso, vem cheganou’a das maió macacada qui tivemos di infrentá. I us cumandante todo di dispusição prá daná: Manué Neto, qui us cangacêro tamém chamava Mané Fumaça, Odilon, Euclides, Arconso e Afonso Frô. Tamém um Noguêra. Nesse bucadão di macaco tava u Capitão ou Tenente Liberato, du izérto. Dizia us povo qui ele era duro di ruê. I era mesmo. Brigava cuma gente grande, i marvado cumo minino. Mas porém, valente cumo u capêta. Di nada sirvia a gente gostá i tratá com côidado um mano qui êle tinha na Serra Nêga. Essa Força toda dus macaco si pegô mais nóis na Maranduba. Nóis era trinta e dois cabra bom. U Capitão Virgulino tinha di junto, nessa brigada, us principá cangacêro: Virgino, Izequié, Zé Baiano, Luiz Pêdo, i seu criado Labareda. Dus maiorá só fartava mesmo Curisco sempre gostô di trabaiá sozinho, num grupo isculido dicangacêro, mais Dadá. Briguemo na Maranduba a tarde toda i nóis cum as vantage cumpreta das pusição, apôis us macaco num pudia vê nóis. A volante di Nazaré deve tê murrido quaji toda. Caiu, tamém, matado di ua vêis, um dus Frô, qui si bem mi alembro, foi u Afonso. Cumpade Lampião chegô pra di junto do finado i abriu di faca a capanga dêle, i achô um papé qui tinha iscrito um decreto dizeno qu ele já tinha dado vinte i quatro combate cum u cumpade Lampião. Veio morrê nu vinte i cinco. A valia qui tivemo nessa brigada foi us iscundirijo. Morrero, aí, trêiz cangacêro i trêiz ficô baliado. Us istrago qui fizemo nessa brigada foi danado ! Matemo macaco di horrô !”
O olhar sereno e perdido do mestre Alcino Alves Costa, parecia vislumbrar as nuances e detalhes da batalha, a qualquer momento poderíamos ouvir os estampidos do emblemático confronto. E o Caipira de Poço Redondo confessa: "Severo, esse Virgulino era mesmo genial !" E humildemente precisei me render ao velho amigo.
Hoje Maranduba mantem os velhos umbuzeiros, testemunhas mudas da grande batalha, do horror e da genialidade do rei Lampião, ali ainda podemos ver a "Cruz dos Nazarenos", onde foram sepultados 4 homens de Nazaré: Hercílio de Souza Nogueira e seu irmão Adalgiso de Souza Nogueira (primos dos irmãos Flor), João Cavalcanti de Albuquerque (tio de Neco Gregório) e Antônio Benedito da Silva (irmão por parte de mãe de Lulu Nogueira, filho de Odilon Flor).
Vendo de perto a lendária Maranduba, sua geografia, vegetação, pisando aquele chão, vendo in loco como as tropas da policia se posicionaram e se aproximaram, o recuo estratégico dos cangaceiros; o cerco, a emboscada, só assim, vamos entender o quanto foi surpreendente o desempenho e a resistência dos 32 homens de Virgulino contra as forças de baianos e pernambucanos de Manoel Neto e Liberato de Carvalho. Realmente a intrigante Maranduba ficou para a história...
Manoel Severo
Curador do Cariri Cangaço
Manoel Severo
Curador do Cariri Cangaço
http://blogodmendesemendes,blogspot.com
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