*Rangel Alves da Costa
O Sertão é dividido em muitos sertões. Há o sertão sertanejo, o sertão apenas da memória, o sertão do progresso e do modismo, o sertão enquanto geografia e características peculiares.
Neste sentido, o sertão do mandacaru, do xiquexique, da flor de jurubeba nos beirais das estradas, das secas e das estiagens, das esperanças de chuva e das trovoadas de vem em quando.
Mas há um sertão que nem o progresso consegue afastar totalmente a sua feição: o sertão cultural, tradicional, enraizado em si mesmo. O sertão e sua autenticidade, bem como sua força de permanência.
Como exemplo, temos as permanências das manifestações culturais dos pífanos, do reisado, do samba-de-coco, da cavalhada, do aboio e da toada, do xaxado e do forró, das velhas vozes ecoando emboladas e nostalgias musicais.
É neste contexto que se insere o sertão da roça, do mato, do curral, do casebre de cipó e barro, da poeira levantando na estrada pela passagem da boiada, da cozinha cheirando a coisa boa da terra e do quintal do purrão e do varal.
E se insere pelo fato de que as permanências culturais e tradicionais sempre nascem e afloram a partir dos arredores e das distâncias das cidades ou centros urbanos. Quanto mais familiar for a tradição, mais força ela terá.
Nas povoações, fazendas, solidões das matarias e pequenos mundos, é onde continua gestando o grande sopro de vida do sertão. O sertão do mato é o legítimo sertão, aonde é possível encontrar o verdadeiro sertanejo.
A cidade consume sem saber que está se embrenhando naquilo que de mais puro e original há no seu mundo-sertão. Ora, a prova disso está no eterno amor pela vaquejada, pela vaqueirama, pela vida de gado.
Vaqueiro e boi não são da cidade não. Pega-de-boi e alazão pelo mato não são da cidade não. Aboio e toada, cantoria e versejar matuto não são da cidade não. É tudo do mato, tudo cheirando a terra, a bicho, a estrume, a sol, a espinho e toco de pau lanhando a pele.
O profundo amor pela vaquejada é também o amor profundo ao sertão em sua raiz maior. Mesmo que os costumes vaqueiros tenham se modificando, a raiz continua, pois gestada no amor sentido pela vida de cavalo e gado.
Hoje as mocinhas se enfeitam para as vaquejadas, fazem do descampado e da mataria verdadeira passarela de desfile, sem saber que estão reverenciando algo grandioso no mundo-sertão: a cultura da pega-de-boi no mato.
Os novos vaqueiros, todos encorajados e destemidos, nada mais são que a permanência dos velhos vaqueiros do passado. Antigos vaqueiros que se preocupavam muito mais em cuidar do gado, em ir atrás de boi desgarrado, em seguir pelos estradões levando boiada.
O cheiro do couro não mudou, o sol sobre a pele não mudou, o espinho na pele não mudou, a força e a valentia não mudaram, o afoitamento é o mesmo. E não mudou pelo fato de que o sentido da vida vaqueira é exatamente a relação entre cavalo e boi, e não a forma como hoje isso se traduz.
É, pois, neste sertão do vaqueiro e da vaquejada, que continua pujante aquele sertão de outrora. Como dito, os vaqueiros de agora são os mesmos vaqueiros de outrora nas suas proezas e valentias.
Não há que se dizer sobre um vaqueiro que surge agora para o sucesso, mas tão somente num sertanejo que vai seguindo os mesmos passos de seu pai, de seu avô, de seu bisavô.
Daí também o Parque de Vaquejada União Santa Fé, nos arredores da cidade de Poço Redondo, se constituir num grande livro onde as antigas tradições sertanejas estão tendo continuidade na escrita. E que bom que seja assim.
Na vaqueirama e na vaquejada aquele sertão único entre passado e presente. E a beleza de ter um troféu da história levantado.
Escritor
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