Antevéspera do
Natal 1929. A data estigmatizou a vida de grande número de viventes de Cansanção e Queimadas.
Não consta existir uma só alma viva para repassar a triste história. O último,
seu João Gomes da Silva, o João Hipólito, neto do célebre Luiz da Silva Gomes
Buraqueira, morreu em 2008.
Contou João
Hipólito ao narrador deste texto que naquele nefasto dia deixara sua
residência, em Cansanação, bem cedo. Levava na cabeça uma pilha de pindobas
destinada a cobrir a barraca de uma tia que vivia da venda de café, quando
avistou um ajuntamento de animais na porta do açougue. Julgou ser o velório de
defunto desencarnado pela madrugada. Ao aproximar-se descobriu que Lampião
acabara de invadir a vila à frente de vários cabras. Ali talvez antegozassem o
produto da pilhagem.
Os cangaceiros
convidam João Hipólito a tomar umas pingas. Recusar era uma afronta certamente
respondida com no mínimo um par de chicotadas. Ou uma dúzia de bolos de
palmatória. Aceitou entornar algumas doses apesar de estar em jejum e não ser
dos melhores amigo da cachaça.
Em seguida
João Hipólito foi convocado a acompanhar a quadrilha na viagem de caminhão com
destino a Queimadas. Deu a entender que aceitaria, mas antes…
Antes
precisava urgente ir ao mato, “sujar”. Dada permissão, simulou afrouxar o
cinto, desabotoar a braguilha, acocorar-se atrás de uma moita de xique-xique.
E tomou
sumiço, sem vacilar, numa carreira doida, chutando espinhos, tropeçando nos
tocos, se estropiando nos galhos Se cai na malha dos facínoras, adeus mamãe,
adeus papai…
ASSALTO E
EXTRAVAGÂNCIAS
Os cangaceiros
tomaram Cansanção de assalto por volta das sete da manhã de 22 de dezembro de
1929. Permaneceram intermináveis horas na vila, invadiram as poucas residências
e estabelecimentos comerciais dos quais retiravam perfumes, bugigangas e peças
de tecidos das prateleiras e distribuíam com quem se achava nas imediações.
Arrecadaram todo o dinheiro que puderam. Agrediram e fizeram moradores passar
por constrangimento e humilhação. Antônio Primo, único barbeiro da praça, foi
compelido a fazer a barba de Lampião e de outros cangaceiros. E ele que
negasse!
O estoque de
perfume evaporou. Os bandidos abriam os frascos e derramavam o líquido nas
roupas sujas e fedorentas assim como no rabo dos cavalos. Conhaque, cachaça,
cerveja e vinho estocados foram engolidos, garrafas esvaziadas.
Uma das
testemunhas das depredações foi Lúcio José da Silva, o Lúcio da Parelha, assim
chamado por ser proprietário da fazenda de igual nome. O fazendeiro narrou que
a caterva procedia do Acaru, Monte Santo. Lúcio não só foi constrangido a
fornecer cavalos, mas igualmente a servir de guia.
Entre os
cidadãos forçados a fornecer dinheiro aos delinquentes, relacionam-se: Domingos
Manoel de Jesus, José Ambrósio Modesto, Miguel Salvador, Pedro Salvador (Dodô)
e seu irmão Antônio Soares, Terto Fagundes, Martinzinho (ex-jagunço do
Conselheiro), Romão Belau, Chico Borges do Jatobá, Pedro Monteiro e o próprio
Lúcio José da Silva.
Não houve,
contudo, incêndio, defloramento, violência e conseqüente derramamento de
sangue, como dali a horas haveria de acontecer em cidade vizinha.
A CARNIFICINA
DE QUEIMADAS
De Cansanção a
súcia embarcou para Queimadas (a 40 quilômetros), na carroceria de caminhão do
IFOCS, mais tarde DNOCS.
Em meio à
tranqüilidade de um domingo, por volta das três da tarde, irrompe um grupo
fortemente armado, à primeira vista confundido com tropa de soldados volantes.
O grupo foi
avistado por Deusdedith Barbosa de Souza da casa comercial do pai, Hermelindo
Barbosa de Souza e reputado como uma força policial.
No quartel,
Lampião agarrou de surpresa o comandante Evaristo Carlos da Costa e deu voz de
prisão aos sete soldados.
Antes de
atravessar o rio Itapicuru, Lampião tomara por prisioneiros os irmãos Marques,
Carlos Hilário e Irênio. Estes foram intimados a providenciar canoas para a
travessia do rio.
Após
desembarcar na margem direita, o atrevido e falso capitão Virgulino, prende o
oficial de justiça Alvarino. Este e os irmãos Marques ficaram sob as ordens do
comandante do grupo enquanto durou a investida.
A caminho do
quartel, Lampião trocou palavras amáveis com João Lantyer. Este aguardava que
José de Patápio lhe consertasse o Ford-bigode modelo 1929.
Uma ala do
grupo partiu para o quartel, outra para a estação ferroviária. Receberam voz de
prisão o telegrafista Joaquim Cavalcante e o agente Manoel Evangelista. Fechada
a estação, os funcionários foram levados como prisioneiros.
Considerados
prisioneiros foram também o Dr. Manoel Hilário do Nascimento, juiz preparador e
o tabelião José Francisco do Nascimento.
Cidade sob seu
domínio, Lampião condenou os sete soldados à morte, fuzilados covardemente a
vista do sargento-comandante, ao entardecer.
Foram
executados barbaramente os seguintes praças da polícia: Olímpio B. de Oliveira,
Aristides Gabriel de Souza, José Antônio Nascimento, Inácio Oliveira, Antônio
José da Silva, Pedro Antônio da Silva e o anspeçada Justino Nonato da Silva.
O sargento
Evaristo Carlos da Costa não foi sacrificado a pedido de uma senhora da
sociedade queimadense, Dona Santinha. Dona Santinha, de nome Austrialina, em
troca de um trancelim, soube tirar proveito da oportunidade ao ouvir do chefe
do bando que ela tinha o direito de fazer um pedido. Lampião,
constrangido,cumpriu a palavra: não permitiu que o sargento comandante fosse
fuzilado. Evaristo morreu em Santa Luz aos oitenta e oito anos de idade.
Tomaram parte
nos assaltos a Cansanção e Queimadas os seguintes malfeitores: Lampião,
Volta-Seca, Luiz Pedro, Antônio de Engrácia, Mariano, Mourão, Azulão, Ângelo
Roque (Labareda), Gato, Gavião, Ezequiel (Ponto-Fino, irmão de Lampião), Zé
Baiano, Antônio de Naro, Virgínio (Moderno, cunhado de Lampião), Arvoredo,
Fortaleza, Revoltoso e Zabelê. Entre os dezoito havia: 7 baianos, 6
pernambucanos e 2 sergipanos.
Texto: Oleone
Coelho Fontes (Foto Montegem/Editora Abril).
Mais pormenores do massacre de Queimadas e do saque de Cansanção, no livro Lampião na Bahia, em sétima edição. Interessados podem pedir ao autor pelo telefone: (71) 3359-9660.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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